Aos 27 anos, Nicole Silveira fez história nos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim. A gaúcha nascida em Rio Grande terminou em 13º lugar na disputa do skeleton, esporte que consiste em descer pistas de gelo sinuosas sobre um trenó, deitada de barriga para baixo, podendo atingir velocidade de mais de 140 km/h. Este foi o melhor resultado do Brasil nos esportes de gelo e o segundo melhor em Olimpíadas de Inverno, considerando as modalidades de neve.
Depois do sucesso na China, Nicole voltou ao seu país e passou pelo Rio de Janeiro, Porto Alegre e Rio Grande, onde ficou no período do carnaval. Na passagem pela capital gaúcha, ao lado do presidente da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG), o também gaúcho e rio-grandino Matheus Figueiredo, ela visitou GZH e concedeu uma entrevista. Neste 8 de março, Dia Internacional da mulher, Nicole é um exemplo de dedicação, superação e ousadia. Afinal, ela mantém o sonho de se tornar uma medalhista olímpica em uma modalidade com pouca tradição no Brasil.
Quando você começou a praticar esportes e como as modalidades de inverno entraram na sua vida?
Eu fui atleta desde criança. Fiz dança, ginástica, vôlei, rúgbi, futebol por 10 anos, crossfit, levantamento de peso, fisiculturismo, bobsled e cheguei no skeleton. Como eu cheguei? O Matheus me achou perdida no meia da estrada caminhando, depois de brigar com um treinador meu. Estava uns -20ºC, -30ºC e ele me convidou pra conversar e me indicou o skeleton. Me deu trenó, capacete e sapatilha.
E esse ciclo para os Jogos de Pequim como foi?
Foram três anos e meio, uma jornada curta, com bastante sucesso e evolução e fiquei muito feliz com a torcida do Brasil, especialmente do Rio Grande do Sul. Eu até fiquei triste de não ter colocado uma cuia no capacete. Mas, na próxima Olimpíada, vai ter.
Natural de Rio Grande, no litoral sul do Rio Grande do Sul, algum dia você se viu como atleta olímpica de inverno?
Nunca imaginei. Se tu me perguntasse, cinco anos atrás, que eu poderia estar em 13º nas Olimpíadas de Inverno, nunca imaginaria. Surgiu do nada e foi uma ótima oportunidade. Eu sou uma pessoa que adora desafios e sempre me doo 100% e mudo minha vida para aquilo. E foi assim no skeleton. Eu fiz, gostei, vi que seria uma jornada difícil, mas encarei, mudei minha vida inteira e a Olimpíada virou o sonho, fiz de tudo pra chegar lá e deu certo e foi melhor do que eu esperava.
Você tem medo quando faz a descida ?
No início eu tinha muito medo. Principalmente quando tu vai para um pista nova, que não conhece, que não treinou. Dá medo porque não sabe o que vai acontecer. Eu aprendi a encarar esse medo e usar como motivação para chegar ao resultado final, como se fosse um combustível. Eu vi um meme que dizia: "Esportes de verão: quem consegue correr, nadar, andar de bicicleta mais rápido. Esportes de inverno: quem consegue dar 360º no ar e chegar no chão sem quebrar a perna, quem consegue andar a 140 km/h sem bater a cabeça". São modalidades mais radicais. No verão também existem algumas. O skeleton é um esporte em que a confiança afeta muito. Quanto mais confiante, mais relaxado e melhores serão as descidas. Ter medo é algo que vai influenciar na descida e o medo termina quando tu tem essa confiança e isso acontece com volume, quantidade de treinos descidas. O medo existe. Tem atletas que praticam por mais 10 anos e na primeira descida da temporada sentem um frio na barriga.
Como é ser hoje a cara dos esportes de inverno no Brasil ?
