Em frente à mesa do presidente, com o plenário da Câmara lotado - são centenas se espremendo nas galerias, no piso acarpetado e nas bancadas antes ocupadas pelos vereadores da Capital -, uma jovem de camisa de flanela e calça jeans assume o microfone:
- Pessoal, tem muita gente aqui ficando doente. Não temos janelas, o ar quase não chega, os ácaros se proliferam. Estamos dividindo pratos e copos há bastante tempo. Por favor, tragam seus próprios talheres. E gostaríamos de pedir à comissão de comunicação que inclua álcool gel nos pedidos.
A garota integra a comissão de alimentação. Ou seja, é uma das responsáveis pelo preparo da comida das centenas de manifestantes que tomaram as dependências do Legislativo há oito dias. Já a comissão de comunicação, à qual ela pede ajuda, tem como atribuição divulgar nas redes sociais o que o grupo precisa para se manter. A partir da divulgação, entidades como Cpers, DCE da UFRGS e outros sindicatos se mobilizam para entregar os mantimentos.
É assim que o Bloco de Luta pelo Transporte Público se organiza. Cada comissão tem entre 10 e 15 integrantes. A de recepção, por exemplo, controla quem pode - e quem não pode - entrar no prédio. Não é permitido, por exemplo, ingresso de repórteres da chamada imprensa tradicional. Com as restrições, chama atenção o cartaz afixado no pórtico, alardeando condição do grupo para desocupar a Casa: "Passe livre".
- Deixaram entrar um monte de gente esses dias, e um coquetel molotov apareceu em cima de um carro. São vândalos que se infiltram para desgastar a imagem do movimento. É a turma da direita, os skinheads, os brigadianos à paisana - protesta um rapaz.
Composto por movimentos sociais, sindicatos, grupos anarquistas, organizações estudantis e militantes de PSTU, PSOL e PT, o Bloco realiza diariamente audiências para decidir qualquer passo do movimento. O discurso é de que não existem líderes, mas é inegável que alguns ativistas se tornaram referências.
Matheus Gordo, coordenador do DCE da UFRGS e candidato a vereador pelo PSTU na última eleição; Rodrigo "Briza" Brizolla, da Frente Autônoma (organização com viés anarquista); e Lorena Castillo, da Federação Anarquista Gaúcha, compõem a linha de frente.
- Queremos uma sociedade em que as decisões sejam tomadas não por 36 vereadores, mas pela participação direta da população, com suas necessidades reais e urgentes - dizia Briza Brizolla em discurso na tarde desta quarta-feira, do lado de fora da Câmara, enquanto Gordo e Lorena se sobressaíam na audiência de conciliação no Foro Central, que acabou em acordo que previa a saída de parte do grupo quarta à noite e do restante na manhã de quinta-feira.
Embora anarquistas tenham força no movimento, trata-se de um grupo minoritário se comparado à presença de PSTU e PSOL no Bloco.
- Não temos líderes oficiais porque é importante, ao perseguirmos uma causa revolucionária, que todos se sintam protagonistas. Mas é evidente que algumas pessoas, pela retórica, pelo preparo e pela história de vida, se destacam mais - diz um militante.
Vereadores de oposição apoiam a ocupação como forma de desgastar o prefeito José Fortunati, maior alvo de críticas ao lado do presidente da Casa, o também pedetista Thiago Duarte. Pedro Ruas e Fernanda Melchionna, vereadores do PSOL, auxiliaram o grupo na redação do projeto de lei que institui o passe livre para desempregados e estudantes. Sofia Cavedon e Carlos Comassetto (ambos do PT) também cederam seus gabinetes, com computadores e impressoras, e emprestaram seus assessores. Mesmo com apoio dos petistas, a maior parte dos manifestantes protesta também contra o governo federal.
Rotina no plenário
Por dentro da Câmara ocupada
Quem são, o que pensam e quais são as reivindicações dos manifestantes que invadiram o Legislativo da Capital no dia 10 de julho
Paulo Germano
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