A confiança de Arthur Zanetti está em alta na reta final da preparação para o Rio 2016. Pelo feitos do passado e do presente. Em janeiro de 2012, o craque das argolas venceu o evento-teste para os Jogos de Londres. Meses depois, consagraria-se como o primeiro campeão olímpico da ginástica brasileira.
Em abril deste ano, o atleta nascido há 26 anos em São Caetano do Sul (SP) levou a melhor em outra competição de aquecimento, desta vez no HSBC Arena, ginásio que abrigará as disputas da modalidade em menos de três meses. O ouro no evento-teste carioca teve um sabor especial. Ao obter a nota 15.866, Zanetti superou o grego Eleftherios Petrounias, atual campeão mundial.
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Depois da frustração de ter ficado de fora da decisão das argolas no Mundial de Glasgow, em 2015, os bons presságios seriam uma dose generosa de ânimo para qualquer atleta. Mas o ginasta que impressiona por giros e movimentos de força pura a quase três metros do chão prefere manter os pés na realidade:
– Foi um resultado muito bom, a gente arrumou os detalhes da nova série. Mas a gente não pode falar de resultados.
Em uma entrevista de 32 minutos por telefone a ZH, Zanetti não teve freios para o substantivo "gente" e o pronome "nós". A primeira pessoa do plural, no caso, é formada pelo ginasta e por Marcos Goto, o exigente técnico que acompanha o campeão há quase duas décadas. Desde o segundo semestre do ano passado, em rotinas que chegam a sete horas diárias de treino, Goto tem se debruçado no aperfeiçoamento da série que será apresentada por Zanetti no Rio (veja na página 56). A dedicação aos treinos, por sinal, é um dos diferenciais do ídolo brasileiro.
– Ele é um exemplo de disciplina. Tudo que é planejado para ele, o Arthur aceita. Se tiver de abrir mão de sair com amigos, ele aceita. Se tiver de baixar o peso, aumentar a carga de treino, ele topa – afirma o gaúcho Leonardo Finco, coordenador da seleção de ginástica artística masculina do Brasil.
Além do bicampeonato olímpico, Zanetti também planeja "um passo adiante" no plano pessoal. Mas sem afobação, fiel ao seu estilo. Há cinco anos e meio, namora Juliana Francesco, uma estudante de 22 anos.
– A gente pensa em casamento, sim, mas não agora. Ainda tem muita coisa para acontecer. Ela está fazendo faculdade (Engenharia Química), eu também (Educação Física), é preciso ajeitar algumas coisas – diz o campeão.
Confira a entrevista com Arthur Zanetti:
Se repetir o desempenho do evento-teste, quando foi ouro e bateu o campeão mundial na final (o grego Eleftherios Petrounias), você acredita que o ouro olímpico ficará mais próximo?
Esse é o objetivo. É o planejado, de sempre ir melhorando para chegar à Olimpíada e conseguir um bom resultado. Ouro, não sei. Prata, também não sei. Bronze, também não sei. A gente não pode falar de resultados. Mas a gente acredita que, se fizer a nossa parte, com certeza um bom resultado pode ser esperado.
Quem está com mais moral no momento: você, que venceu o Petrounias no último duelo, ou o grego, que já teve o gosto de conduzir a tocha olímpica?
Os dois, né (risos). Os dois são merecedores, batalharam para estar onde estão. E não só a gente, tem outros atletas que já fizeram a sua parte dentro do esporte.
No último Mundial, em outubro, você ficou fora da final das argolas. Um atleta de ponta geralmente já abdica de uma série de coisas para se dedicar aos treinamentos. Do que mais você decidiu abrir mão desde então para se concentrar ainda mais na preparação para os Jogos?
No Mundial do ano passado, havia um objetivo totalmente diferente do que tínhamos nos outros anos. O objetivo era conseguir chegar à final por equipes. Fomos à final e conseguimos a vaga (na Olimpíada) por equipes. Esse era o principal objetivo, não era chegar à final de argolas, e sim ajudar a equipe. E esse objetivo foi alcançado, o que para mim foi ótimo. Agora falta muito pouco para a Olimpíada. Estou na fase de polimento, de ajustes finos dos movimentos, que podem fazer a diferença.
Você já está acostumado a competir com casa cheia no Brasil, em etapas da Copa do Mundo, e no Exterior. Você vê mais pressão para os brasileiros na Olimpíada ou o apoio do público vai ser um combustível a mais em um esporte de tanta precisão como é a ginástica?
