Hortência está à vontade depois de mais de 20 anos fora das quadras. Se antes o protagonismo era pela concentração e precisão, agora, aos 56 anos, a descontração e a contundência destacam ainda mais a personalidade da maior jogadora de basquete do Brasil. Não foge das brincadeiras, muito menos das polêmicas que rodeiam o basquete brasileiro nos últimos anos.
Tem opiniões certeiras, assim como os arremessos que levaram o Brasil à medalha de ouro no Pan de Havana em 1991, ao título mundial em 1994 e à medalha de prata em Atlanta 1996. Critica a falta de profissionalismo da Confederação Brasileira de Basquete, diz que o próximo ciclo olímpico já está perdido para a seleção feminina e cobra mudanças na gestão da modalidade. Ela tem na ponta da língua a solução para o futuro do basquete brasileiro: fortalecer as categorias de base.
Em 2016, a Rainha, apelido dado na época em que se destacou com a seleção brasileira, se prepara para estar novamente em uma Olimpíada. Ela atuará como comentarista da Rede Globo e mentora de atletas e paratletas do Time Nissan. Mas seu papel principal será a de mãe do João Victor, que estreia em Jogos Olímpicos no hipismo.
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O que você imagina para o basquete brasileiro nessa Olimpíada? No masculino, Tiago Splitter está fora, há poucos jogadores de NBA. Já a seleção feminina sofreu com vários problemas.
O basquete é uma modalidade muito disputada. Eu tenho uma certa esperança no basquete masculino, ele está muito melhor e tem peças mais fortes do que no feminino, que está passando por uma fase difícil, uma crise. A Confederação Brasileira de Basquete (CBB) está passando por um momento que não é muito bom, e isso afeta muito as equipes. Apesar de torcer pelas meninas, acho que vai ser complicado.
Como você avalia essa crise envolvendo a CBB?
Eu posso dizer com muita propriedade, porque eu estive lá dentro da CBB: você não consegue fazer seu trabalho, porque você faz um planejamento, ele muda toda a hora e você não consegue colocar em prática. A saída é o trabalho de base. Se você pegar uma jogadora de vôlei que tem entre 18 e 19 anos e pegar uma jogadora de basquete com a mesma idade, verá que a atleta do vôlei fez muito mais jogos internacionais. É uma diferença muito grande. Tem de esquecer resultado e fazer um trabalho forte de base para daqui 10 ou 15 anos. Menos do que isso é impossível. Deveria ter começado já. Não começou e não vejo perspectiva desse início.
Esse ciclo olímpico para o basquete feminino foi perdido na sua opinião?
E o próximo também. Cada jogadora que começa com 15 anos e não inicia de maneira certa, perde o ciclo dela, que é Copa América Sub-16, Mundial Sub-17, Sul-Americano Sub-17, Copa América Sub-18 e Mundial Sub-19. Não existe perspectiva de um trabalho de base bem executado, então ela já começa perdendo. Você tem de começar a preparar essa menina desde os 15 anos para jogar o Mundial Sub-19 e depois ter condições de estar na seleção brasileira adulta. Eu não vejo isso sendo feito. Eu vejo problemas financeiros. Reúnem-se 10 dias antes para disputar uma competição, daí é difícil. Precisa ter um trabalho forte de intercâmbio, para elas jogarem na Europa ou mesmo um Campeonato Sul-Americano. E por que não pode fazer? Porque custa caro, e a alegação é que não tem dinheiro.
Com toda essa crise, as atletas vão mais pressionadas para a Olimpíada?
As jogadoras não têm que se sentir pressionadas, porque quem menos tem culpa ali são elas. Se você prestar atenção, a minha geração começou a ganhar títulos, minha última Olimpíada foi em Atlanta. Algumas daquele time prosseguiram e ganharam um bronze e daí acabou. Elas pararam de jogar e não teve peças de reposição. Isso quer dizer que não houve um trabalho e isso afetou muito o basquete feminino.
O que precisa acontecer para mudar este cenário? Ter ficado de fora desta Olimpíada seria uma motivação para reverter este quadro?
Se a gente tivesse ficado fora seria um castigo para as atletas, porque todos almejam participar de uma Olimpíada. A gestão precisa ser mais profissional, mais voltada para a modalidade. Não é só se preocupar com adulto, em dar uma boa preparação para feminino e masculino adulto. Nós temos que nos preocupar com as categorias de base, com o que tá acontecendo internamente com o basquete, tanto no feminino quanto masculino. A sorte é que nós temos duas Ligas que estão indo muito bem, que é a Liga de Basquete Masculino e a Liga de Basquete Feminino, que se uniram agora e estão conseguindo o patrocínio da Caixa Econômica Federal. Dá um certo alívio. Mas isso é uma ação individual de uma Liga, não tem nada a ver com a Confederação. Não existe nenhum suporte, nenhuma ajuda financeira da Confederação, nada, nada.
E como você avalia o trabalho do Magnano na seleção masculina?
Eu acho o Magnano um técnico muito experiente. Já foi o campeão olímpico, então não podemos dizer nada em relação à parte técnica dele. Ele ficou um tempo parado, e todo mundo que fica um tempo parado, quando volta, tem uma dificuldade. Mas ele está no melhor momento e eu estou torcendo muito por ele. Que é um grande treinador a gente já sabe, vamos ver na hora.
Tem um favorito no basquete no Rio 2016?
A gente sabe que no basquete não tem zebra. Não é como no futebol que o time que está na zona de rebaixamento ganha do que está em primeiro. No basquete, isso não acontece. Aquele que é melhor, vai ganhar. É difícil vencer os Estados Unidos, o resto é muito parecido. Por isso que não dá para dizer se o Brasil vai ganhar uma medalha ou não, vai depender como as equipes vão estar naquele momento.
