Um dia depois da publicação da reportagem Lições da Turma 11F, que revelou o cotidiano de uma sala de aula de uma das maiores e mais tradicionais escolas da rede pública do Estado, a Secretaria Estadual da Educação abriu uma sindicância para apurar supostas irregularidades no colégio Julio de Castilhos.
Negando que a narrativa represente uma realidade de desafios comuns a toda a rede, o secretário Jose Clovis de Azevedo acredita que os problemas encontrados pela reportagem sejam uma exceção, fruto de "má gestão da escola". Sobre os conhecidos problemas estruturais da rede e das polêmicas que envolvem a reforma do ensino, diz haver "entusiasmo de alunos e de professores" com o modelo.
- O retrato da matéria é preocupante, mas ela não reflete a situação da educação no Estado. Seria muito ruim se ela refletisse, mas felizmente não reflete. Temos hoje a maioria das escolas em processo avançado de implantação da reforma do Ensino Médio, entusiasmo de alunos e professores - sustentou o secretário, que assinou na segunda-feira documentos para instituir a sindicância no Julinho.
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Fruto do acompanhamento de uma turma de primeiro ano do Ensino Médio na instituição durante todo o ano letivo, a reportagem narrou questões como a recorrente falta de professores e as controversas que envolvem a implantação do Ensino Médio Politécnico, criticado por boa parte dos professores como uma manobra do governo para facilitar a aprovação, maquiando índices de evasão e repetência. Apesar de admitir que existem outros focos de resistência à reforma, Azevedo acredita que o Julinho precisa ser investigado porque não está seguindo diretrizes.
- A escola (Julinho) não funciona, não está implantando o Ensino Politécnico. Queremos saber se o que acontecia na sala de aula era na escola inteira. Não se admite possibilidade de os alunos entrarem e saírem a hora que quiserem - afirmou.
A comissão de sindicância será composta por três advogados da assessoria jurídica do gabinete da secretaria, com apoio da 1ª Coordenadoria Regional da Educação (CRE). O grupo trabalhará por pelo menos 30 dias, devendo convocar gestores da escola para esclarecimentos, mesmo durante as férias. Na manhã de ontem, uma equipe da 1ª CRE já esteve na escola para solicitar as primeiras informações.
"Vai estourar do lado mais fraco"
O diretor do Julinho, Antonio Esperança, garante que vai fornecer tudo o que for solicitado - mas avalia que o foco da secretaria está equivocado, ao tentar culpar a escola pelos problemas da educação pública:
- Vai estourar do lado mais fraco, porque é a maneira mais simples de resolver os problemas. O colégio tem muita coisa boa, mas isso não aparece, a escola só aparece pelo que ela não tem. As falhas que existem não são provocadas por nós, é toda uma rede. Em nenhum momento se fala que os professores não recebem o mínimo legal, por exemplo. Se fôssemos trabalhar pelo que recebemos, deveríamos trabalhar só a metade. Agora virou uma guerra entre a secretaria e a direção. Precisamos de ajuda, não de críticas. Querem transformar isso numa batalha, como se fosse o único colégio com problemas. Não é assim que se melhora a qualidade da educação.
De 27 de fevereiro a 20 de dezembro, ZH acompanhou a rotina da turma 11F no Colégio Julio de Castilhos. Assistiu a aulas autorizadas pelos professores. Entre os pontos observados no acompanhamento, apareceram:
Falta de professores - Os alunos só tiveram quatro meses da aula de seminário de matemática. Até sete professores faltavam por dia. As justificativas não eram registradas por escrito.
Pressão por aprovações - Parte dos professores reclamava de uma pressão por aprovações. Na prática, a reprovação convencional deixou de existir.
Conteúdos abreviados - A norma prevê mais chances de recuperação, o que acabou abreviando o período de aulas do 3º trimestre. Conteúdos de um mês foram dados em 50 minutos.
Evasão - 10,5% da turma abandonou os estudos no ano, o equivalente a quatro dos 39 alunos que passaram pela turma.
Confira a entrevista com Jose Clovis de Azevedo, secretário da Educação
Zero Hora - A matéria mostrou um retrato preocupante de desmotivação, falta de professores... Como o senhor avalia esse cenário?
Jose Clovis de Azevedo - A escola tem problemas de gestão. A matéria não reflete a situação da educação no RS. O governador ao caminhar pelo Interior recebe de alunos e professores manifesto de apoio à implantação do politécnico, ao contrário do que acontece aqui em algumas escolas.
ZH - Pelo que temos ouvido, muito do que está na matéria reflete a realidade da educação, não uma situação só do Julinho.
Azevedo- Não nos consta outra escola com esse tipo de situação.
ZH - Isso é só no Julinho?
Azevedo - Não é que seja só no Julinho, a implantação do projeto tem dificuldades de ordens em graus diferenciados. Tem escola que avança mais, ou menos, mas isso é normal. O que não é normal é uma escola que não se estruturou e não está implantando. Se o Politécnico estivesse acontecendo, a escola não estaria assim, nem essa liberalidade total. Defendemos a disciplina. Pela tua descrição, as aulas pareciam caóticas. Não dialoga com o que deve ser uma sala de aula. E não é o que a gente presencia pelo Estado afora. Agora, a negação pura e simples, a não organização da escola, a não estruturação do currículo... até hoje a escola não tem o regimento homologado, porque não conseguiram apresentar o regimento conforme a legislação e as normas estabelecidas.
ZH - Na teoria do Politécnico se fala muito em conectar teoria e prática, mas o que observamos é que a maioria dos professores considera uma forma de maquiar números de evasão e repetência. Existe falha na implantação?
Azevedo- Não, isso é uma fuga para não implantar o projeto. Nós não forçamos nem obrigamos que nenhum aluno seja aprovado sem que tenha domínio de conhecimento, agora quando um aluno não aprende, isso ocorre por várias razões. Na maioria dos casos, quando um aluno não aprende, é porque alguém não ensina. E isso é por dificuldades, ou por incompetência, ou por omissão.
ZH- E esse tipo de situação não se repete em outras escolas?
Azevedo - Não. Onde está sendo implantado conforme as orientações da secretaria, em geral pelo menos as pessoas fazem o trabalho tradicional bem feito. Não quer dizer que não existam problemas aqui, ali. Estamos aqui há três anos e meio e essa rede estava abandonada, começamos a organizar. Mas, por exemplo, no Julinho não faltam recursos humanos. O quadro do Julinho é uma questão de gestão. E não recebemos qualquer solicitação de reposição de professores. Outra coisa muito séria que tem ali é que no dia 20 de novembro os alunos foram dispensados, pelo jeito ficaram com alguns alunos com problemas de aprendizagem, quando, na verdade, todos os alunos têm de ter 200 dias letivos e mil horas. O calendário não foi cumprido, a greve foi recuperada. Foram mais de 3 mil períodos letivos perdidos, mas eles só recuperaram 48. Tem outras escolas que vão entrar em janeiro por causa da greve, e eles não cumpriram.
ZH - Vocês não tinham percebido isso antes? Porque a escola faz um plano de recuperação e entrega para a secretaria. Isso não tinha chamado a atenção de vocês?
Azevedo - Não.
ZH - Não fica parecendo uma caça às bruxas ao Julinho, como se não existissem problemas nas outras? É possível um acompanhamento em outras escolas?
Azevedo - Normalmente, temos acompanhamento em outras escolas. Temos algumas dificuldades em Porto Alegre porque são 267 escolas e só uma coordenadoria. Mas, mesmo assim, temos um acompanhamento geral. E se soubermos de outros casos vamos investigar também.