A ovelha de duas caras dará tchau em breve para o lugar que a acolhe há mais de 10 anos em Porto Alegre. Seu destino será um depósito e, depois, sabe-se lá.
Com a retirada da obra Estrela Guia II de seu sítio na junção entre as avenidas Pinheiro Borda, Edvaldo Pereira Paiva e Padre Cacique, possivelmente ainda nesta semana, abre-se mais um capítulo na saga do monumentos da Capital. Perde-se no tempo e nas contas o número de esculturas públicas que mudaram de lugar ou simplesmente desapareceram. A odisseia da Estrela Guia II parece que será simples: vai para um depósito e, quando se definir sua nova e definitiva morada, deixará a obscuridade para voltar a brilhar com seus ladrilhos coloridos ao sol.
Criador da escultura, o artista de origem uruguaia Gustavo Nakle, 61 anos - morador da Capital há 40 anos -, não gasta muitas palavras para comentar a trajetória do monumento. Concorda com a transferência, necessária para fazer passar o viaduto estaiado da Avenida Pinheiro Borda, em construção. Mas prefere não sugerir um destino para a obra:
- Eu teria de conversar com o pessoal da prefeitura. Vai chegar um momento em que se acertará isso. Vou dar uma sugestão, se me pedirem.
Estrela Guia anterior acabou sendo furtada
O número II no nome da obra indica uma sina, a do desrespeito aos monumentos em Porto Alegre. A Estrela Guia original, toda em bronze e medindo mais de dois metros, foi furtada em 1999 do Largo Dom Vicente Scherer, à beira do Guaíba. A obra atual foi feita com 30 toneladas de concreto sobre uma estrutura em ferro, menos atraente aos ladrões.
O triste destino da primeira Estrela Guia é semelhante ao de outras obras instaladas nas ruas da cidade. Em janeiro deste ano, a estátua A Samaritana, do escultor alemão Alfred Hubert Adloff, voltou à Praça da Alfândega depois de ter sido destroçada por vândalos em 2002. Mas trata-se de uma réplica. A prudência levou a prefeitura e o Programa Monumenta a não arriscar e manter a original protegida dentro do Paço Municipal.
A Samaritana foi inaugurada em frente à prefeitura, em 1925. Porém, cedeu o lugar à Fonte Talavera 10 anos depois. Transferida para a praça, A Samaritana permaneceu ali por 67 anos, até o vandalismo se tornar arrasador: a imagem da camponesa teve o braço esquerdo e o cântaro separados, a testa parcialmente afundada e o corpo esculpido em bronze foi serrado ao meio na altura da cintura.
A fonte não teve melhor sorte. A copa (ou bacia) foi gravemente avariada durante uma manifestação em 2005. Ela seria restaurada na Espanha, no entanto, ao retornar à Capital, em agosto de 2008, estava diferente. Logo a população percebeu que a cor e o formato haviam mudado, o que gerou polêmica. A bacia da fonte havia sido substituída por uma nova. Considerado irrecuperável, outra vez o original de um monumento porto-alegrense não voltou mais às ruas.
Falta de investimento
O costume de se apontar para a falta de educação do brasileiro como a culpada pela degradação de monumentos e prédios não é a melhor forma de explicar o fenômeno do vandalismo. A professora do curso de Arquitetura da UFRGS Daniela Mendes Cidade lembra da palestra de um arquiteto de Barcelona (Espanha) para questionar o papel dos entes públicos na manutenção e recuperação de monumentos.
Segundo Daniela, o profissional estava preocupado com o que poderia acontecer às obras na crise econômica na Europa. Com pouco dinheiro, possivelmente haveria degradação. Só que, com os altos investimentos pré-crise, pichações eram apagadas rapidamente, e a manutenção evitava o desgaste das peças.
- Tem que matar no cansaço o pichador - afirmou Daniela.