O atentado contra a revista semanal satírica Charlie Hebdo deixou a França de luto, matando chargistas considerados ícones da imprensa do país, entre eles o diretor Charb, de 47 anos, e dois pioneiros do gênero, Cabu, 76 anos, e Wolinski, 80.
Charb, corrosivo e militante
Usando seu traço espesso como arma, Charb disparava para todos os lados. Guerra, política, televisão, doenças, religião... Nenhum assunto era tabu.
- No Charlie Hebdo, não temos a impressão de degolar ninguém com uma caneta -, disse recentemente o cartunista ao se referir à forma com a qual à sua publicação tratava a questão do islã. Desde maio de 2009, ele era o diretor do Charlie Hebdo.
Um das últimas caricaturas de sua autoria é de cruel ironia. "Ainda não teve atentado na França?", pergunta um homem barbudo armado. "Aguardem, ainda temos até o fim de janeiro para apresentar os votos de Ano-Novo".
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O tom também mostra a forte personalidade de um homem engajado, que sempre foi destemido, mesmo vivendo sob proteção policial depois de ter sido alvo de um primeiro atentado, em 2011, quando a sede da revista foi incendiada.
Stéphane Charbonnier, vulgo Charb, nasceu no dia 21 de agosto de 1967, em Conflans-Sainte-Honorine, no subúrbio de Paris.
- Ele aprendeu a desenhar durante as aulas de matemática. Bem ou mal, acabou sendo menos pior em desenho do que em matemática - resumiu, sem perder o humor, a editora Casterman.
Em 1991, Charb participou do lançamento do semanal satírico Grosse Bertha, criado para a guerra do Golfe, cujo nome se referia a um grande canhão usado durante a primeira guerra mundial. O chargista acabou deixando a revista um ano depois, com a maior parte da equipe, para participar do lançamento de Charlie Hebdo, que virou referência no jornalismo satírico francês.
Charb foi colocado sob proteção policial após ter recebido ameaças de morte depois da publicação de caricaturas de Maomé. Seu nome e seu retrato figuravam, junto com outros oito, numa lista de personalidades "procuradas mortas ou vivas, por crimes contra o islã", publicada em 2013 pela revista jihadista em inglês Inspire.
Cabu, carrasco da besteira
Com 60 anos de carreira e mais de 35 mil desenhos, Jean Cabut, vulgo Cabu, foi um dos maiores cartunistas da história da imprensa francesa. Nascido no dia 13 de janeiro de 1938 em Châlons-sur-Marne, no centroeste do país, publicou suas primeiras charges com apenas 15 anos de idade. Depois de estudar Belas Artes em Paris, passou 27 meses na Argélia para fazer seu serviço militar, o que só fez reforçar suas convicções antimilitaristas.
No seu retorno, integrou, em 1960, a redação da revista mensal Hara-Kiri, junto com craques do desenho satírico da época, como Reiser, Topor, Fred, Wolinski. A publicação foi ameaçada de fechamento várias vezes, por "ofensa aos bons costumes".
Estavam na mira das suas canetas acirradas os políticos, o exército, as religiões, e, principalmente, os "beaufs" - caricaturas dos clichês de franceses resmungões e chauvinistas, que Cabu escancarava como espelhos aos próprios conterrâneos.
Veterano da profissão, o anarquista tornou-se o pilar dos dois principais semanais satíricos da atualidade, Charlie Hebdo e Le Canard Enchaîné. Sempre manteve o ímpeto da juventude, deixando claro que os únicos arrependimentos que teve na vida foi justamente não ter sido ainda mais ríspido contra o poder e o conformismo.
As caricaturas de Maomé que publicou em 2006 foram umas das mais corrosivas já divulgadas e valeram à equipe do Charlie Hebdo várias ameaças de morte.
- Os chargistas vivem da besteira, e ainda tem muita matéria-prima - brincava.
Wolinski, pai do "rei dos burros"
Cheio de irreverência, à beira da vulgaridade, Georges Wolinski marcou uma geração com sua mais famosa personagem, "le Roi des cons" (o rei dos burros, na tradução), que estampava as páginas de Hara-Kiri na década de 1960 e até hoje no Charlie Hebdo.
Como o lema do Hara-Kiri, seu humor era "burro e maldoso". Em 2012, chegou a pedir para que gravassem no seu túmulo uma frase do seu velho companheiro Cavanna, cartunista falecido em janeiro do ano passado, que também fez parte da equipe do Charlie Hebdo.
- Wolinski, achamos que ele é burro porque ele faz palhaçada, age como burro, mas, na verdade, é burro de verdade -, ironizava.
Nascido em 28 de 1934, em Tunis, perdeu o pai muito cedo, assassinado quando ele tinha apenas dois anos de idade. Foi na Tunísia que o pequeno Georgie, como o chamava a avó, descobriu os quadrinhos americanos. Chegou a Paris em 1945 e era "mais ocupado em paquerar e em desenhar do que em estudar". Começou sua carreira de chargista ao ilustrar o jornal do seu colégio. Seus primeiros desenhos 'profissionais' foram publicados no Hara-Kiri, em 1961.
Na década de 1980, passou a trabalhar em vários jornais diários, como o comunista L´Humanité, o Libération, ou a revista semanal Nouvel Observateur. Wolinski também publicou cerca de 80 livro de histórias em quadrinho, coletâneas de charges de imprensa ou ficções, como as aventuras eróticas de Paulette.
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* AFP