Três anos depois de uma consulta popular rejeitar um projeto para a construção de um empreendimento residencial no Pontal do Estaleiro Só, Porto Alegre voltará a encarar um plano para o futuro de uma das porções de terra mais nobres da cidade. Assunto no município durante meses entre 2008 e 2009, o projeto para a área do antigo estaleiro foi remodelado: extirpado o setor residencial, agora prevê um estabelecimento comercial e uma torre de serviços que pode chegar a 26 andares.
O estabelecimento comercial teria uma base com cinco pavimentos, estacionamento, praça de alimentação, supermercado e cinemas, além da torre. Haveria ainda uma alameda e um parque, que deverá ser construído em frente ao Guaíba. Os prédios não poderão ficar a menos de 60 metros da orla.
A presidente da Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge) e assessora especial do prefeito José Fortunati, Rosane Zottis, informou que o projeto está sob análise e, certamente, sofrerá adequações. Sobre a torre de 26 andares, Rosane afirma que as duas leis complementares - 470/2002 e 614/2009 - que versam sobre a região não estipulam altura máxima.
- A altura será definida conforme o Estudo de Viabilidade Urbana. A gente tem tido cuidado com isso porque é uma área nobre. Mas imaginamos que a questão já tenha ficado clara para a comunidade, pois ela se pronunciou que não queria uso residencial ali. Vedado o uso residencial, as demais atividades previstas na lei são permitidas - afirma Rosane.
Parecer deverá ser conhecido em 15 dias
Ela destaca que o projeto será interessante se permitir uma reaproximação do orla com a população. Daqui a 15 dias, a comissão deverá emitir o parecer. A etapa seguinte é o estudo de impacto. O processo ainda deverá levar meses para ter uma previsão de que saia do papel. As mesmas empresas que propuseram as habitações no pontal são responsáveis pelo novo projeto, a BM Par Empreendimentos, dona da área, e o escritório de arquitetura Debiagi.
Por causa do desgaste sofrido em 2009, a BM Par Empreendimentos e o escritório Debiagi preferem não dar detalhes, agora, sobre o novo projeto. Aguardam, para isso, as diretrizes que a Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge) formulará.
Ao lembrar da mobilização contra a construção de imóveis residenciais na orla em 2009, o vereador Beto Moesch (PP) comentou sobre a oportunidade perdida, no início dos anos 2000, de se impedir outras construções no local. Na época, foi aprovada lei que criava regras próprias para a região do pontal. Devido à preocupação com os trabalhadores herdeiros da massa falida do Estaleiro Só, o texto tramitou em regime de urgência, não teve audiência pública nem passou por comissões, observou o vereador:
- Árvore que começa crescendo torta, fica torta. Agora, pode construir. A sociedade vai ter de encarar isso, querendo ou não. Claro, há pré-requisitos que eu espero que a Cauge tome, vai ter praça, preservação ambiental. Só se impediria com um projeto de lei alterando a norma de 2001. Ou com desapropriação da área pela prefeitura.
A história do estaleiro
- Criado em 1850, o Estaleiro Só foi uma das primeiras ferrarias e fundições de Porto Alegre. Nas décadas seguintes, solidificou-se e criou uma marca que até hoje é referência na cidade
- Em 1949, o Estaleiro Só se estabeleceu na Ponta do Melo, chamada de Pontal do Estaleiro
- O apogeu do Estaleiro Só foi na década de 70, quando chegou a ter 3 mil funcionários
- A decadência começou na década de 80, que foi inclemente com o setor naval brasileiro
- Em 1995, o vigoroso estaleiro não resistiu, e fechou as portas
- A área foi arrematada em leilão, em 2005, por R$ 7,2 milhões pela SVB Participações
- Em 2008, os vereadores aprovaram o uso do terreno para a construção de prédios residenciais, além de edifícios comerciais, mas o prefeito José Fogaça vetou o projeto com o pedido para que a população fosse consultada sobre a medida
- Em março de 2009, os vereadores aprovaram duas emendas: uma para a realização de uma consulta popular em 120 dias após a publicação da lei e outra de preservação de uma área mínima de 60 metros junto à orla sobre a qual nada poderá ser construído
- A seguir, a BM Par Empreendimentos desistiu de construir prédios residenciais, mantendo a decisão de erguer apenas empreendimentos comerciais. Mesmo assim, o prefeito manteve a consulta popular
- Em 23 de agosto de 2009, a votação popular confirmou a rejeição à construção de residências na área. Foram 18.212 (80,7%) votos contrários contra 4.362 favoráveis (19,3%)
- Em 2010, os galpões do Estaleiro foram demolidos, e o local passou a servir de canteiro para as obras do Projeto Integrado Socioambiental (Pisa), do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae)