Quando chegou à adolescência, o paulista Wonarllevyston Garlan Marllon Branddon Bruno Paullynelly Mell Oliveira Pereira fez o que qualquer pessoa consciente e preocupada com o assédio que sofreria dos amigos faria: pediu aos pais e à Justiça para trocar de nome.
- Nunca tive nada em comum com Marlon Brando - diz ele, referindo-se ao ator norte-americano que inspirou parte de seu nome. Assim, com a permissão de seus pais e do sistema legal, ele trocou os nove por apenas quatro, Bruno Wonarleviston Oliveira Pereira.
- Não quis passar a vida inteira carregando algo mais complicado que isso - explicou Bruno, um universitário de 19 anos.
Ter um nome diferente é extremamente comum no Brasil. Basta dar uma olhada na linha do tempo do Facebook; ou começar a bater um papo com o pessoal do churrasco de domingo; ou, quem sabe, simplesmente parar um pouco na fila de qualquer cartório e ouvir o chamado por aqueles que estão esperando por algum reconhecimento de firma.
É realmente de cair o queixo.
Mike Tyson Schwarzenegger Pradella. Errolflynn Paixão. Charlingtonglaevionbeecheknavare dos Anjos Mendonça, um encanador de 31 anos que prefere ser chamado de Chacha, mais simples e sonoro.
Alguns estudiosos dizem que a prática vem da tendência de se espelhar em outros países, mais ricos e mais bem conceituados que o Brasil, estimulando os pais a buscar nomes que soem ilustres. Uma tradição, talvez inconsciente, de homenagear presidentes norte-americanos produziu pérolas como Abraão Lynconn Sousa Santana e Francisco Lindon Johnson Menezes da Luz Junior - se bem que o outro lado do espectro ideológico também está representado em nomes como Mao Tse Tung Lima de Moura.
Outros alegam que o costume reflete séculos de imigração, conquista e escravidão, processo que misturou as culturas indígena, africana, europeia e asiática para gerar uma fusão de identidades. Em um país com uma série de tradições musicais - que vão desde o gingado da bossa nova ao sertanejo - batizar o filho com um nome sonoro também não está fora de cogitação.
Que o diga Sherlock Holmes da Silva, que é chamado de XÉR-Lóqui RÔL-mis e se destaca onde quer que seja anunciado.
- Se perguntar a qualquer um o porquê do nome e vão dizer que é por causa do som; as pessoas que fazem isso não foram engolidas pela cultura de massa, o que eu acho ótimo - confirma Elaine Rabinovich, psicóloga que explora a prática singular do Brasil.
Alguns países, como Alemanha e Islândia, têm leis rígidas em relação às escolhas de nomes de seus cidadãos. Em Portugal, país colonizador do Brasil, há uma lista pré-aprovada que força os pais a se limitarem ao tradicional, podendo optar por Neóteles, mas nem pensar em Neptuno.
Já o Brasil, livre dessas regulamentações, está entre as nações onde batizar os filhos evoluiu a ponto de se parecer com um esporte competitivo. A vizinha Venezuela também segue a mesma linha, com sua cota de Stalins, Nixons, Hiroshimas, Tutankamens e Taj Mahals. Honduras tem Llanta de Milagro (Calota Milagrosa); o Zimbábue tem Godknows (Sabe Deus), Lovemores (Amar Mais) e Learnmores (Aprender Mais).
Entretanto, mesmo no Brasil tão livre, muitos coitados têm que manter nomes de que nem gostam. Isso porque a mudança exige aprovação de um juiz, que pode considerá-lo ridículo ou ofensivo; o problema é que o processo é exaustivo e problemático, como toda questão burocrática no Brasil, e exige até advogado.
- A tendência da Justiça é negar a mudança, o que é uma pena, porque tem muito nome por aí que parece mais uma sopa de letrinhas - explica Gerson Martins, advogado especialista na tarefa.
Embora algumas pessoas façam de tudo para se livrar da nomenclatura incômoda, há aqueles que gostam de ter nomes que embaralham a língua, deixam os outros sem graça e servem para engatar uma conversa.
- Eu tenho um nome maravilhoso que, de cara, faz com que me destaque na multidão - afirma Creedence Clearwater Couto, batizado com o nome da banda de rock norte-americana dos anos 60.
- Como quase ninguém sabe quem são, 90% do pessoal pronuncia errado, mas foram os caras que fizeram 'Bad Moon Rising'. Tenho muito orgulho de levar o nome desses gênios da música - defendeu, referindo-se ao sucesso de 1969.
Enquanto a elite prefere ficar com os tradicionais Pedro, Gabriel, Julia e Carolina, a cultura popular dos EUA sem dúvida fascina uma grande parcela da sociedade - só assim para explicar um fenômeno como Oleúde José Ribeiro, atleta aposentado cujo primeiro nome é uma adaptação fonética de Hollywood.
Um canal de TV há pouco descobriu uma família no interior de São Paulo que encontrou sete formas de homenagear Elvis Presley: Elvis, Elvisnei, Elvismara, Elvislei, Elvicentina, Elvislaine e Elvislene.
Deparar-se com essas raridades pode ser desconcertante para os estrangeiros que não conhecem o costume.
- Nem pense que ele ou ela está fazendo uma brincadeira com o próprio nome. Seja o nome que for, é sempre o verdadeiro - ensina o escritor mexicano Juan Pablo Villalobos, que mora em São Paulo e escreveu o irônico "Brazil: A User's Guide", publicado pela Granta.
Há também quem note que a popularização de um nome tem fases. O colunista Ruy Castro, por exemplo, afirma que os sonoros Eustáquio, Pancrácio, Hermenegilda e Hilária hoje provavelmente só são encontrados nas lápides dos cemitérios.
Outros acreditam que a moda se radicalizou demais e que é preciso impor limites.
- Já chegamos a um ponto em que é preciso fazer alguma coisa - diz Osny Machado Neves, um advogado de 73 anos que durante mais de 35 trabalhou em um cartório. Perplexo com os nomes que já encontrou, ele compilou os oito mil mais chocantes em um livro.
- Às vezes os pais não têm a mínima noção do trauma que estão infligindo aos filhos - prossegue ele, mencionando o exemplo de Colapso Cardíaco.
As fontes de inspiração são as mais diversas. José Miguel Porfírio, acordeonista do Recife, batizou as três filhas de Xerox, Autenticada e Fotocópia, palavras que viu anunciadas na porta de um cartório.
E tem também Petroswickonicovick Wandeckerkof da Silva Santos, um prodígio do futebol de doze anos que começou a treinar no Corínthians, um dos maiores times do Brasil - e mesmo em um país lotado de peculiaridades, um nome com 19 letras surpreende.
O garoto confessa que demorou um pouco para aprender a pronunciar o próprio nome. O pai, José Ivanildo dos Santos, técnico de futebol, tem que explicar sua escolha o tempo todo.
- A mulher do cartório achou horroroso e me chamou de maluco, mas eu disse que ia batizá-lo daquele jeito mesmo assim - conta ele em entrevista na TV.
Moda brasileira
Nomes diferentes são motivo de orgulho e dor de cabeça
Estudiosos acreditam que a prática de inventar nomes fora do comum vem da tendência de se espelhar em outros países, mais ricos e mais bem conceituados
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