Do alto da cadeira reservada ao juiz principal, a gaúcha Paula Capulo Vieira observa atenta cada lance que ocorre no ambiente que, ao longo de quase duas décadas, transformou-se em sua casa: a quadra de tênis. Aos 33 anos, a árbitra avalia que está mais amigável e menos rígida do que em seu começo de carreira, ainda na adolescência. Também pudera. Não há jogador de renome que não tenha lidado nas andanças pelos principais torneios do circuito. Ganhou respeito no meio e tornou-se a primeira mulher da América do Sul a ter a silver badge, a segunda classificação mais alta das cinco possíveis na arbitragem do esporte - acima da dela, há apenas a gold, concedida, por exemplo, ao compatriota Carlos Bernardes.
O apelido de Paulinha, como é conhecida entre os colegas de tênis, pode ter sido dado por conta de seus 1m58cm de altura. Mas revela mais. A porto-alegrense criada no Petrópole Tênis Clube tem na simpatia uma de suas principais características. Não gosta de engrossar a voz fora das quadras e muito menos dentro delas. São as boas atuações, garantidas dentro dos cerca de 260 jogos que apita por ano, que lhe renderam um lugar na Olimpíada do Rio de Janeiro.
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A experiência nos Jogos não será exatamente nova. Participou de Londres, em 2012, mas, na época da seleção para o torneio, possuía a bronze badge - não é proibido que árbitros dessa categoria façam a função da cadeira, só que, usualmente, pela hierarquia, acabam por serem juízes de linha. Em 2016, porém, Paula estará na condição de protagonista da arbitragem do jogo.
- Não há nervosismo em relação à Olimpíada. Porque os jogadores a gente conhece todos. Claro que há jogos mais difíceis, jogadores mais difíceis. Mas tem que entrar focado. Não tem jogo fácil e qualquer jogo pode se complicar. Tem que estar preparado para qualquer problema e se antecipar a ele - avalia ela, com a serenidade de quem já ultrapassou o frio na barriga de apitar na quadra central de Wimbledon, na Inglaterra, uma das mais emblemáticas do tênis.
Resistência a competições mudou a trajetória
A estrada trilhada no tênis iniciou em posição bem diferente de onde Paula se encontra hoje. Começou do outro lado, como jogadora, aos 10 anos. Atividade que levou durante seis temporadas, quando decidiu admitir a aversão que sentia a competir. A desistência de praticar o esporte como profissão não foi a despedida das quadras. Fez seu primeiro curso aos 16, no Petrópole Tênis Clube, com o atual diretor do departamento de arbitragem da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), Ricardo Reis.
Paula faz questão de ressaltar que, ao longo de sua trajetória, nem sempre as viagens foram dotadas de glamour. Pelo contrário. No começo de carreira, precisou convencer professores a realizar provas do Ensino Médio fora da data marcada aos demais alunos, para conseguir ir a cidades do interior do Rio Grande do Sul apitar torneios infanto-juvenis. Anos mais tarde, optou por abandonar a faculdade de turismo e hotelaria. E conviveu com a saudade da família ao viajar para outros continentes quando o computador ainda era uma tecnologia destinada a poucos.
- Eu olho para trás e penso se eu faria tudo de novo. Poxa, com 30 anos, acho que não. Foi cansativo, mas fico feliz de nunca ter desistido - pondera. - Existia muita cobrança, de pai e mãe, para eu me formar. Eu fui para uma profissão que ninguém fazia. E as pessoas achavam que não iria dar em nada. Provei que, para mim, o diploma não era o mais importante. Meu diploma é a vida que eu tenho e a cultura que eu consegui adquirir com as viagens.
Palavrões até em eslovaco
Cultura, aliás, é item obrigatório no currículo de um árbitro de tênis. Com viagens semanais a diferentes países, o profissional precisa se habituar aos costumes locais e, mais do que isso, aprender um pouco da língua que é falada nas regiões.
