Estopim da onda de protestos que sacudiu o Brasil em 2013, o valor da passagem de ônibus de Porto Alegre voltará à mesa de negociação.
Sem sinal à vista da prometida licitação que poderia reorganizar o sistema de transporte da cidade, o prefeito José Fortunati enfrentará um novo dilema nas próximas semanas: atender às reivindicações dos movimentos sociais que defendem a redução das tarifas do transporte público ou acolher os apelos das empresas, que pressionam pelo reajuste dos valores.
A partir de sexta-feira, começa a ser definido o valor que os rodoviários pedirão para a atualização dos salários, dando a largada para os cálculos da revisão das tarifas na Capital para 2014. As discussões devem avançar pelo menos até fevereiro, tradicional período de reajuste da passagem.
O representantes dos trabalhadores do transporte público antecipa o tom do debate.
- Os caras (empregadores) vêm com esse negócio de que baixaram a tarifa, de que não vai ter reajuste maior do que a inflação. Se eles inventarem de não dar nada, eu vou dizer: sinto muito. O problema é deles, eles é que têm de resolver, ter gordura para manter as empresas deles - declarou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Coletivos e Seletivos Urbanos de Passageiros da Cidade de Porto Alegre, Julio Pires, o Julio Bala.
Será a oportunidade também para as companhias buscarem o equilíbrio financeiro que alegam ter perdido com a redução do preço, ocorrida em 2013. Recapitulando: o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou que a frota reserva de ônibus não pode ser usada no cálculo da passagem, o que resultou na manutenção do valor de 2012, R$ 2,85, quando já havia ocorrido o reajuste para R$ 3,05.
Em julho, a prefeitura isentou a cobrança de ISSQN das companhias de ônibus, e a tarifa caiu para os atuais R$ 2,80. A Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) garante que a redução afetou as empresas, e elas chegam ao final do ano em uma situação econômico-financeira "bastante difícil", segundo palavras do gerente-executivo da entidade, Luiz Mário Magalhães Sá.
- Estamos mantendo os compromissos mais essenciais para que as operações sejam feitas normalmente. A primeira coisa que as empresas fazem nessa situação é suspender o programa de renovação da frota - afirmou.
A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) confirmou que somente 31 veículos foram substituídos este ano. Em 2011, foram 226. No ano passado, 163. A falta de novos ônibus estaria aprofundando os atrasos gerados pelas obras da Copa. Sem veículos extras para cumprir as viagens alongadas pelos obstáculos no caminho, as tabelas ficaram fadadas ao descumprimento.
Há 10 grandes irregularidades no sistema de ônibus da Capital, concluiu o TCE, em seu relatório - inclusive falta de licitação. Além disso, a planilha usada pela EPTC para definir a formação do preço da passagem, a Geipot, é considerada obsoleta. Ela foi criada pelo governo federal nos anos 70, e seu problema é que todos os custos de operação são cobertos pela tarifa sem explicitação do lucro a ser obtido pelo operador, criticam especialistas. A de Porto Alegre tem 30 anos e foi alterada sucessivamente, na tentativa de modernizá-la ao longo do tempo. A licitação, prometida para 2013, poderia ser uma solução, mas a perspectiva não é favorável.
- É muito difícil sair o edital ainda este ano - avalia o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari.
Integrante da executiva estadual da Assembleia Nacional dos Estudantes (Anel) e participante dos protestos do Bloco de Luta pelo Transporte Público que tomaram a Capital durante o ano, Matheus Gomes observou que o cenário não está muito diferente daquele de antes da queda da tarifa:
- A qualidade do transporte continua ruim. O transporte não mudou.
O ponto de vista do Tribunal
O relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que apontou vários problemas no sistema de transporte público de Porto Alegre este ano mudou o curso da história ao contradizer a fórmula do cálculo da passagem. A frota reserva de ônibus foi retirada da planilha, e o preço da passagem retrocedeu dos R$ 3,05 recém-ajustados em 2013 para os R$ 2,85 do ano anterior.
A expectativa é de que o relatório seja votado em fevereiro de 2014. No caso de aprovação, será mantida a exclusão da frota reserva do cálculo. Mas podem surgir novidades, já que o documento questiona desde a forma com que os aumentos dos insumos são calculados até o lucro das empresas.
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