Representante da geração de prata do vôlei masculino, em Los Angeles 1984, e chefe da delegação brasileira nos Jogos de Sydney 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008, um gaúcho de Bento Gonçalves está à frente da preparação dos atletas para os Jogos do Rio 2016. Aos 53 anos, Marcus Vinícius Freire, diretor de Esportes do Comitê Olímpico do Brasil (COB), mostra confiança a 100 dias para o início das competições e projeta o melhor desempenho do país em uma Olimpíada. A meta é conquistar de 27 a 30 pódios em 10 modalidades diferentes para figurar no top 10 no quadro geral de medalhas.
Mas Marcão, como é chamado pelos colegas, pede compreensão à torcida brasileira:
– Dos mais de 400 atletas do Time Brasil, cerca de 300 vão sair do Jogos sem medalha. Mas queremos que todos tenham no Brasil a melhor performance da carreira. Que pode ser um 19º lugar, por exemplo. Porque no Mundial, esse atleta é o número 58.
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Com formação em economia e pós-graduação em marketing, Marcus Vinícius diz que a combinação de suas passagens pelas quadras e pelo mercado financeiro – foi diretor de bancos e segurados – são fundamentais nas duas pontas de sua atividade no COB. Desde novembro de 2009 no cargo, ele se sente à vontade tanto para conversar diretamente com os atletas quanto para se sentar à mesa e negociar com dirigentes de federações.
– Estou no lugar certo, na hora certa.
Marcus Vinícius recebeu a reportagem de ZH na sede do COB, localizada na Barra da Tijuca, no Rio. Leia os principais trechos da conversa.
A pressão sobre os jogadores, por atuarem em casa, foi uma das explicações para o fracasso da Seleção Brasileira na Copa do Mundo? Essa é uma fonte de preocupação para o COB?
Esse é um dos fatores que temos estudado desde 2009. Dois consultores nos ajudaram, um deles o diretor de esportes do rúgbi do Reino Unido, Clive Woodward. Eles criaram um programa chamado Home Advantage, a vantagem de jogar em casa. Concluímos que há vantagens e desvantagens. Entendo que essa preparação mental não é levar um psicólogo no dia da final para motivar o time. Isso já tentamos lá atrás. Fizemos um trabalho de médio e longo prazo com quase todas as confederações. Montamos um grupo de preparação mental, com psicólogos, psiquiatras, e criamos um board de treinadores experientes para nos ajudar com orientações para os atletas, principalmente os mais jovens. Estamos fazendo reuniões de integração com os atletas que estão se classificando para os Jogos para mostrar exatamente isso: como aumentar a vantagem de se jogar em casa e como diminuir a pressão e as preocupação por atuar em casa.
Você pode dar um exemplo de como esse intercâmbio com estrangeiros ajudou no planejamento do COB?
Perguntamos para o Michael Jonhson, que é nosso consultor para a equipe de revezamento 4x400m masculino no atletismo e que ganhou medalha de ouro em casa, em Atlanta, qual foi a maior dificuldade dele durante os Jogos de 1996 (Atlanta). Ele nos respondeu: "Tickets (ingressos). Meu pai queria, minha mãe, a namorada, o amigo que não via há 20 anos, meu primo, a família inteira. Eu não tinha, e meu agente queria ingressos para os patrocinadores...". Estamos comprando, para cada sessão que cada atleta participar, com exceção da natação, dois ingressos para eles distribuírem a familiares e amigos. Tudo que ajude na tranquilidade (dos atletas).
O teste da blindagem aos atletas na Vila Pan-Americana, em Toronto, foi satisfatório? Será possível reproduzi-lo no Brasil, considerando que familiares e amigos estarão bem mais próximos?
Aprendemos com a equipe olímpica do Reino Unido: é impossível deixar a Vila Olímpica aberta. Porque, se deixar, vamos receber mil pessoas por dia e aquilo vai virar uma bagunça. Então na Vila não vão entrar as visitas da delegação. Criamos dois espaços do Time Brasil onde as famílias serão recebidas. Quando os atletas estiverem disponíveis, ele irão até as famílias. Estamos ajudando também familiares que ainda não decidiram onde ficar no Rio, junto com um dos patrocinadores, onde é mais barato, onde é mais perto. Estamos tentando tirar as preocupações da cabeça dos atletas e aproveitar as coisas boas de ter a torcida a favor.
Quando o Brasil passou a investir de forma pesada no esporte, especialmente no ciclo antes de Atenas, o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, dizia que não era justo cobrar resultados imediatos. Agora, mais de 10 anos depois, você acredita que seriam justas as críticas se o país não atingir a meta de medalhas estabelecida?