Paula tem fluência em inglês e espanhol, além de ter aprendido bastante do francês. Precisa, porém, se virar em lugares como Eslováquia, Rússia e Húngria. Durante os jogos, a maioria das expressões técnicas do tênis é falada na língua local. Com o jogador, é possível usar o inglês.
- Você precisa aprender todo o score. Tipo 15/0, 30/0. Precisa saber falar 'jogadores prontos', 'por favor sentar-se rapidamente', essas coisas. Às vezes, você tem tempo para se preparar. Às vezes não. Na Eslováquia, fui aprendendo com o motorista que me pegou no aeroporto. E perguntava para ele como é 15, como é 30, e ia anotando. A gente não tem que ler (na quadra), mas precisa escutar. Tem que escrever o que a gente entende. Então, no jogo, você precisa se lembrar, porque a gente não pode, a cada ponto, tirar um papel do bolso para relembrar.
Mas não são apenas termos técnicos que tomam conta dos bloquinhos de papel de Paula. A árbitra precisa, também, aprender os palavrões. Qualquer xingamento que possa ser dito pelo jogador em quadra precisa ser entendido pelo juiz para, assim, o atleta ser punido. Segundo a gaúcha, isso não é comum de acontecer.
No tênis, explica ela, há respeito entre jogadores e arbitragem. Pelo código de conduta dos juízes no esporte, Paula não pode falar em nomes e opinar, publicamente, sobre atitudes de determinado atleta.
- O jogador, quanto mais lhe conhece, mais respeita as suas opiniões. Você pode errar, claro, a gente erra. Somos seres humanos - afirma. - Tem jogadores que tem mais empatia, assim como há pessoas que você gosta mais. A gente se vê toda semana, almoça no mesmo lugar, se dá oi aeroporto. Se você encontra, dá oi. Mas a gente não sai para jantar, não sai para tomar café.
O esporte rendeu, para a Paula, mais do que profissão. Trouxe também uma família. A árbitra é casada com o também juiz, Fábio Souza, que possui a bronze badge e atua, normalmente, como linha. Os dois tentam conciliar as agendas para viajarem aos mesmos torneios sempre que possível. Os trechos mais longos, segundo Paula, são feitos em dupla.
Os projetos para os próximos anos mesclam casa e trabalho. Paula quer ter filhos, mas entende que precisa esperar. O momento é de se dedicar ao tênis. Entre os desejos, está a conquista da gold badge. As primeiras classificações (green, white e bronze) são obtidas por cursos. As duas mais altas, porém, são conquistadas pela avaliação de desempenho de cada árbitro.
- Ter gold é uma consequência. A gente tem que fazer nosso trabalho bem. Não é pensar: 'esse ano vou trabalhar melhor do que nunca para ganhar o gold'. Não. É trabalhar o melhor sempre. Eu falo que a gente tem que fazer bem tudo. Não é porque você vai estar na quadra central, ou o jogo vai ser televisionado. Vai fazer bem porque é o seu trabalho - opina.
E 2016 reserva muito desse trabalho a Paula. Não apenas na Olimpíada. Antes dos Jogos, a gaúcha terá passagens por Estados Unidos, México, Espanha, Itália e Inglaterra, entre outras paradas. Uma agenda lotada pelo tênis. Assim como ela prefere.
"Uruguaio-gaúcho" também estará na Olimpíada
Entre os convocados para fiscalizar os melhores tenistas do mundo dentro de quadra na competição, também está o "uruguaio-gaúcho" Nicolas Sanchez.
O professor do Teresópolis Tênis Club, em Porto Alegre, é natural da cidade de Nueva Helvecia, no Uruguai. Juiz de linha há 15 anos, Sanchez se mudou para a capital gaúcha com sete anos. Seu pai era tenista profissional e foi contratado pela Sogipa na década de 80, quando se apaixonou pela cidade e nunca mais foi embora.
Em seu currículo, o árbitro tem uma lista extensa de grandes campeonatos, entre eles: os Jogos Pan-Americanos Rio 2007, Copa Davis, Aberto do Brasil 2015 e Rio Open 2015.
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