Mesmo destituído do cargo de reitor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Ruben Becker influenciava ex-colaboradores, ameaçava políticos e desafiava a Justiça retirando quadros e obras de arte da instituição interditados pela 1ª Vara Federal Cível, de Canoas. É o que revelam diálogos telefônicos e trocas de e-mail monitorados pela Polícia Federal, flagrados com autorização judicial, aos quais Zero Hora teve acesso.
Numa das conversas, Becker e uma funcionária da Ulbra, em Brasília, falam sobre o envio de obras de arte e quadros de um flat da instituição para o ex-reitor antes de o imóvel ser leiloado. Becker alega que os bens lhe pertencem, o que é negado pela atual administração da universidade. O relatório da PF não deixa claro quantas obras teriam supostamente sido enviadas e tampouco quando a remessa teria ocorrido.
Em outra conversa, travada em tom informal com José Luiz Andrade Duizith, que coordenava o Comitê de Crise, Becker pede "relógios do Museu da Ulbra". Ele diz que "veria" o assunto e recomenda que o pastor "fique tranquilo". Procurado por ZH, Duizith, atual chefe de gabinete da Reitoria, informa que os relógios não foram entregues para Becker.
Mesmo com os bens e os recursos bloqueados pela Justiça, a família Becker teria, segundo a Polícia Federal, manifestado interesse em adquirir uma escola na zona sul do Estado. O negócio, avaliado em R$ 7,5 milhões, não saiu do papel. O advogado da família nega o interesse.
- O meu cliente foi procurado, por um advogado de Brasília, que estava interessado na compra de uma escola. Como de escola ele entende, foiprestar um auxílio. Apenas isso - diz Daniel Gerber, defensor de Becker.
Por fim, num dos diálogos, o ex-reitor pede para a ex-diretora de Comunicação da Ulbra Sirlei Dias Gomes conversar com o prefeito Jairo Jorge. O objetivo do diálogo não fica claro, mas fiscais do município estariam sendo rígidos com Becker.
- O Jairo (Jorge, prefeito de Canoas) tá lá por nós, ele foi posto por nós lá, ele sabe disto - falou Becker para a ex-colaboradora.
Documentos da Polícia Federal
1) AS OBRAS DE ARTE
Numa conversa telefônica interceptada pela PF com autorização judicial, às 11h14min de 29 de junho de 2009, Ruben Becker e uma funcionária do escritório da Ulbra, em Brasília, falam sobre a venda de um flat da instituição. Mesmo não sendo mais reitor da Ulbra, analistas da PF dizem que Becker continua influenciando ex-colaboradores. Os funcionários afirmam que seguirão orientação de Becker e dizem que irão retirar do imóvel quadros e obras de arte e enviá-los ao ex-reitor, que reside em Canoas.
Becker - O que tu fizeres está bem.
Funcionária - Tá certo.
Becker - Tá? Só não leva ninguém de compadre. Porque eles (a nova direção da Ulbra) não são disso.
Funcionária - Eu sei.
Becker - Eles são uns vigaristas.
Funcionária - Já estou percebendo isso, eu só não, todo mundo tá percebendo.
Becker - É, são uns uns vigaristas. Entraram pela porta dos fundos como se fossem bandidos.
Funcionária - Não, eu disse a ele que eu não entraria lá (no flat que será vendido) sem a sua autorização. Eu disse pra ele: "olha, eu não entro lá sem a autorização do reitor e também não vou mexer em nada sem antes falar com ele...".
Becker - A senhora tem toda a minha autorização, faça-se de acordo com o seu bom senso.
Funcionária - Eu vou fazer o seguinte: os quadros todos, eu vou mandar embalar, guardar e mandar para o senhor, porque os quadros são seus. Todas aquelas obras de arte são suas. Aquele cavalo, que é de prata, também. Eu vou juntar tudinho e vou mandar pro senhor.
2) O INTERESSE EM UMA ESCOLA PELOTENSE
Para a Polícia Federal, Becker tratou com a direção do Colégio La Salle Gonzaga, de Pelotas, por intermédio de um advogado, a possível aquisição da instituição. Agentes federais monitoraram Becker e um dos filhos dele, Leandro, numa visita às dependências da escola. Na oportunidade, prossegue o relatório, Becker fala das condições do colégio, informando que tem 28 ou 30 salas de aula, um auditório de 900 lugares, área esportiva com duas canchas e conta com o ex-colaborador para implantar cursos técnicos e futuramente curso superior. Dias depois, uma troca de e-mails entre o seu advogado e Leandro Becker, interceptados pela PF, consta o valor pedido pela instituição e informações adicionais solicitadas pelo filho do ex-reitor.
3) OS RELÓGIOS NO MUSEU
Às 11h37min do dia 1º de setembro passado, Ruben Becker pede que Jose Luiz Andrade Duizith, ex-diretor-geral do Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná e hoje chefe de gabinete da reitoria da Ulbra, marque uma data para retirar relógios que fazem parte do Museu da Ulbra. Becker alega que ele é o proprietário das antiguidades.