Tem sido muito bom. Não pelo fato de eu estar sendo reconhecida como atleta olímpica. Mas por ter essa divulgação dos esportes no gelo. Ter essa representação nas Olimpíadas de Inverno e tivemos bastante atletas. Fico feliz em ser a pessoa que está divulgando o esporte. Tem muita gente conhecendo e querendo continuar e isso será muito importante para o desenvolvimento do esporte. Nós tivemos uma agenda com várias palestras e reuniões com pessoas que estavam acompanhando os Jogos. Sempre quis ajudar e gosto de ser essa imagem para quem gosta de esportes radicais, como crianças e adolescentes, e mostrar que mesmo sendo do Brasil é possível. Agora tem a Arena Ice Brasil em São Paulo e criou uma grande oportunidade para as pessoas. Tem pista de patinação, de curling. Temos uma estrutura, uma base para conhecimento do gelo. Uma ideia de como navegar no skeleton e no bobsled. Tendo interessados, temos quem possa evoluir. Estou voltando para o Canadá e vou tentar achar brasileiros que morem lá ou queiram morar fora e criar um clube do Brasil. Temos equipamento disponível, treinador e recursos necessários.
O que mais penso é no meu emprego como enfermeira em Calgary. Eu preciso trabalhar, não dá pra viver só do skeleton ainda. As pessoas perguntam quanto tempo eu pretendo seguir no esporte. Eu respondo que depende do suporte que eu tiver, porque fica pesado e vou levando de ano em ano.
NICOLE SILVEIRA
Sobre a rotina com jornada dupla
Você já imaginou praticar alguma modalidade que te leve aos Jogos Olímpicos de verão, assim como fez a Jaqueline Mourão?
Eu já pensei nisso. Fico tão cansada do frio e penso porque vim parar nessa modalidade. Penso que esporte de verão eu poderia participar. Então eu não digo que não. Tudo é possível.
No Rio, você esteve no Comitê Olímpico do Brasil. A partir de agora terá um planejamento olímpico em conjunto com o COB?
No Rio de Janeiro, eu fui no laboratório do COB e fizemos avaliação muscular, de força, nutrição, biomecânica, hormonal. O projeto vai fazer vir mais ao Brasil, de seis em seis meses, para conversar com patrocinadores, com o COB. Estar mais perto das pessoas ajuda. Isso gera mais interesse (patrocínios), pra divulgação será importante e não só pela internet (virtual). Estar pessoalmente gera mais interação.
Ser atleta de alto nível exige sacrifícios pessoais. E você trabalha como enfermeira no Canadá. Como tem conciliado essas atividades?
Sempre estive disposta a fazer sacrifícios na vida pessoal. Não que eu goste, mas não me arrependo porque sempre vi evolução na modalidade. O que mais penso é no meu emprego como enfermeira em Calgary. Eu preciso trabalhar, não dá pra viver só do skeleton ainda. As pessoas perguntam quanto tempo eu pretendo seguir no esporte. Eu respondo que depende do suporte que eu tiver, porque fica pesado e vou levando de ano em ano. No final da temporada, volto pra casa e trabalho muitas horas pra recuperar o que eu perdi durante a temporada. Nesse meio tempo ainda tenho de treinar. Muitas vezes eu trabalhava no turno da noite, descansava uma hora e ia treinar. Essa vida eu não consigo manter por muito tempo. Na temporada passada, tive que diminuir o emprego e fica difícil financeiramente. No futuro vamos ver como fazer. Ter de viajar na temporada, vir pro Brasil, viajar pelo Canadá para encontrar atletas e ajudar na divulgação. Infelizmente vou ter que achar um jeito de diminuir o ritmo de trabalho e focar mais no esporte.
Medalha olímpica hoje é sonho ou realidade ?
Sim, com certeza é meu sonho. A cada ano que passa, meu objetivo, minha visão vai crescendo. No primeiro ano só a classificação olímpica parecia impossível e foram aumentando as metas. O meu treinador tem um plano com os objetivos e estamos ultrapassando eles. No primeiro treino oficial eu fiquei em quarto e sexto e em um momento cheguei a estar em terceiro e ele disse: "Se você quer uma medalha é isso". Antes eu vi atletas que estavam na modalidade por anos e hoje tem competições que eu já ganhei delas e isso aumenta a confiança e isso me ajuda a enxergar o pódio em 2026.