Não se julga um livro pela capa, mas se julga um julgamento pela capa?
Começa pelo visual a diferença entre os livros publicados pelos jornalistas Merval Pereira, colunista do jornal O Globo, e Paulo Moreira Leite, hoje diretor da revista IstoÉ em Brasília, sobre o julgamento do mensalão, que condenou 25 dos 38 réus do processo, parte significativa deles integrante do seio político do PT.
Ilustra o primeiro a imponente capa preta do ministro relator, Joaquim Barbosa, cuja popularidade acabaria até em fantasia de Carnaval. Já no segundo, Barbosa aparece frente a Ricardo Lewandowski, o ministro que se dispôs a fazer um "contraponto" à voz e ao voto do relator. Abaixo deles, réus e outros personagens, como o ex-presidente Lula e uma turba de manifestantes atacando o deputado petista José Genoino.
O que Moreira propõe corresponde às imagens. Um olhar crítico ao que considera um julgamento político, sobre o qual mudou boa parte de suas convicções ao longo dos quatro meses de sessões.
- Quando o escândalo estourou, presumi, como todo mundo, que muita gente era culpada. Mas o jornalista tem que ter pé atrás nesses casos também. Desde então conversei com réus, li documentos, como o relatório da Polícia Federal, e começaram a aparecer discrepâncias, escassez de provas, que foram ignoradas por tribunal televisionado, sob pressão - relata Moreira, que contou com rápido abraço de Genoino, no lançamento do livro, quarta-feira, em Brasília.
No que as duas obras se aproximam é no formato. Ambos são compilações de textos escritos ao longo do julgamento, o que Merval chama de "história quente, aquela escrita pelo jornalismo". Se em uma página há uma crítica à atuação de Ricardo Lewandowski, publicada à época na coluna de Merval, na seguinte aparecem as próprias explicações do ministro, após uma ligação ao colunista.
- Sem o distanciamento histórico, ficará claro que errei em algumas interpretações. Mas esta é a mágica da coisa toda. Fiz questão de manter no livro a previsão de que o resultado do julgamento poderia inviabilizar a candidatura de Fernando Haddad (eleito prefeito de São Paulo em outubro).
Merval e Moreira não leram o livro um do outro. São polidos ao não criticarem-se mutuamente. Sábio será o leitor que não selecionar um dos dois pontos de vista, mas que conseguir fazê-los dialogar e tirar suas próprias conclusões.
O QUE DIZEM OS AUTORES
Respondendo às mesmas perguntas, ficam claros os diferentes pontos de vista dos jornalistas Merval Pereira e Paulo Moreira Leite não apenas em relação ao julgamento do mensalão - descrito e interpretado em tempo real nos livros dos dois autores -, mas também sobre os desdobramentos das sentenças na política brasileira e no combate à corrupção.Confira os principais trechos das entrevistas.
Merval Pereira, autor de "Mensalão"
"Acho um absurdo não investigar Lula"
ZH - Algo muda na política e no combate à corrupção após o julgamento?
Merval Pereira - Não é uma mudança imediata, mas é uma marca na política. O que coíbe o crime é o receio de ser punido, de "ir em cana" mesmo. Alguns réus tinham a convicção de que seriam absolvidos. Marcos Valério, por exemplo, ficou esses anos todos em silêncio por isso. Com a condenação, essa expectativa muda. A outra mudança é o político perder a certeza de que voltará a ser eleito, a ser perdoado pelo eleitor. Essa segunda parte é mais demorada ainda. O PT ficou definitivamente marcado. Perdeu qualquer condição de defender ética na política. Mas eles já estão em outra.
ZH - Se mais réus fossem absolvidos, o brasileiro teria igual respeito pela atuação da Corte?
Merval - Dependeria muito do comportamento dos juízes. Se todos resolvessem fazer um papel de contraponto, como se dispôs (o ministro Ricardo) Lewandowski, haveria uma gritaria muito grande. Mas veja bem, a decisão de condenar José Dirceu por formação de quadrilha se deu por cinco votos a quatro, e ninguém contestou os votos de Rosa Weber e Cármen Lúcia.
ZH - Existe a chance de uma investigação contra o ex-presidente Lula prosperar?
Merval - Não tenho opinião sobre o rumo da investigação, mas acho um absurdo não investigar. Poxa, o capitão do seu time é condenado, você é o principal beneficiado e não haverá investigação? Tem de investigar e, se for o caso, se não for achado ou comprovado nada, absolver. Mas manter uma figura intocável, eu acho um absurdo.
Paulo Moreira Leite, autor de "A Outra História do Mensalão"
"O ambiente era de cobrança por condenação"
ZH - Algo muda na política e no combate à corrupção após o julgamento?
Paulo Moreira Leite - Não compartilho desse otimismo todo. Fico preocupado ao ver a Justiça usar diferentes pesos e medidas. O desmembramento do processo, por exemplo, ocorreu com os mensalões tucano e do DEM, mas não com esse. Até aqui, quais foram as consequências do julgamento? A determinação do Supremo de cassar os mandatos dos parlamentares, uma atribuição que, segundo a Constituição, cabe a outro poder, o Legislativo. Temo não evoluirmos no combate à corrupção, mas na criminalização da política.
ZH - Se mais réus fossem absolvidos, o brasileiro teria igual respeito pela atuação da Corte?
Moreira - Receio que uma atitude mais serena do tribunal seria uma decepção. Havia um ambiente de cobrança por condenação. José Dirceu era o grande troféu. Em certo ponto, havia a impressão de que a pena de determinada pessoa podia não ser justa para ela, mas que serviria para dar exemplo. Mas estamos falando de direitos individuais.Contradições, quando apareciam, não eram questionadas, eram votadas. Cada ministro tinha sua opinião e seguia em frente.
ZH - Existe a chance de uma investigação contra o ex-presidente Lula prosperar?
Moreira - Não acredito que Marcos Valério aguardaria uma sentença de 40 anos para falar se tivesse provas. A princípio, Lula já foi ouvido, por carta precatória. Mas você pode transformar uma fagulha em fogueira, criar constrangimento. É uma possibilidade.