Daniel Alves foi condenado, na manhã desta quinta-feira (22), pelo crime de violência sexual cometido contra uma jovem de 21 anos, em dezembro de 2022, em Barcelona. O jogador terá de cumprir pena de detenção por quatro anos e seis meses.
Ele terá de cumprir, ainda, mais cinco anos liberdade vigiada e pagará uma indenização de 150 mil euros (cerca de R$ 804 mil), além de arcar com as custas do processo. A decisão ainda é passível de recurso no Tribunal da Catalunha ou no Tribunal Supremo, a segunda instância instância do sistema judiciário espanhol. Lembrando que cabe recurso da decisão para ambas as partes.
Confira a sentença na íntegra
Barcelona, 22 de fevereiro de 2024
O tribunal da seção 21 do Tribunal Provincial de Barcelona condena o desportista Daniel Alves a 4 anos e seis meses de prisão por violação, tendo o tribunal apreciado a reparação dos danos e declarado a indenização da acusação desde a fase inicial da instrução; liberdade vigiada por um período de 5 anos, sendo a pena de prisão integral aplicada uma única vez; proibição de ocupar o domicílio ou área de trabalho da vítima em distância inferior a 1.000 metros e de comunicar com ela por qualquer período de 9 anos e 6 meses;
Neste caso, é condenado à pena de inabilitação especial para o exercício de emprego, serviço público, profissão ou cargo afins a menores por períodos de 5 anos, aplicando-se pena integral também a pena de preso; indenização de 150 mil euros por danos morais e lesões; à pena de 2 meses de multa com taxa diária de 150 euros, com responsabilidade pessoal subsidiária em caso de não pagamento do artigo 53.º do Código Penal, por crime que envolva lesões; e ao pagamento de custas processuais.
O tribunal considera provado que “o arguido dominou abruptamente a vítima, atirou ao chão, impedindo-a de se mover, penetrou pela vagina". Entendo que “tanto o tipo de absência de consentimento, como a violência e o acesso carnal são complexos”.
A resolução explica que “para a existência de agressão sexual não é necessário que ocorram lesões físicas, nem que haja uma oposição heroica da vítima para manter relações sexuais”.
E salienta que “no presente caso também encontramos lesões na vítima que tornam mais do que evidente a existência de violência para forçar a sua vontade, com o posterior acesso carnal que não é negado pelo arguido”.
O tribunal afirma na sentença que “não só o consentimento pode ser revogado a qualquer momento, mas também deve ser dado consentimento para cada uma das variedades sexuais dentro de um encontro sexual e não está estabelecido que, pelo menos no que diz respeito à penetração vaginal, a vítima deu o seu consentimento, e não só isso, mas também que o arguido submeteu a vontade da vítima com o uso da violência”.
O tribunal “alcançou a convicção dos fatos ao ter avaliado positivamente o depoimento da testemunha no ato do julgamento oral da vítima, juntamente com outras provas que corroboram o seu relato”. Os magistrados consideram que, no essencial do seu depoimento, a vítima foi “coerente e particularmente persistente, não só ao longo da instrução do caso, mas também no plenário, sem que haja concordância de contradição relevante em relação ao que foi anteriormente declarado pelo ela na instrução".
A sentença explica que “há corroboração periférica suficiente que sustenta a versão da denunciante em matéria de penetração vaginal não consensual”.
— A existência de lesões no joelho da vítima
"As lesões no joelho são produto da violência usada pelo Sr. Alves para abaixar a denunciante e assim colocá-la no chão. É evidente que a lesão ocorreu naquele momento, pois um funcionário da boate onde ocorreram os fatos afirmou que estava tratando a ferida”.
— O comportamento da vítima após os eventos ocorridos
“Temos meios de prova suficientes que atestam o estado da vítima logo após ter saído da casa de banho do reservado”.
— A existência de sequelas na vítima
E, embora o tribunal registe que algumas das declarações do acusado não correspondem a provas práticas, "no que diz respeito ao parâmetro de avaliação da credibilidade subjetiva do depoimento, não há registo da existência de qualquer motivo espúrio por parte da vítima. Eles se conheceram no dia dos eventos, momentos antes de ocorrerem. Não foi apontado nenhum motivo de incredulidade subjetiva, alguma briga, inveja, ciúme ou outro motivo que o tenha levado a relatar fatos que não teriam acontecido”.
O tribunal acrescenta, a propósito, que “de tudo o que a vítima relatou, dos avisos de rescisão fornecidos, dos laudos psicológicos e psiquiátricos, concluímos que a denúncia, a priori, traria mais problemas ao denunciante do que vantagens”.
E especifica: “a vítima teve medo de denunciar os factos pela possível repercussão mediática que poderia ter e pelo facto da sua identidade poder ser revelada. Este receio poderia ter-se confirmado uma vez que, como foi exposto pelo advogado do Ministério Público, estes denunciaram recentemente a fuga de dados pessoais do denunciante”.
