Em Canela não tem mar, mas os irmãos Augusto, 31 anos, e Gustavo Schlieper, 34 anos, sabem que o mundo é bem maior do que a cidade serrana onde nasceram.
Se o vento soprar a favor, a dupla desembarca em águas gaúchas na próxima semana, após quatro anos cruzando oceanos ao redor de 25 destinos a bordo de um veleiro.
Quando deixarem Florianópolis, os velejadores seguirão por mar até Rio Grande, onde entram na Lagoa dos Patos rumo a Porto Alegre, pelo Guaíba. Na Capital, os aventureiros serão recepcionados no clube Veleiros do Sul, onde começaram a vida náutica, em 2001. Depois de uma primeira experiência navegando até Angra dos Reis, embarcaram para a expedição que agora chega aos últimos nós.
- Todos querem saber das dificuldades, tempestades, tubarões, onde foi o lugar mais bonito - enumera Gustavo, projetando o que os amigos e familiares vão perguntar na chegada.
Augusto, o comandante do veleiro Canela, pretende contar tudo em um livro, para estimular novos exploradores. Ele confessa que nem sempre foi fácil se manter a bordo.
- Às vezes era o mau tempo, outras a burocracia de algum país e até problemas do dia a dia, mas sempre havia o próximo porto e a esperança de que as coisas melhorassem - conta Augusto.
Os guris juram que não há projetos para novas velejadas, tanto que pretendem vender o barco. A arquiteta Zaira, mãe dos aventureiros, tem lá suas dúvidas.
- É uma alegria muito grande eles voltarem para casa, mas acho que não vão ficar por muito tempo. Canela ficou pequena demais para eles - já começa a se conformar.
No tempo em que estiveram longe de casa, a comunicação era por skype, quando tinha conexão. Durante travessias mais longas, restava à mãe apenas rezar, naufragada em preocupações:
- Só tenho estes dois filhos, então essa ideia de volta ao mundo foi meio difícil de aceitar. Hoje eu vejo que eles tiveram uma experiência única de conhecer culturas diferentes por onde passaram.
A dupla garante que deixou amigos espalhados por todos os continentes, gente que ficará na memória, assim como a liberdade e a tranquilidade que encontraram mar adentro.
- Um amigo nosso dizia que Canela, o barco, é o lugar onde os problemas não chegam. Vou sentir falta de não ter que carregar a parafernália que os "terráqueos" acham que precisam e não ter que me preocupar com o que estou vestindo - compartilha Gustavo.
A vida simples é uma das lições que os irmãos Schlieper tiram dos 1.550 dias no mar. Outra, é que, com determinação, é possível chegar a qualquer lugar.
A tripulação
No começo, eram três marinheiros: além de Augusto e Gustavo Schlieper, Claudio Cavalli, que deixou a expedição em março de 2011 para morar na Flórida, onde se casou. Hoje vive em Canela com a mulher e a filha. A expedição contou com a participação de João Pedro Ramires Travi, 24 anos, biólogo e cinegrafista da viagem entre 2009 e 2011, e Edson Troglio, 30 anos, profissional do surfe e também fotógrafo. Bruno Melatte Corino, 27 anos, formado em Comércio Exterior, saiu de Canela para se integrar à tripulação em outubro de 2010. Formado em Direito, Leandro Brant, 33 anos, foi o último a chegar à embarcação, em março de 2011.
O barco
O veleiro foi comprado em San Diego, em fevereiro de 2008. Em julho do mesmo ano, os guris tiveram o primeiro contato com o construtor do barco, o sul-africano Phill Sargent. Chamado inicialmente de Golovan, o veleiro foi usado pela família de Phill para cruzar o Atlântico, subir a Costa Oeste da América Central e chegar a San Diego, quando a mulher decidiu encerrar a viagem. Pesa 15 toneladas, tem 13m20cm de comprimento e largura máxima de 4m.
A rota
A meta inicial, que era aportar em 43 países, mas houve uma mudança de rota que reduziu o número de destinos para 25, entre países e ilhas. Eles desistiram de subir o Mar Vermelho e chegar ao Brasil via Europa porque a pirataria perto da Somália estava muito forte. Assim, a rota veio pela África do Sul. Confira os lugares e algumas memórias:
1-San Diego
Foi onde compraram o barco, passaram 10 meses trabalhando e preparando o barco para a viagem.
2-México
3-El Salvador
4-Nicarágua
5-Costa Rica
6-Panamá
7-Galápagos
Eleito o melhor lugar da viagem, pela natureza, pelo surfe, pelas festas e pela hospitalidade do pessoal local.
8-Polinésia Francesa
Enquanto velejavam, os marujos sempre deixavam duas linhas com iscas artificiais atrás do barco, para atrair os peixes. Eles não tinham geladeira a bordo, então pegavam peixes para consumo próprio e imediato. Quando a pesca era suficiente para o dia, as linhas de pesca eram retiradas. Entre Galápagos e as Ilhas Marquesas, na Polinésia, em 2009, a pesca rendeu um shortbill spearfish, parente do marlin, que pesava 35 quilos.
Em Tahuata, nas Ilhas Marquesas, na Polinésia Francesa, o trio improvisou um churrasco de peixe na beira da praia, com espécies que eles mesmos pegaram e outros que ganharam de nativos. O peixe assado na brasa foi compartilhado com a tripulação de mais três veleiros que estavam na mesma baía, acompanhado de alguns drinks com rum e coco retirado diretamente dos coqueiros da praia deserta. Um violão garantiu a trilha sonora para a troca de experiências. Foi em maio de 2009.
9-Ilhas Cook
10-Niue
11 -Reino de Tonga
12-Nova Zelândia
13-Fiji
Passaram cinco meses, sendo três de trabalho. Estavam lá quando as ondas proibidas foram liberadas para todos surfarem.
14-Nova Caledônia
15-Austrália
16-Indonésia
Ao aportarem em uma tribo no sul da Indonésia, em maio de 2011, os marujos foram recebidos por dois centenários da comunidade. Além dos cem anos de vida, eles tinham uma curiosidade: os dedões dos pés eram 90 graus virados para dentro, e diziam que isso passava de geração a geração. "Será uma mutação genética?", ficaram se perguntando.
17-Tailândia
18-Malásia
19-Sri Lanka
20-Maldivas
21-Ilhas Maurício
22-Ilha Reunião
Aqui escalaram montanhas e acamparam em lugares inóspitos. Foi bom para dar um tempo longe do mar, descrevem.
23-Madagascar
24-África do Sul
25-Brasil
Diário de bordo
Os guris mantiveram um diário de bordo virtual em www.destinocanela.com.br. As fotos publicadas nesta matéria fazem parte dos registros feitos pela tripulação. Pelo site, eles também vendem camisetas que ajudam a pagar as despesas, divididas com os apoiadores Hotel St. Hubertus, Acima Interactive, Tricoast Surfboards e Altech.