A voz continua suave, quase sempre baixinha, e a expressão, tão delicada quanto a da menina de 19 anos que deu vida a Kitty Bennet em Orgulho e Preconceito (2005). Mas Carey Mulligan cresceu. A atriz britânica, hoje com 26 anos, está em cartaz nos cinemas com dois filmes que desde já são candidatos a destaques da temporada, Drive e Shame, nos dois casos interpretando a principal personagem feminina da trama, e em ambos contracenando com os dois queridinhos da hora em Hollywood, Ryan Gosling e Michael Fassbender.
O piloto encarnado por Gosling e o jovem viciado em sexo vivido por Fas­sbender são, até aqui, duas das performances da vida dos dois novos galãs. Em registros tão diferentes quanto a Los Angeles do primeiro e a Manhattan do segundo, Carey Mulligan não apenas mantém o nível de seus parceiros de cena como, em diversas sequências, sobretudo de Shame, traz para si o centro das atenções do espectador. O mais notável exemplo é aquele em que sua personagem, uma cantora tarja-preta, reinventa a New York, New York eternizada pela voz de Frank Sinatra.
Seu talento resplandecente só surpreende por conta da performance como cantora - quem acompanha a atriz desde a sua estreia, há sete anos, não tem mais dúvida de seu potencial. A despeito dos inevitáveis rótulos limitadores que sempre são associados às estrelas do cinema - Carey, em particular, está mais para uma girl next door (a bonitinha que bem poderia ser a sua vizinha) do que para uma femme fatale (de sua geração, este perfil parece mais adequado a Scarlett Johansson e Megan Fox).
Carey Mulligan vive na charmosa Covent Garden, na região central de Londres. Nasceu em Westminster, perto do Palácio de Buckingham, residência oficial da família real britânica. Aos três anos foi morar com os pais em Dusseldorf, Alemanha, mas voltou para cursar a tradicional Woldingham School, escola em tempo integral para garotas de 11 a 18 anos localizada num subúrbio da capital inglesa. Foi lá que descobriu o teatro, segundo ela depois de, num exercício escolar, interpretar a protagonista do musical Sweet Charity, que Bob Fosse concebeu inspirado no filme Noites de Cabíria (1957), estrelado por Giulietta Masina e dirigido por Federico Fellini.
Sua descoberta, pelo diretor Joe Wright na seleção de elenco de Orgulho e Preconceito, deu-se paralelamente à sua estreia na televisão, quando integrou o elenco de Bleak House (2005), adaptação da BBC para o romance de Charles Dickens que, no Brasil, foi lançado como Casa Soturna e, mais recentemente, Casa Desolada. Por este papel, Carey recebeu o prêmio de melhor atriz coadjuvante no Ofta (Online Film & Television Association). O reconhecimento lhe garantiu uma sequência de trabalhos na tevê britânica, em telefilmes como O Mistério de Sittaford (2006) e em séries como The Amazing Mrs. Prit­chard (2007).
Ao cinema ela voltou em 2007, para fazer Quando Você Viu seu Pai pela Última Vez, filme escrito por David Nichols (o autor de Um Dia) e dirigido por Anand Tucker (de Garota da Vitrine). O primeiro papel de protagonista veio em 2009, com Em Busca de uma Nova Chance, filme da jovem diretora Shana Feste no qual interpretava uma adolescente em meio a um núcleo familiar traumatizado pela perda do filho caçula - os pais eram vividos por Pierce Brosnan e Susan Sarandon.
Educação (2009), escrito por Nick Hornby (Alta Fidelidade) e dirigido por Lone Sherfig (Italiano para Principiantes) foi o divisor de águas, o filme que a levou ao Oscar e a colocou em todas as listas das estrelas em ascensão. É verdade, no entanto, que aquela garotinha que em Educação descobre o mundo lá fora aos 16 anos é muito diferente tanto da cantora de Shame quanto da bela vizinha do protagonista de Drive. A mudança evidencia, além de seu crescimento, uma capacidade de reinvenção que é própria exclusivamente dos grandes intérpretes.
Neste intervalo de dois anos (tanto Drive quanto Shame foram lançados em 2011 no Hemisfério Norte), Carey Mulligan pôde ser vista, em papéis menores, no excelente Inimigos Públicos de Michael Mann e na refilmagem de Brothers de Susanne Bier, batizada Entre Irmãos e dirigida por Jim Sheridan. Seus papéis maiores foram em Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme (2010), filme de Oliver Stone em que interpreta a mulher do ambicioso executivo vivido por Shia Labeuf, e no ótimo Não Me Abandone Jamais (2010), de Mark Romanek, que também registra seu processo de amadurecimento, porém, desta vez, em um internato que ela e seus colegas descobrem ser parte de um experimento científico do governo.
Drive e Shame, assim como devem indicar seus próximos projetos, a adaptação de O Grande Gatsby dirigida por Baz Luhrmann e os mais novos filmes dos irmãos Joel e Ethan Coen (de Fargo e Onde os Fracos Não Têm Vez) e dos parceiros Spike Jonze e Charlie Kaufman (que fizeram juntos Adaptação e Quero Ser John Malkovich), deixam claro que a nova realidade de Carey está ligada menos a personagens em fase de crescimento e mais em mulheres adultas de personalidade marcante como aquelas que só as boas atrizes conseguem dar conta.