Um estudo realizado no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre, analisou os exames cardiológicos de mais de 6 mil atletas profissionais de futebol de todas as regiões e todas as divisões do Brasil e sugeriu mudanças na rotina de avaliação dos clubes. A pesquisa, tese de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) do educador físico baiano Filipe Ferrari, 35 anos, apontou que algumas doenças cardíacas podem não ser detectadas nos exames adotados pela maioria dos clubes brasileiros.
O trabalho, publicado na British Journal of Sports Medicine, uma das principais revistas científicas do mundo, concluiu que determinadas anomalias são identificadas apenas por meio de uma ressonância magnética cardíaca, exame mais sofisticado que o eletrocardiograma e o ecocardiograma, que são utilizados de forma mais comum pelos clubes.
— O nosso estudo revelou que a ressonância magnética cardíaca é necessária para avaliar adequadamente atletas que apresentam uma alteração no eletrocardiograma chamada de inversão da onda T ínfero-lateral. A onda T é um daqueles tracinhos que aparecem no papel do eletrocardiograma. Quando a onda T está voltada para baixo, em vez de para cima, dizemos que a onda T está invertida. Dependendo da localização dessa inversão, isso pode ser um sinal de alguma doença potencialmente maligna. Em casos de inversão da onda T ínfero-lateral, sugerimos que a ressonância magnética cardíaca seja o principal método de escolha para a avaliação dos atletas — explicou Ferrari ao programa Sábado Esporte, da Rádio Gaúcha.
Dos 6.125 jogadores avaliados na pesquisa, 75 tiveram constatada no eletrocardiograma a referida inversão da onda T ínfero-lateral. Em 71 deles, o ecocardiograma apontou um resultado normal. Entretanto, dos 75, apenas 18 foram submetidos a uma ressonância magnética, que detectou doenças cardíacas em seis deles. Entre esses seis, quatro tinham ecocardiogramas normais. Isso demonstra, segundo o pesquisador, que há situações em que apenas a ressonância pode ser capaz de identificar algumas dessas doenças, como as cardiomiopatias e miocardite.
— Nesses quatro jogadores, apenas a ressonância magnética cardíaca identificou doenças cardiovasculares potencialmente malignas. Como 57 dos 75 atletas com a inversão da onda T ínfero-lateral não foram submetidos à ressonância, a prevalência de doenças cardiovasculares nos jogadores de futebol brasileiros pode ter tido subnotificação. Alguns desses atletas podem ter realizado ecocardiograma com resultados normais, mas poderiam ter alguma doença potencialmente maligna que apenas a ressonância seria capaz de detectar — explica Ferrari.
Contudo, apesar das alterações verificadas no estudo, Ferrari faz questão de esclarecer que episódios como a trágica morte do zagueiro uruguaio do Nacional-URU, Juan Izquierdo, 27 anos, no Morumbi, são extremamente raros. Ele passou mal em campo, no dia 22 de agosto, e morreu cinco dias depois, no hospital.
— O exercício físico, mesmo intenso, não mata, desde que não seja realizado em condições climáticas adversas. O que mata são doenças cardiovasculares preexistentes, diagnosticadas ou não, nas quais o exercício físico intenso pode, sim, ser um gatilho para o surgimento de arritmias malignas e consequente morte súbita cardíaca. Ainda assim, a morte durante a prática esportiva é um evento extremamente raro. O risco pode continuar baixo, mesmo para atletas com uma doença cardíaca subjacente. Contudo, é importante realizar uma avaliação com um especialista para descartar a presença de doenças cardíacas. Praticar exercícios é extremamente benéfico. O maior risco, sem dúvida, é o sedentarismo — afirma.
O estudo também identificou que atletas negros apresentam, estatisticamente, mais inversões anormais da onda T do que atletas brancos e pardos.
— Isso não apenas em jogadores de futebol, mas a atletas em geral. Se analisarmos a literatura, a etnia negra também é um dos fatores de risco para morte súbita cardíaca — atesta o pesquisador.
Dupla Gre-Nal adota ressonância
Orientador do estudo de Ferrari, o médico e professor universitário Ricardo Stein, cardiologista do Hospital de Clínicas e doutor em cardiologia do exercício, enfatiza que a pessoa que não se exercita regularmente corre um risco muito maior de morte por doenças cardíacas do que que um atleta, seja profissional ou amador.
— O esporte é um aliado do coração. Quando acontece um desastre como esse com o Izquierdo, as pessoas podem pensar: "se um atleta desses tem um evento mortal como esse, o que vai acontecer comigo, que sou um simples sedentário?". Pois, em 2012, um estudo apontou que a inatividade física era responsável por 5,3 milhões de mortes no mundo por ano, matando mais, em números absolutos, do que tabagismo, por exemplo. E quantos atletas de futebol morreram nos últimos anos? A gente tem que parar para pensar — afirma.
O especialista ainda elogia os procedimentos adotados pela dupla Gre-Nal em relação à prevenção de doenças cardíacas.
— Grêmio e Inter fazem uma avaliação antes de cada pré-temporada e submetem seus atletas a exames, incluindo a ressonância magnética cardíaca quando indicado. Por sinal, tanto a Arena quanto o Beira-Rio são estádios considerados cardioseguros, pois têm equipes treinadas para reanimar pessoas que sofrem parada cardíaca — finaliza.