Quando o competidor Édipo Merêncio, 34 anos, pegou o microfone e olhou nos olhos da companheira Charlene Valim, 28, o relógio marcava 14h30min. O público, até então atento às disputas do Campeonato Gaúcho de Fisiculturismo, silenciou.
Então, na presença dos filhos pequenos, o catarinense de Araranguá pediu a amada em casamento. Sem titubear, o pedido foi aceito na hora. Houve abraços, emoção, gritos de incentivo, outros de surpresa, além de palmas. Muitas palmas.
Era esse o clima durante o evento deste domingo (28) no Salão de Atos da PUCRS, em Porto Alegre. Cerca de 170 destaques do esporte se apresentaram para uma plateia entusiasmada e curiosa.
Professor de Educação Física e quase formado em Nutrição, Merêncio começou a praticar fisiculturismo há um ano e oito meses. Ele diz que a decisão ocorreu por uma questão de escolha de estilo de vida.
— O sentimento é maravilhoso. Quando estamos no palco é algo mágico — compartilha Merêncio, que ficou com o vice-campeonato na categoria Bodybuilding até 75kg.
A futura esposa Charlene não escondia a felicidade por ter sido pedida em casamento, após 10 anos de relacionamento. Toda a família sabia dos planos do namorado, menos ela.
— Foi maravilhoso e emocionante — disse a dona de casa, que agora espera selar a união formal na igreja e fazer uma grande festa.
Nos bastidores da competição organizada pela Federação de Bodybuilding e Fitness do RS (IFBB-RS), os atletas alongam os músculos, fazem apoio, levantam peso, puxam elásticos e o que for necessário para tonificar a musculatura.
Em geral, os homens vestem sungas e as mulheres estão de biquínis (dependendo da categoria, ainda usam salto alto). Muitos se conhecem, trocam afagos e conversam enquanto esperam sua vez. O clima é de confraternização e não se percebe competitividade. Mas este elemento está presente. Todos querem ganhar.
O presidente da IFBB-RS, Luciano da Silva Gonçalves, afirma que o Campeonato Gaúcho é muito forte.
— Hoje (domingo), é a nata do Estado. Temos aqui quatro campeões brasileiros e outros mundiais. O nível é mais alto — menciona.
Preparação inclui treinos intensos e dietas especiais
O casal Rafael Prado, 38, e Jessica Ribeiro, 32, está junto desde novembro do ano passado. Os dois se conheceram na competição de 2023 e agora treinam em dupla para os torneios.
— A gente veio para ganhar. Estamos felizes pelo trabalho realizado — comenta o porto-alegrense Prado.
Ele competiria na categoria Mens Physique, destinada a homens que realizam o treino com pesos a fim de manter a forma, e que praticam uma dieta saudável e equilibrada, em busca de um físico com aspecto atlético e esteticamente agradável.
Sobre as dificuldades enfrentadas no dia a dia para quem precisa se submeter a uma rotina pesada de exercícios e de dietas especiais, Prado reflete e faz a coisa parecer simples.
— O que para muitos é uma restrição, para nós é um estilo de vida.
Jessica competiria na Wellness, categoria que se destina a mulheres com físico sem separação muscular, estética agradável e com maior massa corporal nos membros inferiores.
— A minha expectativa é de ganhar. Fiz meu trabalho e na hora nem olho para as meninas ao meu lado — revela sobre seu comportamento para manter o foco.
E a estratégia se mostrou alvissareira: Jessica venceu.
Antes da apresentação, os dois planejavam sair para comer uma pizza depois da competição. Seria um raro momento de flexibilidade em meio a uma rotina de inúmeras restrições alimentares. Os treinos já recomeçarão na segunda-feira (29), visando o próximo torneio do qual participariam, em agosto, em São Paulo.
Enquanto os competidores aquecem e esperam a vez de serem chamados ao palco, os treinadores e integrantes do staff cuidam dos últimos detalhes. Alguns ficam de olho em cada movimento de aquecimento dos atletas e dão dicas para melhorar a performance.
Vindo de Santa Maria, o mestre de obras Sidnei Silveira, 52, também aquecia e alongava os músculos antes de se apresentar na categoria Bodybuilding.
— Sempre gostei de levantar peso. Tinha 124 quilos, me separei e tive depressão. Se não fosse pelo fisiculturismo, que já pratico há 10 anos, não sei — comenta Silveira, que antes disputava provas de levantamento de peso.
Todos os entrevistados citam a disciplina, a rotina de treinos intensos e a dieta rigorosa como características para competir nesse esporte. Muitos não comem açúcar, nem bebem álcool ou fumam.
Estudante de Educação Física na UFRGS e de Serviços Jurídicos na Uninter, além de fazer estágio no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), Caroline Silveira, 31, estava ansiosa por sua apresentação. Ela é de Cachoeira do Sul, mas mora em Porto Alegre. Treina todos os dias e chega a levar comida na marmita para evitar qualquer deslize nas refeições. Os pais aguardavam pela exibição da filha na plateia.
— Há cinco anos que sonhava em participar desta competição. Sempre vinha assistir — disse ela antes de competir, acrescentando:
— Sou uma pessoa muito competitiva, fico preocupada e ansiosa. Meus pais estão aqui e não posso desapontar.
E Caroline não decepcionou: ficou com o vice-campeonato em sua categoria, a Bikini Fitness.
Em uma sala, os fisiculturistas têm os corpos pintados com auxílio de sprays. Eles ficam em cabines de plástico individuais. Ventiladores espalhados pelo chão aceleram o processo de secagem.
As paredes dos corredores e de outros ambientes são protegidas por plásticos na cor preta. Tudo para evitar que a tinta corporal manche os locais do trajeto de vaivém deles.
"Um amigo meu fazia fisiculturismo e pegava um monte de mulher", diz competidor
Nascido na Bahia, mas morador de São Marcos há 25 anos, Zenivaldo Silva, 42, decidiu entrar para esse esporte em 2003, e por um motivo bastante curioso.
— Um amigo meu fazia fisiculturismo e pegava um monte de mulher nas festas. Então decidi fazer também — conta.
Com pós-graduação em Educação Física e atuando como personal trainer, o baiano já participou de inúmeras competições. Neste domingo, ele disputaria na categoria Men's Physique.
— Acordo às 4 horas da manhã todos os dias. Sempre boto a saúde em primeiro lugar. O mais difícil é o convívio social — relata.
— Tu vive um Avatar (alusão ao filme de ficção científica). Apenas 6% dessa população (fisiculturistas) vive assim — conclui.
Como funciona a disputa
Durante a disputa do Campeonato Gaúcho, os fisiculturistas entram em blocos no palco, onde é feita uma análise geral pelo árbitro. Depois cada atleta tem direito a protagonizar poses compulsórias. Em seguida, cada atleta do fisiculturismo tem um minuto para a apresentação individual.
O árbitro avalia o candidato no conjunto e na comparação de um contra o outro, e ainda a performance individual. Os seis primeiros de cada categoria são premiados.
Os resultados completos não haviam sido divulgados até a publicação desta reportagem.