Quando o toque da corneta soa nos alto-falantes, anunciando que devem entrar na pista e fazer seu desfile os cavalos que irão competir no próximo páreo, a sensação é de estar ouvindo a trilha sonora de algum filme de época — com notas agudas que anunciam a chegada de membros reais ou companhias militares.
Em pleno 2024, elementos de modernidade se confundem com a tradição histórica das corridas de cavalo, esporte conhecido como turfe.
Na tarde deste domingo (10), o Jockey Club do Rio Grande do Sul realizou no Hipódromo do Cristal uma série de corridas, entre elas o Grande Prêmio Bento Gonçalves, a prova mais importante do Brasil para cavalos da raça puro–sangue inglês de corrida, disputada em pista de areia.
Flamengo campeão também no turfe
Neste ano, a corrida foi vencida pelo jóquei do Rio de Janeiro Wesley da Silva Cardoso, de 28 anos, montando o cavalo Uma Vez Flamengo. Cardoso é jóquei há 10 anos e está no RS pela segunda vez na carreira, mas esta é a primeira vitória neste GP, cujo prêmio é de R$ 50 mil.
— Na minha primeira vez aqui, era minha primeira viagem para competir. Montei a Jolie Amour e, naquela corrida, só tomei areia (risos). Nove anos depois retorno e, graças a Deus, hoje deu tudo certo. O prêmio é dividido, porque corrida de cavalos envolve muitas pessoas, desde cavalariço, caminhoneiro, redeador, jóquei, treinador, veterinário. Quando cruzo na frente, a vitória é de nós todos — afirma Cardoso.
O hipódromo não foi o único local onde o Flamengo foi campeão neste domingo. Em Belo Horizonte, o clube carioca levou a Copa do Brasil após vencer o Atlético-MG.
Competição centenária
Esta edição tem um sabor especial para os fãs da modalidade, já que marca os 115 anos deste GP, criado em 1909 como uma homenagem ao líder farroupilha.
— O GP Bento Gonçalves é famoso por ser onde correm os melhores cavalos do Brasil em pista de areia. Todo proprietário de cavalo de corrida sonha em ganhar esse prêmio, porque não existe no Brasil outra corrida tão importante quanto esta. E quando o cavalo ganha aqui, ele é classificado para o Grande Prêmio Ramírez, no Uruguai, que dá um prêmio muito alto, de meio milhão de reais para o ganhador — afirma o presidente Jockey Club do RS, Gil Irala.
Para os amantes do turfe, um GP é considerado um evento de “de gala”, motivo pelo qual é possível ver, na plateia, grandes chapéus e adereços na cabeça das mulheres, lembrando a aristocracia britânica, bem como alguns binóculos. Boa parte dos homens sentados nas alas da diretoria também porta terno, camisa e gravata.
Nas arquibancadas, no entanto, o público se veste e se porta de forma muito mais descontraída, aproveita food trucks de sorvete e cerveja e curte o som de uma banda ao vivo, no intervalo das provas.
Com ingressos gratuitos para assistir as corridas e opções pagantes somente para quem deseja desfrutar de espaços open bar e do almoço do clube, ampliar o acesso da população ao turfe é um dos objetivos da atual direção do clube, que assumiu o mandato de três anos em julho.
— Estamos tentando mudar. Antes era mais tradicional, as mulheres de chapéu, os homens de terno, cartola, e agora queremos renovar, atrair o público jovem e fazer com que o Jockey volte a ser um local de eventos de Porto Alegre todo final de semana, não só eventos de gala e elite, queremos que o pessoal esteja à vontade — complementa Irala.
Apostas nos cavalos
O guichê de apostas é um dos locais que mais movimenta o público, com valores que partem de RS 2.
Para quem não conhece a fundo os animais e seus cavaleiros, uma opção é escolher o cavalo que faz uma boa apresentação no seu desfile e trote inicial e que, de quebra, tem um nome atraente
Foi o caso da servidora pública municipal Rita de Cássia Torres. Ela conquistou algumas notas depois de apostar R$ 2 na égua La Petite Lili, que venceu a quarta corrida desta tarde.
Rita frequenta o Jockey desde pequena, junto do pai, Ubirajara Torres, 83 anos. Ele conta que seu primeiro emprego, aos 15, foi vendendo bilhetes de apostas no Jockey Club de Bagé.
— Acompanho os cavalos desde criança, trabalhei com isso durante uma época e sempre apostei, mas sempre baixo. Não ganho muito, estou sempre no "Bah, nesse não deu, mas no próximo páreo vai dar", só que esse próximo não chega nunca — se diverte o octagenário.
Como o evento é transmitido online ao vivo, apostas pela internet também são feitas.
A modernização das apostas é uma das principais novidades percebidas por Cláudio Cesar de Andrade, que trabalha há 27 anos na comissão de corridas do Jockey Club:
— Eu vi esse esporte mudar muito depois que entrou a informática, mudou tudo, para melhor. Antigamente as apostas eram só presenciais. Eu me empenho por gostar do turfe e gostar deste clube, onde meu vô e meus pais trabalharam também. Meu serviço é ajudar os jóqueis profissionais em tudo, para que não falte nada para eles no dia da corrida.
Outra mudança percebida por Cláudio tem a ver com as cores: de uns tempos pra cá está tudo mais colorido, desde as roupas e chapéus chamativos dos jóqueis até as mantas que os cavalos usam.
Um recordista mundial
Vestindo uma camiseta azul e um chapéu amarelo, o carioca e sensação do esporte Jorge Ricardo, conhecido como Ricardinho, fez a festa do público após vencer um dos páreos. Aos 63 anos e com 48 de profissão, Ricardinho é o recordista mundial de turfe em número de vitórias, com 13.326 conquistas.
— É um número que é impossível, no momento, de alguém pensar em bater. Nem mesmo eu imaginei que fosse ganhar tantas corridas na minha vida. Para se ter uma ideia, os cinco primeiros jóqueis que estão na linha das 8 mil vitórias já deixaram de montar. Tenho uma vida dentro do turfe, é óbvio que a aposentadoria não está longe, mas por enquanto vou seguir montando. Hoje estou aqui pela festa, por ser uma festa tradicional deste hipódromo do Rio Grande do Sul.