Becker - ... Será que seria possível tu marcar um dia para nós buscarmos aquele negócio dos relógios lá.
Duizith - Posso sim, pastor. Vejo isto, pode ficar tranquilo.
Becker - Tu me dá a data.
Duizith - Te retorno hoje, depois do almoço.
Becker - Tá bom meu querido. Casa, casa limpa, né.
Duizith - Pode deixar.
Becker - Tá joia meu querido.
Duizith - Combinado.
4) OS FISCAIS DA PREFEITURA
Em diálogo mantido entre Ruben Becker e Sirlei Dias Gomes, ex-diretora de Comunicação da Ulbra, às 13h59min do de 7 de agosto de 2009, o ex-reitor pede para que a ex-diretora de Comunicação da Ulbra diga para o prefeito "acalmar os fiscais" do município. A fiscalização exercida pela prefeitura, contudo, não fica clara no diálogo.
Trechos da conversa:
Becker -... Os advogados acabaram de receber (do setor de fiscalização da prefeitura) o negócio que eles querem, etc, pô, tu podia dar uma conversada lá para o Jairo (prefeito de Canoas, Jairo Jorge) acalmar estes m... aí, né?
Sirlei - Eu não sabia disto.
Becker - Lá da receita da prefeitura. Querem saber declaração disto, declaração daquilo imposto de renda...por por favor! Nós somos amigos do Jairo Jorge.
Sirlei - Não e depois (consta apenas pontos no diálogo transcrito pela PF....), quando a prefeitura precisou, a instituição fez, não é?
Becker - Hein?
Sirlei - Para as comunidades, teve atendimento gratuito, deu bolsa de estudos pra caramba.
Becker - Mas o que eu queria se fosse possível, se tu tivesse acesso a isto, falasse para o Jairo mandar os caras lá recolher o freio de mão, né.
Sirlei - Eu vou ver o que que é, nem sabia disto.
Becker - É o negócio lá da receita da prefeitura, manda ele recolher o freio de mão aí, eu já tenho tanta incomodação e agora a própria prefeitura, o Jairo tá lá por nós, ele foi posto por nós lá, ele sabe disto. Não quero jamais que ele faça injustiça, mas nos criar mais trabalho, isto não pode.
Sirlei - Eu acho que a oportunidade que ele teve de trabalhar na instituição, trabalho nas vilas.
Becker - Lógico, exato.
Sirlei - Todo o apoio da instituição, né.
Becker - Mas me faz o seguinte se tu puderes falar com ele.
Contrapontos
O que diz Daniel Gerber, defensor de Ruben Becker
"Não lembro dos diálogos que fazem referência aos relógios ou obras de arte ou compra de carros. É um inquérito gigantesco, não sei nem onde estão estes diálogos no inquérito. Se o reitor tem influência na Ulbra, o problema é do atual reitor, que deixou que isso acontecesse. O que posso dizer é que o reitor e seus familiares foram consultados, por um advogado de Brasília, que pretendia comprar uma escola. Foi apresentado um preço pela escola e este advogado procurou o ex-reitor, e o Leandro (Becker) foi junto, para fazer uma avaliação, porque de colégio eles entendem. Eles não tiveram o menor interesse na compra."
O que diz Jairo Jorge, prefeito de Canoas
"Não consegui identificar o que se trata. Talvez seja a questão dos cheques, que foram apresentados à Justiça pela prefeitura (na gestão passada, cerca de 7,6 milhões foram repassados à Ulbra pelo município por serviços supostamente não realizados). Por mais que eu respeite o pastor Becker, que foi reitor da universidade, nós não faríamos nada fora lei. Eu não recebi nenhum pedido da professora Sirlei. O ex-reitor tem méritos de ter construído a universidade, nós o respeitamos, mas ele não está acima da lei."
O que diz a assessoria de Comunicação Social da Ulbra
"O ex-reitor entrou em contato pedindo alguns relógios do Museu da Ulbra, que não foram entregues porque o prédio ficou lacrado pela Justiça. A menos que isso tenha sido feito às escondidas, sem que a instituição ficasse sabendo. Não sabemos informar se as obras de arte que estavam no flat da instituição, em Brasília, foram entregues ao ex-reitor. O flat já foi vendido, inclusive. Dois funcionários do escritório da Ulbra, em Brasília, foram demitidos. "
José Luiz Duizith, chefe de Gabinete da Reitoria
"Houve o diálogo, só não recordo desta questão de "casa limpa". O que aconteceu foi que os bens pessoais do ex-reitor podiam sair, mas os que pertenciam ao Museu da Ulbra, não. Nada disso saiu. Conversei várias vezes com o reitor porque eu coordenava o Comitê de Crise."