A casa de acolhimento da prefeitura de Porto Alegre, porta de entrada para crianças e adolescentes com vínculos familiares deteriorados ou em situação de rua, está operando três vezes acima da capacidade.
Na sexta-feira, havia 60 abrigados no serviço, dotado de 20 vagas.
O problema de superlotação é vivenciado há seis meses, segundo a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) do município. O presidente da entidade, Marco Antônio Seadi, atribui a superlotação a uma explosão da demanda, provocada pelo consumo de crack pelos jovens e seus pais e, também, em razão da falta de planejamento familiar. A maior parte dos abrigados foi retirada do convívio da família como forma de proteção. Segundo Seadi, o número de vagas na rede de abrigos da prefeitura subiu de 535 para 754 nos últimos três anos - mas a necessidade de espaços cresceu em ritmo maior.
- O poder público investiu. Era para o problema estar resolvido, mas o consumo de crack tem aumentado, e todos os dias entram mais crianças e adolescentes. A reinserção familiar é muito difícil, porque as famílias estão destruídas pelo crack - observa.
As crianças que são encaminhadas pelo Conselho Tutelar ou pelos juizados da Infância e da Juventude vão primeiro para a casa de acolhimento. O sistema foi montado para elas permanecerem pouco tempo no local, à espera de um lugar em abrigos (com até 20 vagas cada) ou nas casas lares (até 10 vagas). Como esses serviços estão com a capacidade esgotada, as crianças que entram na rede ficam na casa de acolhimento por períodos prolongados.
O juiz José Antônio Daltoé Cezar, da 2ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre, endossa o diagnóstico da Fasc. Ele conta ter feito uma inspeção recente na casa de acolhimento e ter observado que ela estava funcionando muito além da capacidade. Foi lembrado de que ele próprio havia encaminhado mais de 30 crianças para o local apenas em maio.
- Estou no juizado há 13 anos. Nesse período, o sistema se reorganizou e melhorou. Mas aí apareceu o crack. Hoje, mais da metade das crianças está nos abrigos por causa do crack - afirma o juiz.
Maria Cristina Costa, coordenadora do abrigo Casa Amarela, conveniado à Fasc, afirma que é preciso abrir mais casas na cidade. Ela também reivindica um aumento do valor repassado pela prefeitura por criança atendida - hoje de R$ 1,3 mil ao mês.
- O repasse é baixo, e há abrigos que desistem. Nós gastamos R$ 2,3 mil por adolescente. Quando a gente consegue trabalhar bem com o jovem, dá resultado. Mas alguns deles, que ficam em abrigos lotados, não aguentam e vão embora - pondera.
Marco Antônio Seadi garante que os repasses de R$ 1,3 mil são adequados. Ele anuncia para este mês a entrada em operação de mais um abrigo, com 20 vagas, mantido pelo Pão dos Pobres. Também afirma que 19 vagas foram liberadas nas casas da rede e estão em processo de preenchimento. Com esses 39 espaços abertos, a perspectiva é fazer a casa de acolhimento trabalhar dentro da capacidade nas próximas semanas. Seadi reconhece, no entanto, que há necessidade de ampliação contínua de vagas.
- A necessidade aumenta toda hora - diz.
Na história de Felipe
A rede de proteção foi insuficiente para atender Felipe, o garoto que ZH acompanhou durante três anos pelas ruas de Porto Alegre. Durante esse período, ele foi procurado por educadores nas ruas e em casa, esteve internado algumas vezes e fugiu outras tantas. Em fevereiro deste ano, Felipe buscou o Conselho Tutelar pedindo para ser internado em uma fazenda terapêutica, mas quando as educadoras do Ação Rua chegaram à casa do adolescente, já era tarde demais. Felipe tinha voltado às ruas.
Veja o vídeo sobre a trajetória errante do menino de rua Felipe