Na casa da família Alves, no bairro Cavalhada, em Porto Alegre, a manhã de terça foi reservada à preparação de pastéis. Porém, as iguarias só foram fritas e servidas à tarde, quando o morador ilustre retornou ao lar com a terceira medalha de ouro paraolímpica no peito.
Os pastéis feitos pela mãe, Leni Beatriz, são o prato preferido de Ricardinho Steinmetz Alves, 27 anos, o craque do futebol de cinco. Nesta terça, ele teve recepção calorosa no aeroporto Salgado Filho. Familiares e amigos foram dar parabéns ao jogador de fala firme e jeito simples, eleito duas vezes o melhor do mundo.
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Ao pisar no saguão do aeroporto, o primeiro abraço foi reservado aos sobrinhos Murilo e Caio. Os meninos acabaram sendo peças importantes na busca pelo ouro. Durante os Jogos, Ricardinho recebeu um vídeo das crianças, que pediam a ele a conquista da medalha. No Rio, concentrado, emocionou-se. O craque lembrou do longo período em que se recuperava de uma grave lesão – no dia 10 de abril, fraturou a fíbula da perna esquerda e rompeu ligamentos. A convivência constante com os guris, filhos do irmão Jonas, serviu como motivação para o tratamento.
Pela luta contra o tempo para jogar, Ricardinho considerou a medalha conquistada no Rio especial.
– Havia dúvida se conseguiria me recuperar. Tinha gente dizendo que eu só estava lá porque o treinador gostava de mim, mas eu confiava no trabalho do Rodrigo Rossato (fisioterapeuta) e no meu empenho. Por fim, Deus fez um milagre e fui agraciado com gol do título. Foi maravilhoso, não tinha passado por uma experiência tão boa na minha carreira – destacou o gaúcho nascido em Osório.
Por falar no gol que garantiu o ouro ao Brasil, Ricardinho conta que recebeu uma dica do pai, o agente administrativo aposentado Celio Luiz, 66 anos. Em casa, na Capital, seu Celio assistiu a todos os jogos possíveis do futebol de cinco. Identificou que o goleiro do Irã, adversário na final, por ser alto, teria mais dificuldades com bolas baixas. E foi assim, com um chute rasteiro, que o filho venceu o oponente e garantiu a festa da torcida.
Além do título, o gaúcho teve outra emoção no Rio. Ele carregou a bandeira do Brasil na cerimônia de encerramento dos Jogos.
– Sou um pouco acanhado para essas coisas, mas olhei pelo lado bom, do reconhecimento. Foi um momento especial, fechou com chave de ouro. Deus me deu mais do que esperava – ressaltou.
No dia seguinte ao fim da Paraolimpíada, Ricardinho viveu momentos de celebridade. Deu entrevistas e participou de programas de TV, como o Encontro com Fátima Bernardes, onde tocou violão, uma de suas paixões, e conheceu o músico Jonathan Bastos, que lhe deu uma guitarra.
Além de tocar, o camisa 10 da seleção, que perdeu a visão aos oito anos devido a um descolamento de retina nos dois olhos, também compõe músicas, a maioria com temática religiosa. O craque ficou mais próximo da fé quando, por indicação do ex-jogador do Grêmio Paulo Roberto, o Coelhinho, passou a frequentar a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra. Paulo Roberto, por sinal, não é o único amigo boleiro. Com o lateral-direito Nei, ex-Inter, Ricardinho mantém contato frequente. Os dois se conheceram no Beira-Rio, quando tratavam lesões. A partir daí, passaram a frequentar a casa um do outro e a conversar com frequência. Depois do título olímpico, jantaram juntos no Rio.
Colorado, o medalhista de ouro costuma acompanhar as partidas do time do coração. Frequentar o estádio, no entanto, não é um hábito. O melhor do mundo não gosta de agitação. Prefere ouvir os jogos em casa. No dia 1º, porém, deve estar no Beira-Rio, já que será homenageado pelo clube antes da partida contra o Figueirense. O compromisso desta quarta é um encontro com o prefeito José Fortunati. Depois, Ricardinho quer curtir um pouco a família, os seus oito canários e o casal de cães da raça pastor alemão que tem na casa onde mora com os pais e com a companheira, Mariana, uma jornalista carioca. Também está nos planos andar a cavalo em uma cabanha que costuma frequentar no bairro Lageado, na zona sul de Porto Alegre.
Com jeito simples, centrado, o gaúcho nem parece ser um craque com fama mundial, que já foi tema de documentários de emissoras de TV do Japão e da Itália, por exemplo. De vida tranquila, não gosta de bebidas e noitadas. Costuma ficar em casa, mas também se considera independente quando precisa se locomover. Para treinar na sua equipe, a Agafuc, de Canoas, atual campeã brasileira, pega o ônibus e ainda o trensurb. O único apoio é da bengala, sua eterna parceira.
– Ele é o líder do nosso grupo, dá conselhos aos mais jovens e mantém a simplicidade. Além de jogar muito, é uma pessoa extraordinária – descreveu o técnico e dirigente da Agafuc, Rafael Astrada.
Para a mãe, Leni Beatriz, ter um filho tricampeão olímpico, obviamente, é motivo de orgulho, mas o que ela sempre desejou foi que Ricardinho fizesse algo de que gostava.
– E ele adora e sabe jogar – sorriu a dona de casa de 62 anos.
Consagrado nas quadras, o camisa 10 da seleção se considera realizado, mas gostaria que o esporte paraolímpico fosse mais reconhecido.
– Merecemos mais. O futebol de cinco, por exemplo, já ganhou quatro ouros e não perde um campeonato desde 2006. Isso não é para qualquer um, o reconhecimento deveria ser à altura – concluiu o craque, antes de partir para o merecido descanso.
QUEM É
Nome: Ricardo Steinmetz Alves
Nascimento: 15/12/1988, em Osório
Principais conquistas: medalha de ouro nos Jogos Paraolímpicos de Pequim 2008, Londres 2012 e Rio 2016 e no Parapan de 2007, 2011 e 2015. Campeão mundial em 2010 e 2014
A segunda medalha de Alex
Do mesmo voo que trouxe Ricardinho Alves do Rio, desembarcou o outro gaúcho medalhista na Paraolimpíada. Com a seleção brasileira de golbol, o porto-alegrense Alex Celente, 35 anos, conquistou a medalha de bronze. A meta dele e dos companheiros era o título, já que a equipe tinha sido prata em Londres 2012 e, dois anos depois, conquistado o Mundial na Finlândia. Porém, o terceiro lugar foi comemorado.
– É um bronze com gosto de ouro. Na semifinal (contra os EUA), não jogamos bem ofensivamente, mas por tudo o que gente fez, não podíamos ficar de fora do pódio. Volto realizado – enfatizou Alex, que foi recebido por uma torcida animada no aeroporto Salgado Filho.
Depois de quase um mês longe de casa, contando período de treinamento em São Paulo e concentração no Rio, o medalhista só tinha um desejo:
– Quero chegar em casa e tomar um café com minha família.
*ZHESPORTES