Acredito que cada atleta tem o seu jeito. Para alguns, com certeza vai ter um pouquinho mais de pressão. Mas acho que, para a maioria dos atletas, isso vai ser um ponto positivo. Competir em casa e ter a torcida a seu favor, isso ajuda bastante.
Você aprovou a Arena Olímpica da ginástica? Houve críticas da Federação Internacional, principalmente pela queda de energia.
Os ginásios, tanto na área de competição quanto na área de aquecimento, são muito bons. A aparelhagem é ótima. Mas em eventos-teste acontecem alguns erros, que esperamos que não ocorram na Olimpíada. Deu problema na energia? Então vamos tratar de resolver esse problema.
Vocês ficaram chateados por isso ter acontecido justamente no evento-teste da ginástica artística?
Não digo que só porque foi com o nosso esporte que ficamos chateados. Foi com tudo. Uma coisa que não poderia acontecer, mas acontece. Também aconteceu na natação. É uma pena, são problemas que têm de ser resolvidos até a Olimpíada. Com certeza eles (Comitê Organizador) vão resolver esses problemas.
Por falar em natação, você e o Cesar Cielo foram ao topo do pódio nas duas últimas edições dos Jogos em modalidades nobres do programa olímpico, nas quais o Brasil jamais havia conquistado o ouro. Você ficou chateado pelo fato de o Cielo ter ficado de fora justamente em casa? Já conversou com ele?
Não cheguei a falar com ele, acabamos não tendo muito contato com atletas de outros esportes. Às vezes, só na própria competição a gente se encontra. É uma tristeza para todo mundo. Ele é um grande nome. Esporte de alto rendimento é isso: ficar de fora por centésimos, décimos. É uma pena, mas é do esporte.
Como você lida com o estilo durão, exigente, do técnico Marcos Goto? Qual é importância dele para a sua carreira?
Estou com o Marcos desde que era pequeno, quando tinha oito anos. É um cara bem durão mesmo dentro dos treinos, mas ele é bem cuidadoso também. Sabe lidar com os atletas, sabe a hora que tem de pressionar o atleta, sabe a hora que tem de dar uma aliviada. Ele me conhece muito bem, essa parceria é essencial para se conseguir bons resultados.
O Brasil vem produzindo atletas de ponta na ginástica, com vitórias individuais importantes. Agora, a equipe masculina conseguiu uma classificação inédita para a Olimpíada, vaga conquistada também pelas meninas. Para você, o Brasil já pode ser considerado uma força mundial na modalidade?
Acredito que sim. Pelo menos posso falar da ginástica masculina, que cresceu muito nos últimos anos, melhorando em vários aspectos. E hoje estamos entre os oito melhores do mundo. Até mesmo ex-atletas brasileiros não acreditavam que a ginástica chegaria a esse nível. Demonstramos que a gente tem capacidade. Estamos mostrando isso não apenas para ex-ginastas, para o público brasileiro, mas sim para o mundo todo que a ginástica do Brasil pode ser uma potência.
Você acredita que a ginástica artística vai se consolidar como um esporte de referência para o Brasil, entre aqueles que sempre vão trazer medalhas nos Jogos Olímpicos?
Pode ser que sim, pode ser que não. A gente nunca sabe como será a nova geração. Pode ser melhor, pode ser pior. Mas a gente luta para que cada geração seja melhor do que a anterior. A gente torce para que a ginástica se torne uma potência para o Brasil.
Você tem percebido um crescimento do interesse pela ginástica artística no Brasil, até inspirado pelos seus feitos e de outros atletas?
Sim, vejo que hoje bastante gente conhece a ginástica. Se você comparar com alguns ciclos atrás, ninguém sabia o que era. Hoje em dia, não. A população sabe o que é a ginástica, conhece alguns aparelhos. Então, isso está chegando neles e atrai o interesse das crianças, que vão praticar o esporte.
Nesse aspecto, você se sente um ídolo do esporte brasileiro?
Não me considero um ídolo, mas considero que contribuí com uma parte para a ginástica chegar nesse nível. Não posso dizer que só os meus resultados fizeram com que a ginástica crescesse... Não, de jeito maneira. Teve Daiane (dos Santos), Daniele (Hypolito), Jade (Barbosa), Diego (Hypolito). Teve outros atletas também, anteriores a eles. Cada um foi construindo um pouquinho da história da ginástica. Então, contribuí com um pouquinho mais. E estou contribuindo, com os meus resultados.
O que mudou na sua vida com o ouro olímpico?
