Não é qualquer turbulência que abala Larissa França, uma das melhores jogadoras de vôlei de praia de todos os tempos. Recuperar-se rapidamente de períodos difíceis é uma das qualidades da capixaba de 34 anos, que disputará no Rio sua terceira Olimpíada em busca do primeiro ouro – em Londres, foi bronze.
O atual ciclo foi especialmente atípico. No fim de 2012, parecia que a vitoriosa carreira chegara ao fim. A parceria com Juliana, que durou nove anos e rendeu sete títulos do Circuito Mundial e o bronze olímpico, foi desmanchada. O foco passara à família: ao lado da companheira Lili – também atleta do vôlei de praia –, queria ter filhos.
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Submetida a tratamento de fertilização, Larissa ficou grávida em 2013 e 2014, mas perdeu o bebê nas duas oportunidades. Quem a via acima do peso, após a segunda tentativa frustrada, poderia duvidar de seus planos de retornar ao esporte. Mas a volta foi triunfante.
Ao lado de Talita, a nova parceira na areia, teve temporadas brilhantes. Já em março de 2015, logo após o retorno, mostrou, em entrevista ao Globoesporte, que a tristeza ficara para trás:
– Sou uma nova mulher. Amadureci muito. Depois da parada, das tentativas de engravidar, de ter perdido as duas vezes, temos um novo modo de enxergar a vida. Passamos por um momento muito ruim, mas não me arrependo de nada. A Lili sempre foi minha parte boa. Amo minha profissão, sempre fui feliz e bem-sucedida, mas ela deixa tudo leve. Hoje vejo que posso ter isso nos dois, com ela e com minha profissão.
Com esse ânimo renovado, a dupla chegará aos Jogos Olímpicos como uma das principais candidatas ao ouro. Uma reviravolta que não surpreende quem trabalha com a jogadora.
– Ela é naturalmente diferenciada. Foge da curva, do padrão. É destas pessoas que estão acostumadas a fazer o que tem de ser feito, e não o que é fácil fazer. Essa é uma característica da alta performance, de ir além, superar adversidades – conta Paulo Vieira, que cuida da parte emocional da nova dupla, em um trabalho chamado de Coaching Integral Sistêmico.
Vieira afirma que a frustração das gestações interrompidas não entraram em seu trabalho. Destaca que Larissa "vive o hoje, o agora, o próximo jogo". O foco da preparação emocional esteve na inserção de Talita ao time.
Experiente, a sul-matogrossense de 33 anos mudou-se para Fortaleza, onde Larissa mora e treina. A adaptação foi rápida, ainda que não esteja completa.
– Aclimatar a Talita emocionalmente foi e continua sendo um grande desafio – diz Vieira.
Ainda assim, os resultados vieram. Na temporada 2015/2016, iniciada no primeiro ano completo da parceria, foram campeãs do Circuito Nacional. Das últimas cinco etapas do Circuito Mundial, estiveram no pódio em quatro – conquistaram o título em Gstaad, na Suíça.
A sintonia com a nova parceira partiu, também, de uma mudança de comportamento de Larissa. Quando jogava com Juliana, ficou célebre por broncas públicas na companheira. As cobranças eram feitas ainda na areia, o que desgastava a relação.
– Acho que este período longe pode ter sido importante. Você tira umas férias, vê o esporte que você pratica de um outro ângulo. Deu para perceber que ela ficou um pouco mais dócil. Hoje, ela cobra menos em quadra – destaca Jacqueline Silva, campeã olímpica no vôlei de praia em Atlanta-1996.
– Nós trabalhamos exaustivamente. Isso não fazia bem a ela. Acaba que corroía a relação essa cobrança pública, forte demais, intensa demais – afirma Vieira.
Mesmo com as discussões em meio aos jogos, não há como apagar a bonita história da antiga parceria que Larissa integrou. Com Juliana ela firmou-se como referência e conquistou títulos em profusão.
A história começou em 2002, junto com o primeiro teste à resiliência de Larissa. Antes mesmo da dupla entrar em ação, um sério problema de hérnia de disco a tirou das competições e a recomendação médica era de que não prosseguisse no esporte. Mas, como se tornaria regra nas temporadas seguintes, Larissa persistiu.
A dupla então trilhou o caminho para dominar a modalidade no mundo. Estabelecida em Fortaleza, onde construiu um centro de treinamento e se cercou de uma equipe multidisciplinar, tornou-se a principal referência do vôlei de praia feminino do Brasil após o declínio de Adriana Behar e Shelda.
Em 2005, 2006 e 2007, veio o tricampeonato do Circuito Mundial, que as credenciou como candidatíssimas ao ouro em Pequim-2008, mas mais uma barreira viria pela frente: a lesão de Juliana, que a impediu de disputar a Olimpíada. Ao lado de Ana Paula nas areias chinesas, o desempenho passou longe do pódio. Ficaram no caminho nas quartas de final, derrotadas pelas americanas Walsh e May, que conquistariam o título.
A decepção olímpica, porém, não brecou a hegemonia. Mais quatro títulos do Circuito, em 2009, 2010, 2011 e 2012, somaram-se aos três anteriores para que Juliana e Larissa fossem heptacampeãs. Em Londres, apresentava-se a chance da redenção após a decepção na China. O ouro, porém, escapou pelas mãos na semifinal, mais uma vez frustrado por Walsh e May. Veio o bronze e, ao final da temporada, a despedida que parecia definitiva.
A volta foi bem-sucedida não apenas pela força mental extraordinária. O talento é muito acima do normal. Com 1,74m, Larissa usa da habilidade para atacar diante de bloqueadoras mais altas, não deixa de aproveitar a agilidade para ter destaque na defesa e, como principal atributo, é especialista em levantar a bola com perfeição para o ataque da parceira.
– Ela é muito habilidosa, extremamente forte. Tem um potencial de ataque bom, usa muito bem as largadas. O repertório é muito amplo, sempre é a líder da dupla que participa – lembra Jacqueline.
Os prêmios individuais no Circuito Mundial comprovam a versatilidade: foi eleita sete vezes a melhor levantadora da temporada, duas vezes a melhor atacante e outras duas a melhor jogadora defensiva. Quando deixou a vida de atleta em 2012, já tinha lugar certo entre as lendas da história do vôlei de praia.
O passado consagrado, porém, não a impediu de retornar com fome em busca dos objetivos. Logo voltou à melhor forma física. Ainda que tivesse histórico bem-sucedido na superação de dificuldades, preocupou-se em contratar Vieira para cuidar da preparação emocional. Queria harmonia com a nova parceira, sabia que os momentos da formação do time eram delicados. Não deixou de fazer a autocrítica e reconhecer que os rompantes na areia eram desnecessários.
Mais leve, Larissa nem parece ter passado por tantos dramas a caminho de mais uma campanha nos Jogos. Na areia, o brilho dos velhos tempos está lá, assim como o sangue nos olhos de quem, depois de tudo que passou, ainda nutre o sonho do título olímpico.
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