Passei minha vida inteira com cobrança. Tenho dito para a minha equipe que, com trabalho feito nos dois últimos ciclos olímpicos, olhando para o Rio 2016, podemos dormir tranquilos. O triênio antes dos Jogos nos mostra que os resultados vieram. O Brasil, pela primeira vez, em 2013, teve 27 medalhas em Mundiais ou ficou nas primeiras posições em rankings (internacionais), teve 24 em 2014, em 2015 sofremos um pouco com algumas lesões. Esperamos alcançar a meta de ser top 10 (no quadro geral de medalhas). Para isso, teremos de subir ao pódio em 10 modalidades (para conquistar de 27 a 30 medalhas no Rio). Se por um acaso o Brasil conquistar uma ou duas medalhas abaixo dessa meta, não será isso que vai desmerecer o trabalho feito pelo COB, pelas confederações, pelos clubes e, principalmente ,pelos atletas nessa preparação. Vamos esperar o resultado de todo esse trabalho no dia 21 de agosto. É uma meta dura, difícil, mas eu acredito nos atletas do Brasil.
O fraco desempenho do atletismo brasileiro nos últimos anos preocupa o COB? O que explica essa situação?
O atletismo tem alguns atletas próximos dos top 5 e top 10 do ranking mundial, casos dos dois saltadores com vara, a Fabiana (Murer) e o Tiago (Braz), do Mauro Vinícius (da Silva, o Duda) no salto em distância, do 4x100m feminino, agora sofrendo com Ana Cláudia (Lemos, flagrada em exame antidoping) e do 4x400m masculino. Mas o atletismo está em um momento de mudança de dois anos para cá. Mudança de presidente (José Antonio Martins Fernandes substitui Roberto Gesta de Melo em 2013), mudança de Manaus para São Paulo, de estratégia, de diretoria técnica, mas que ainda não surtiu o efeito que a gente espera. É um esporte que tem tudo para dar certo no Brasil, pelo tamanho da população, pela diversidade de biotipos.
No atual ciclo olímpico, o que você teria feito de diferente e o que melhor funcionou até agora?
O principal ponto positivo foi que todos os agentes que investem e têm interesse no esporte entenderam que o mapa estratégico desenhando pelo COB com as confederações e o Ministério do Esporte era o caminho certo. Estou falando dos ministério dos Esportes, da Ciência e da Defesa, dos clubes, das confederações, todos foram na mesma linha. Essa foi a nossa maior vitória. A segunda maior vitória foi o planejamento. Quanto mais cedo você se planeja, menos terá de apagar incêndios durante a operação. Então, quando perguntam se a minha agenda está um horror agora, digo: "Não, horror estava em 2009, 2010, 2011. Porque a gente estava contratando treinador, procurando as confederações internacionais, vendo onde o Brasil iria treinar". Hoje não, a operação está andando mais fácil, porque nos planejamos. O que eu faria diferente? Começaria antes (risos). Quanto mais tempo se tem para se preparar, mais chance para se conseguir os resultados. Espero que não apenas 2016 seja nosso melhor ano da nossa história, mas que essa máquina continua pedalando para que em 2020, em Tóquio, e em 2024.
Qual é avaliação dos resultados do trabalho técnicos estrangeiros nas equipes brasileiras?
Foi um investimento válido, que fez bastante diferença. O conhecimento técnico independe de nacionalidade. Se tem um argentino (Rúben Magnano) dirigindo a seleção brasileira de basquete, é porque o cara foi campeão olímpico. Mas gosto de salientar que, quando eles são contratados, há dois objetivos. Um é melhorar a performance dos atletas brasileiros, em alguns casos ganhando medalhas, em outros, melhorando a posição. O segundo objetivo é a transferência de conhecimento. O técnico não pode vir para cá só para fazer o trabalho e, quando ir embora, ninguém aprender o que ele tem a oferecer. Então temos sempre colados nesses técnicos três, quatro, seis treinadores para aprender. Pega o exemplo do Alexander Alexandrov, que tem 25 medalhas em Mundiais, 15 medalhas olímpicas (na ginástica artística). Ele tem muita informação para passar e sabemos que ele não vai ficar aqui a vida inteira.
Como você avalia as condições que o Rio de Janeiro vai oferecer aos atletas em termos de instalações?
Espetaculares. O principal é que a prefeitura do Rio e o Ministério do Esporte pensaram no uso posterior. O legado do Parque Olímpico (da Barra Tijuca) será fundamental para o esporte brasileiro.
Em decorrência da crise política, ficou claro que o cargo de ministro de Esporte (George Hilton deixou a pasta em março em decorrência da debandada da base aliada de Dilma Rousseff) faz parte do toma-lá-dá-cá de Brasília. Como você avalia essa situação?
Nesse momento, é o que melhor poderia ter acontecido para nós, do esporte. Porque está lá o (Ricardo) Leyser, que já foi secretário de alto rendimento e que está no ministério há muitos anos. Ele participou da campanha (candidatura do Rio como cidade-sede), sabe exatamente o que foi prometido, entende o que é o Time Brasil e as nossa metas. A melhor pessoa que poderia estar no ministério está lá. A permanência dele como interino já confirma que ele vai ficar, faltam cem dias dos Jogos. O único problema é que ele ficou agora com mais funções, antes só cuidava dos resultados dos atletas junto com o COB.
*ZHESPORTES