A julgar o livro Scheffel por Ele Mesmo por sua capa, talvez a primeira impressão não fique tão distante do conteúdo.
O leitor verá a tela a óleo Hamburgo Velho, de 1955, uma das pinturas mais representativas de Ernesto Scheffel, um artista renascentista em pleno século 21.
Objeto da sua atenção durante seis meses, todos os dias, Hamburgo Velho é, segundo o artista, seu "autorretrato psicológico". O quadro reflete a própria relação obstinada de Scheffel com a arte, mas é também sobre seu lar - os modelos são sua irmã e seu sobrinho na casa da família - e o bairro onde foi criado, em Novo Hamburgo. É lá que a fundação que leva seu nome hoje está instalada - um casarão antigo de fachada neoclássica contendo mais de 400 de suas obras. Amanhã, às 20h, a Fundação Ernesto Frederico Scheffel completa 35 anos com o lançamento do livro, que fará, inclusive, as vezes de catálogo.
A obra de Scheffel já foi abordada em vários textos, entre eles dissertações e teses acadêmicas, mas ainda não havia sido contemplada de maneira panorâmica. Há cinco anos, o próprio artista tomou a missão para si e remexeu a memória para narrar os 86 anos de vida. Entregou aos editores 2,5 mil páginas manuscritas e desenhadas que foram reduzidas às 386 do atual volume. O material excedente servirá como fonte de pesquisa.
-A autobiografia foi um pedido da Fundação Scheffel, é um material de pesquisa riquíssimo. Temos a ideia de criar outros livros por temas como retratos, estudos, ele deve ter três mil estudos guardados, naturezas mortas - prevê Angelo Reinheimer, curador da Fundação e um dos responsáveis pela edição do livro ao lado de Gilmar Hermes.
Embora Scheffel trabalhe com suportes tão variados quanto aquarela e escultura e ainda escreva poesia e componha música, o fio condutor do livro é a sua produção pictórica. Natural de Campo Bom, Scheffel pinta desde os 10 anos. Aos 13, já estava em Porto Alegre estudando arte. Teve mestres como José Lutzenberger, Ângelo Guido, João Fahrion, e João Cândido Canal. Nos anos 1950, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a concorrer nos salões nacionais de belas artes, chegando à Europa, em 1959. Na Itália, trabalhou com restauração de obras-primas, inclusive o quadro Os Quatro Filósofos, de Rubens. A experiência reforçou seu apreço pelo Renascimento, período que inspira suas telas desde a época de estudante.
Em Florença, ele, que nunca se encaixou em nenhum movimento artístico do século 20, sentiu-se em casa em meio à influência dos ídolos Andrea Verrocchio e Leonardo da Vinci.
Assim como faz com Hamburgo Velho, ao longo da biografia Scheffel se debruça sobre muitos outros trabalhos, abrangendo aspectos técnicos, mas também afetivos da sua feitura. As obras aparecem entre episódios também pitorescos da vida do artista, como as viagens de trem para o Rio de Janeiro - cinco dias de paisagens que passavam como quadros para ele - e de navio para a Europa, invertendo o percurso que seus antepassados alemães fizeram ao Brasil.
Scheffel hoje tem uma casa nas montanhas da Toscana e divide seu tempo entre Itália e Brasil, com exceção dos dois últimos anos, passados em Novo Hamburgo para terminar a autobiografia. Mais uma vez, de maneira obstinada.