Um falso pedido de socorro ao Samu, ocorrido no sábado em Terra de Areia, no Litoral Norte, colocou em evidência o prejuízo causado pela enxurrada de trotes a que estão submetidos os serviços públicos de emergência.
Além de se deslocar sem necessidade com uma ambulância, a equipe de servidores tornou-se alvo de uma tentativa de agressão por parte do autor do telefonema.
O episódio foi um exemplo extremo de um problema transformado em rotina. Em Porto Alegre, o Samu registrou no ano passado 118 mil trotes, o equivalente a 26% das ligações recebidas. O Centro Integrado de Operações da Segurança Pública (Ciosp) da Capital, responsável pelo 190, computa números ainda mais acachapantes: 290 mil trotes ao longo do ano, média de um a cada dois minutos.
No caso de Terra de Areia, ocorrido na manhã de sábado, um homem contatou o Samu para dizer que uma mulher havia caído em uma escada e estava desacordada. Quando a ambulância chegou ao local informado, o autor do trote avançou com um bastão e tentou agredir membros da equipe. A Brigada Militar foi chamada e prendeu o infrator, que teria problemas mentais. Depois de ser conduzido ao plantão da Polícia Civil em Capão da Canoa para registro de ocorrência, ele foi liberado. Ontem, o delegado Adriano Koehler Pinto, de Terra de Areia, instaurou inquérito pelos crimes de ameaça e de atentado contra serviço de utilidade pública, que prevê pena de um a cinco anos de reclusão.
Na maior parte dos trotes, ambulâncias ou efetivos da Brigada Militar não chegam a ser acionados, como aconteceu no sábado. Em poucos segundos o atendente consegue identificar a intenção de quem liga - em geral, os autores telefonam para ofender ou dizer besteiras. No Ciosp da Capital, a duração média desses telefonemas é de apenas 20 segundos.
- É o tempo de ligar, o atendente ver que é trote e desligar. Pela própria entonação nosso pessoal já percebe. Dá para notar pela voz se a pessoa está realmente em perigo ou teve o carro roubado. Mas existem casos em que ocorrências falsas são comunicadas e se enviam viaturas - revela o capitão Luciano Rodrigues da Rosa, que está respondendo pela chefia do Ciosp.
Quando isso acontece, além dos custos inerentes ao deslocamento do veículo, ocorrências reais podem deixar de ser atendidas. Mesmo quando o trote é prontamente identificado, no entanto, os cofres públicos saem perdendo. As equipes de telefonistas, por exemplo, tem de ser dimensionadas prevendo também as ligações desnecessárias.
- O prejuízo é que uma linha que poderia ser usada por outra pessoa fica ocupada. A sociedade toda é lesada. Uma pessoa que faria um denúncia pode desistir depois de ligar uma ou duas vezes e encontrar o número ocupado - diz o delegado Nedson Ramos de Oliveira, diretor do departamento de inteligência da segurança pública do Estado, responsável pelo Disque-Denúncia, que no ano passado registrou 13,7 mil trotes, o equivalente a 29% do total de chamados.
Delito será cobrado na conta telefônica
Os serviços de emergência ganharam no final de 2012 uma arma capaz de inibir os trotes. Em dezembro, a Assembleia Legislativa aprovou alterações em uma lei de 2011, facilitando sua implantação e instituindo multa de R$ 200 para quem cometer o delito. O valor será incluído na conta do telefone de onde partiu a ligação.
Apesar de já estar em vigor, a multa não começou a ser aplicada. Os órgãos de segurança e o Samu informam que ainda é necessário definir com as operadoras de telefonia como o sistema vai funcionar. As autoridades acreditam que a nova legislação terá o poder de mudar comportamentos.
- Às vezes os trotes são passados por crianças, às vezes por adultos que ligam de madrugada para dizer palavrão. Com a lei, esperamos que os pais tenham uma preocupação maior em orientar as crianças e que os desocupados pensem duas vezes antes de telefonar, porque vai doer no bolso - afirma Rosane Ciconet, coordenadora do Samu em Porto Alegre.
A multa seria aplicada automaticamente, quando o trote ficar comprovado e houver identificação do número do telefone, sem necessidade de que o perpetrador tenha sido condenado na Justiça.
- Existem casos de pessoas que ligam 150, 200 vezes para passar trote. Já temos um termo com as operadoras, por meio do qual elas avisam o cliente quando o telefone dele é usado em trote. Mas agora vai mexer no bolso - observa o sargento Márcio Fontoura, do setor de auditagem de gravações do Ciosp.