Tudo é recentíssimo no meteoro chamado Luan. Há um ano o atacante corria para o aeroporto de São José do Rio Preto, interior paulista, mala comprada às vésperas, e viajava às pressas para Porto Alegre. Em companhia dos amigos Kairon e Guilherme Rato, tinha de se apresentar no Olímpico. Vinha do Catanduvence, por empréstimo de um ano.
Dois dias antes, o repórter Carlos Petrocilo, do Diário da Região, havia ligado para a mãe de Luan, Márcia Cristina de Jesus, curioso por saber da transação com o Grêmio. Márcia não sabia do negócio. E não podia dar muita atenção ao jornalista. Ela estava em serviço. Trabalhava como faxineira numa casa de família.
Agora, depois de prorrogar para 2017 o contrato com salário vitaminado e multa rescisória batendo nos 60 milhões de euros, aos 20 anos Luan pode colocar em prática uma antiga promessa feita em silêncio desde os tempos de peladas na periferia de sua São José do Rio Preto.
- Vou comprar uma casa para a minha mãe lá na minha cidade. Tenho um sonho e vou realizar - disse ele, desabrido, provando que em assunto de mãe ele é capaz de deixar a timidez de lado.
Todo jogador pensa na casa da mãe, é claro. Mas Luan é daqueles que podem concretizar o plano, desde que estourou em 2013 no time sub-20 e renovou o contrato no final de dezembro.
- E será lá na minha cidade (onde comprará a casa), cresci lá, gosto de lá. Para mim, eu ainda moro lá. Eu sei cuidar das minhas coisas. Tenho a cabeça no lugar - disse o garoto.
Tudo lhe é muito novo. Na noite de terça-feira, 26, Luan nasceu para o futebol brasileiro. O país queria conhecer quem era aquele garoto que fizera um dos três gols da vitória do Grêmio sobre o Nacional de Medellín em lance de inteligência ao perceber o impedimento de Riveros, sair de trás resoluto, empurrar o colega num "deixa, deixa, deixa" e concluir sobre o goleiro uruguaio em jogo de Libertadores na Arena.
Quem era aquele rapaz que roubara a bola e servira com inversão de jogo Zé Roberto no lance do chicote não-gol? Quem era o cara das arrancadas, do drible fácil?
No outro dia, o mundo queria entrevistá-lo. Mas o compromisso com o programa Arena SporTV o deixou um tanto nervoso. Era sua aparição de estreia em rede nacional, direto da bancada da RBSTV no Morro Santa Teresa. Antes, porém, Luan gravou um outro programa, o RBS Esporte.
Continha o nervosismo de pé no estúdio, vez em quando desviava os olhos, admirado com o entorno de gruas, cenários e holofotes. Assustado, ele deixou o estúdio e correu para a redação da TV. O apresentador Maurício Saraiva já perguntava por ele.
Acomodado à bancada, Luan afinal foi apresentado ao país e deve ter-se surpreendido com a sua desenvoltura.
- O professor Enderson diz pra gente: é melhor dar um pique de cinco metros na hora do que correr 20 metros do adversário depois - disse ao comentar a disposição por marcar a saída de bola.
- A velocidade? Depende do momento do jogo.
- Achavam que não seria fácil a adaptação do futsal para o futebol de campo, mas não foi.
- Prefiro a bola no chão.
Disse mais, mas só essas respostas demonstram sagacidade.
Saiu aliviado da TV. Alguém comentou o quanto ele é magro. Já foi mais seco: chegou com 66kg, está com 69kg em 1m80cm e deve ganhar mais massa muscular nesta temporada. O mês em que passou trabalhando fundamento e fisiologia no Projeto Lapidar no Olímpico foram proveitosos.
- Ele nasceu com 2,9kg e sempre foi magrinho. Mas jogava dia e noite, no campinho, na rua, na cancha de futsal perto de casa - conta Márcia Cristina.
Luan custa R$ 400 mil ao Grêmio
A primeira bola foi a de campo e dela Luan nunca se separou. Desde pequeno teve intimidade em campos de várzea em Rio Preto. Mas foi na cancha de futsal que ele jogou em time regular já aos quatro anos.
Fazia parte das escolhinhas do professor Alex num projeto chamado Missão Atos, uma iniciativa evangélica destinada às crianças carentes. Márcia é da Congressão Cristã do Brasil. Até os 10 anos, Luan e o mano, Lucas (18 anos hoje) acompanhavam a mãe nos cultos.
Luan perdeu o pai, João Marcos, em um acidente de moto. Tinha cinco anos incompletos, e só mais tarde sentiu a falta do pai. Márcia criou os dois filhos fazendo faxina:
- Nunca meus filhos me responderam. Eu falo, eles baixam a cabeça.
A carreira como frente de futsal se estendeu até os 16 anos. Quando foi jogar no Tanobi e seguiu pelo América local e o Catanduvense levou os bribles e o domínio de bola da cancha com os quais tomou a vaga que pertencia a Kleber no Olímpico.
O Grêmio teria de pagar R$ 300 mil por Luan, Kairon (nos juniores) e Guilherme Amorin (no time sub-20) em um só negócio com a Catanduvense. Portanto, Luan custaria R$ 100 mil, quase de graça.
Ao lado de Kairon (E) e Guilherme Amorin (C), Luan no aeroporto de São José do Rio Preto, minutos antes de embarcar a Porto Alegre para jogar no Grêmio
Foto: Hamilton Pavan/Diário da Região
O problema é que o empresário Dimas Macedo, que deveria pagar ao clube de Catanduva outros R$ 300 mil, não cumpriu com o prometido. Coube ao Grêmio assumir a dívida, em sete prestações de R$ 42 mil, por conta da rápida revelação de Luan. Liquidou a primeira parcela, em novembro, e não pagou mais.
Portanto, a rigor o atacante custa R$ 400 mil ao clube que colocou a rescisão de contrato avaliada em R$ 192 milhões - ou 60 milhões de euros.
Como tudo é novo a Luan Guilherme de Jesus Vieira, além do novo vínculo com o Grêmio, ele assinou com a Adidas um polpudo contrato por três anos. Enquanto os demais garotos apenas recebem o material de uso profissional e de passeio, o atacante fechou um negócio lucrativo. Mais uma razão para presentear a dona Márcia com a tal casa.
Curta carreira, rápida ascensão
19/1 - São José 1x0 Grêmio - titular, estreia como profissional
23/1 - Grêmio 2x1 Lajeadense - titular, estreia na Arena
26/1 - Grêmio 4x0 Aimoré - não jogou
29/1 - Brasil-PE 1x1 Grêmio - titular, 1° gol pelo profissional
2/2 - Juventude 1x1 Grêmio - não jogou
5/2 - Grêmio 1x0 Veranópolis - reserva, 1° jogo com Enderson Moreira
9/2 - Grêmio 1x1 Inter - titular, 1° jogo como titular do time principal
13/2 - Nacional-URU 0x1 Grêmio - titular, primeira viagem internacional na vida
16/2 - Esportivo 1x3 Grêmio - titular, sofreu pênalti no gol de Maxi
19/2 - Caxias 2x3 Grêmio - titular, assistência para gol de Zé Roberto
23/2 - Grêmio 3x0 NH - titular, assistência para gol de Barcos
25/2 - Grêmio 3x0 Nacional-COL - titular, 2º gol pelo profissional