Os Estados Unidos vêm com o Stephen Curry, o novo astro do basquete mundial...
Para você ver como o basquete tem ciclos. Quando você falava dos Estados Unidos, você dizia que eles tinham só bons jogadores, trocavam o tempo inteiro. Acabou isso. O Stephen Curry joga direto, todo o tempo. Quando ele sai, o time cai. Ele é um fenômeno que acontece de vez em quando, como Michael Jordan, Magic Johnson, Kobe Bryant e Lebron James. São gênios. Mas, o que te faz melhor, é ver quem são os outros, quem está dando o suporte a ele. Ele é um gênio, vou falar o que dele? Pegou o jeito, arremessa de tudo que é lugar e cai sempre.
Como você avalia esse ciclo olímpico do Brasil, além do basquete, nas outras modalidades?
É difícil dizer, porque eu não estou acompanhando a preparação de todos os atletas. Mas Jogos Olímpicos é outra competição, totalmente diferente. Tem uma frase que eu falo muito: "vence a luta não o melhor lutador, mas quem luta melhor". Às vezes você pode ser o melhor, mas se você toma no queixo e cai, não tem segunda chance. Ganha quem vai estar melhor naquele momento.
E a pressão de competir em casa pode prejudicar os atletas brasileiros, principalmente os estreantes?
Não tem como você pular isso. Já vi muito estreante em Olimpíada quer era campeão mundial não ganhar medalha, porque cada competição é diferente da outra. É inexplicável, mas é diferente e você tem de passar pela pressão, você tem de estrear. A pressão é aquela vozinha que fica falando "será que eu vou conseguir?". É uma vozinha que não é você. E como você tira essa vozinha que vai te deixando insegura? Se preparando.
Você vai carregar a Tocha Olímpica em Brasília na abertura do tour no Brasil. O que isso significa para você?
É uma honra não só para o atleta, mas para qualquer ser humano você carregar um símbolo, que, na minha opinião, é o mais importante, que representa os valores olímpicos, respeito, admiração, fairplay, luta, garra, determinação. Dentro da competição é só atleta de alto rendimento, mas quando você fala do Tour da Tocha, é o povo brasileiro participando. Você se inscreve, vai poder pegar o fogo e conduzi-lo. É o único momento em que o povo brasileiro participa mesmo de uma Olimpíada, é super emocionante. Teve um ano que era para eu carregar, mas fiquei doente e não pude. Carreguei a tocha no Pan do Rio dentro do estádio, e não é simplesmente carregar um fogo, é carregar todos esses valores, uma das coisas mais importantes que o atleta pode transmitir para todo mundo.
Como está a expectativa pela estreia do seu filho, o João Victor, aos 20 anos, em sua primeira Olimpíada no hipismo?
Eu estou acompanhando o João meio de longe, porque ele está morando na Alemanha na fase de preparação. Eu fico feliz porque o João é um menino muito focado. Ele sabe o que quer, deve estar sofrendo, porque está longe da família, longe do seu país, em uma cidade pequenininha e treina o dia inteiro. Mas eu procuro não participar muito ativamente, quem participa mais é o pai, porque eu não quero que ele se sinta pressionado. E eu sei que, se eu estiver por perto, a imprensa vai estar também e vai querer mostrar tudo. Então eu quero que ele siga o caminho dele, com força própria. É legal ele ter uma mãe que foi conhecida, participou de Olimpíada também, isso ajuda na imagem dele, ajuda ele a aparecer, mas quero que ele apareça pelos próprios méritos. A gente sabe que, nesta Olimpíada, é obvio que ele não vai ganhar medalha ainda, ele é muito jovem. Esta modalidade é diferente das outras, porque o atleta é o cavalo e não ele. Então é a única modalidade em que homem e mulher competem em igualdade.
Em Atlanta 1996, você levou o João com apenas cinco meses para os Jogos. Como foi?
Ele era pequeno, tinha acabado de ter ele. E agora eu vou vê-lo. Quando falo que "eu não vou estar na Olimpíada do Rio Janeiro", na verdade, eu vou ser representada pelo meu filho. Esperamos que ele esteja lá, porque até a Olimpíada muita coisa pode acontecer. Mas ele está bem e sabe o que quer.
E ele nunca se interessou pelo basquete?
Graças a Deus não! Já pensou? (risos) Ia ser uma cobrança muito grande, uma comparação desumana. Que bom que ele foi para o hipismo, acho mais tranquilo para ele.
O que você vai acompanhar nos Jogos Olímpicos? Comprou ingresso, como está se programando?
Na verdade, eu faço parte do time de comentaristas da Globo e vou poder assistir aos Jogos. Algumas coisas eu vou poder ver sem problema, ainda não sei o que, porque talvez esteja escalada para transmissões. Vou ter que decidir em cima da hora. A única coisa que eu sei que vou ver é o meu filho.
E como vai ficar o coração de mãe enquanto estiver torcendo nos Jogos?
Eu não sei, porque não vi meu filho competir ainda. No Pan, eu não quis ir para não atrapalhar, porque achei que podia tirar a concentração dele. Eu fui atleta e sei o quanto a mãe e o pai atrapalham na carreira – e muito! Não quero fazer esse papel de ficar gritando, cobrando, sempre colocando a culpa em outra pessoa. Um dia meu ex-marido falou assim: "nossa, o João Victor levou uma bronca do técnico, fiquei até sem graça". Eu falei: "não tinha que estar lá, você não tinha que estar perto". A relação de técnico e atleta é assim que funciona. Eu tive muito isso com meu primeiro treinador, essa relação de me chacoalhar, e os pais por perto inibem isso, que tem de existir. O treinador enfiar o dedo na ferida também faz parte.
*ZHESPORTES