Todas as formas de dores da alma humana estavam reunidas no Ginásio Farrezão, no final da tarde deste domingo, em Santa Maria. Num lado do ginásio, logo depois da porta de entrada, pouco antes da linha lateral da quadra, havia um velório coletivo. Caixões de madeira foram postos sobre cavaletes, com os nomes dos mortos escritos em etiquetas coladas nos tampos. Os amigos e familiares ficavam em volta, de pé, ou sentados em cadeiras de plástico. Não se passavam 10 minutos sem que alguma mãe ou avó desmaiasse de emoção. Elas caíam no chão de pedra e logo eram atendidas por médicos, psicólogos ou até freiras que lá estavam para prestar auxílio espiritual.
Do outro lado da quadra, passando a linha lateral oposta, pais e irmãos de vítimas aguardavam sentados em cadeiras ou nas arquibancadas. O sistema de som anunciava:
- Atenção, familiares de...
E citava um nome. Os parentes, então, se apresentavam e eram conduzidos ao salão ao lado, a outra quadra, em que estavam dispostos os corpos sobre lonas pretas. Nesse momento existia um fio delgado de esperança de que o nome chamado não correspondesse ao corpo, de que o filho ou filha estivesse vivo em algum hospital ou perdido pela cidade, sabe-se lá. É evidente que essa esperança, em geral, se esvaía em poucos minutos, e os pais e mães saíam do ginásio transidos de dor, prontos para passar à outra parte do lugar, para o setor que observavam do seu lado da quadra: o velório coletivo.
No salão em que estavam os corpos, o calor fazia efeito. O cheiro de carne em decomposição começava a pesar, e nem as máscaras cirúrgicas distribuídas na entrada evitavam a náusea. Não há frigoríficos para acomodar os corpos, nem há espaço no IML de Santa Maria, lá só existe capacidade para 10 corpos. Não havia caixões suficientes, funerárias de cidades vizinhas foram acionadas para suprir a demanda. E, nos corações do povo que se reunia de olhos vermelhos em volta do ginásio, não havia espaço para tanta dor.
A festa
Chamada de "Agromerados", a festa voltada para estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) começou às 23h de sábado. O evento era de acadêmicos dos cursos de Agronomia, Medicina Veterinária, Tecnologia de Alimentos, Zootecnia, Tecnologia em Agronegócio e Pedagogia. Segundo informações do site da casa noturna, os ingressos custavam R$ 15 e as atrações eram as bandas "Gurizadas Fandangueira", "Pimenta e seus Comparsas", além dos DJs Bolinha, Sandro Cidade e Juliano Paim.
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A tragédia
O incêndio na boate Kiss, no centro de Santa Maria, começou entre 2h e 3h da madrugada de domingo, quando a banda Gurizada Fandangueira, uma das atrações da noite, teria usado efeitos pirotécnicos durante a apresentação. O fogo teria iniciado na espuma do isolamento acústico, no teto da casa noturna.
Sem conseguir sair do estabelcimento, mais de 200 jovens morreram e outros 100 ficaram feridos. Sobreviventes dizem que seguranças pediram comanda para liberar a saída, e portas teriam sido bloqueadas por alguns minutos por funcionários.
A tragédia, que teve repercussão internacional, é considera a maior da história do Rio Grande do Sul e o maior número de mortos nos útimos 50 anos no Brasil.
Veja onde aconteceu
A boate
Localizada na Rua Andradas, no centro da cidade da Região Central, a boate Kiss costumava sediar festas e shows para o público universitário da região. A casa noturna é distribuída em três ambientes - além da área principal, onde ficava o palco, tinha uma pista de dança e uma área vip. De acordo com o comando da Brigada Militar, a danceteria estava com o plano de prevenção de incêndios vencido desde agosto de 2012.
Clique na imagem abaixo para ver a boate antes e depois do incêndio
Imagem: Arte ZH