Muda um pouco, né? Você acaba tendo um reconhecimento. O reconhecimento na rua foi o que mais senti. Hoje, quando vou a qualquer lugar, acabo sendo reconhecido. Por causa da ginástica, que cresceu muito no Brasil. Tem muita gente acompanhando. É pedido de autógrafo, de fotos ou mesmo um bate-papo.
E o assédio das mulheres aumentou muito também?
Não... Tranquilo. Tem as duas partes. Tem o assédio da mulherada também, mas com certeza por admiração pelos resultados no esporte. Nada além disso.
O que o intercâmbio com técnicos estrangeiros tem contribuído para o desenvolvimento da ginástica brasileira?
O intercâmbio é legal? É legal. Mas acredito que os técnicos brasileiros têm hoje muita capacidade. Todos viajam para fora para participar de alguma competição e acabam tendo esse contato com outros técnicos. Hoje, os técnicos brasileiros são bem capacitados para conseguir bons resultados.
A Oksana Chusovitina vai competir no Rio aos 40 anos. A tendência é de aumento da longevidade dos ginastas?
Ela é uma exceção extrema. Ela é muito diferenciada na comparação com qualquer outro atleta. Acredito que a longevidade dos ginastas, em vez de aumentar, vai diminuir. A ginástica feminina já tem uma longevidade menor do que a masculina. Se vê atleta de 22, 23 anos se aposentando. No masculino se consegue segurar um pouco mais. Mas isso também está mudando um pouco, pelo fato de atletas masculinos começarem a dar resultados um pouco mais cedo. Então, não se consegue segurar por muito tempo esse alto nível. O corpo acaba não aguentando.
Você tem 26 anos. Pretende competir até que idade?
O meu objetivo é completar mais um ciclo olímpico (até Tóquio 2020). É o meu desejo, o meu sonho. É uma possibilidade, pelo meu histórico de treinos e lesões. Tive poucas lesões ao longo da carreira. Isso ajuda a prolongar um pouco mais a vida do atleta.
O Gracenote, que faz projeções de conquistas de medalhas por países na Olimpíada, prevê que você será ouro no Rio. Como você recebe isso?
Eu fiquei sabendo agora que você me falou (risos). Não fico vendo essa projeções, é difícil estabelecer uma meta para um evento olímpico. É uma satisfação estar nessa projeção como medalha de ouro. É lógico, vou trabalhar muito para que isso aconteça, mas ninguém pode garantir nada.
Você arriscaria um palpite: quantas medalhas a ginástica vai trazer para o Brasil no Rio?
Ixi, é difícil... Não sou muito bom de palpite, não. Acredito que todos (da equipe) têm essa possibilidade. O (Arthur) Nory, conseguiu bons resultados no ano passado. E a gente sempre torce para que o Diego consiga a medalha dele.
Como você avalia o seu nível de preparação e de maturidade agora em relação a 2012?
Posso dizer que estou mais maduro psicologicamente, por já ter competido em uma Olimpíada, por saber como funciona uma Olimpíada. Isso acaba deixando o atleta um pouco mais tranquilo. Na parte técnica, acredito que não mudou muita coisa.
O fato de ser campeão olímpico torna você mais visado pelos adversários...
Sim, você fica mais visado por ser o medalhista, então eles querem arrancar essa medalha de você. Mas você também trabalha para que isso não aconteça, trabalha duas vezes mais para que ninguém consiga tirar esse título.
Como surgiu a paixão pela ginástica artística?
Pratiquei futebol, natação, aí também fiz ginástica. E a ginástica foi o esporte de que gostei mais, deu mais certo. Eu tinha sete anos. Ela conseguiu gastar as minhas energias que tinha de sobra. E acabou me dando muita coisa: disciplina, responsabilidade, respeito à hierarquia. Foi a ginástica que me ensinou tudo isso.
E quando você decidiu que as argolas seriam o seu aparelho?
Até pouco tempo atrás ainda fazia todos os aparelhos, mas com 10 anos eu falei assim: “Esse aqui é o aparelho em que estou me destacando”. Aos 10 anos, eu fiz o Cristo pela primeira vez. Isso acabou impressionando todo mundo. Hoje em dia até tem quem faça com 13, 14 anos. Mas não era normal, e isso chamou a atenção. Foi quando comecei a ter bons resultados nas argolas.
Vamos falar de um tema delicado: doping. Você desconfia de que ginastas utilizem substâncias proibidas? Já ouviu algo a respeito nos vestiários?
Na ginástica não tem. Pelo menos nunca ouvi falar nada, de alguém que use alguma substância.
*ZHESPORTES