E, acrescenta-se no acórdão que também não há necessidade de falar em interesse financeiro dado que “antes da realização do julgamento a defesa ofereceu a quantia de 150 mil euros para ser entregue à vítima, esta poderia ter aceitado esse valor, renunciando posteriormente ao exercício da ação cível e penal, mas não o fez, apresentando ofício, datado de 11 de dezembro de 2023, nesta seção, pelo qual foi apontado que não era desejo do reclamante não receber nenhum valor durante o processo judicial, exceto o que poderia ser estabelecido pela Corte em caso de condenação”.
Em suma, diz a decisão do tribunal, “não há provas de qualquer motivo oculto ou de qualquer circunstância que permita duvidar da credibilidade da vítima a este respeito”.
O tribunal da seção 21 explica na sentença que “na prática a maioria dos crimes contra a liberdade sexual, especialmente quando a peça fundamental é a existência do consentimento, a prova baseia-se principalmente no depoimento da vítima”.
Às vezes corroborado pela existência de lesões, restos biológicos ou outros indícios poderosos. Mas nem a existência de lesões é necessária para a prática de um crime de agressão sexual, nem em todos os casos estamos confrontados com a existência de restos biológicos”.
E afirma que “isto não significa que a mera apresentação da denúncia implique a acreditação dos fatos denunciados, nem mesmo quando essa denúncia é ratificada em plenário e os fatos são explicados pela vítima”. Nas agressões sexuais não há presunção de veracidade da vítima, nem a sua declaração prevalece sobre as declarações do arguido”.
Especifica-se também que “neste sentido as recentes reformas legislativas em matéria de crimes contra a liberdade sexual não alteraram os critérios de avaliação das provas que conferem prevalência ao depoimento da vítima sobre o do arguido, nem a necessidade de a as acusações para provar a prática do crime mudaram".
Assim, o tribunal explica que “para avaliar a versão da vítima, exigência particularmente rigorosa quando estamos perante depoimentos únicos que pretendem servir de prova de acusação devemos distinguir três momentos: a narrativa sobre o que aconteceu antes de entrar o banheiro da suíte reservada, o relato do ocorrido lá dentro e o que ele explicou sobre o ocorrido após esses acontecimentos".
E, em relação a isso, a sentença afirma sobre o consentimento que “nem que a denunciante tenha dançado de forma insinuante, nem que tenha aproximado as nádegas do arguido, ou que tenha sequer conseguido abraçá-lo, pode faça-nos supor que ele deu o seu consentimento para tudo o que pudesse acontecer mais tarde. Estas atitudes ou mesmo a existência de insinuações não significam dar carta branca a qualquer abuso ou agressão que ocorra posteriormente; o consentimento nas relações sexuais deve ser sempre dado antes e mesmo durante a prática sexual, de forma que uma pessoa possa concordar em manter relações até certo ponto e não dar consentimento para continuar ou não realizar determinados comportamentos sexuais ou fazê-lo de acordo com certas condições e não outras.
Além do mais, o consentimento deve ser dado para cada uma das variedades de relações sexuais dentro de um encontro sexual, uma vez que alguém pode estar disposto a tocar sem que isso pressuponha que tenha acesso à penetração, ou sexo oral, mas não vaginal, ou sexo vaginal, mas não anal, ou sexo apenas com camisinha e não sem ela. Nem mesmo o fato de terem sido feitos toques implicaria ter dado consentimento para todo o resto”.
O tribunal avaliou favoravelmente o relato da vítima “salvo os défices apontados no relato do sucedido antes de entrar na chamada suíte” e “não tem dúvidas de que a penetração vaginal do denunciante ocorreu com recurso à violência, tendo em conta tanto o seu relato neste momento, que é corroborado perifericamente pelas provas que referimos, e dada a reação da vítima momentos após a ocorrência dos fatos".
E no que diz respeito ao arguido e à sua versão dos fatos, a sentença recorda que “não tem obrigação de testemunhar e, para o fazer, a falta de credibilidade das suas declarações de defesa não constitui prova da sua culpa, porque também tem o direito constitucional de não testemunhar contra si mesmo.
Nem o fato de o arguido incorrer em contradições ou o seu relato não corresponder ao sucedido, no todo ou em parte, não significa que deva ser considerado autor dos fatos sem mais delongas, não se pode entender que constitua prova de posição".
O tribunal aplica a mitigação da reparação de danos ao réu Daniel Alves. Fica provado, diz a sentença, “que antes da realização do julgamento, a defesa depositou na conta do tribunal o valor de 150 mil euros para que fosse entregue à vítima, sem qualquer tipo de condição”.
Segundo o parecer do tribunal, “apesar de o despacho do Ministério Público estabelecer a obrigação do arguido pagar uma caução de 150 mil euros, o fato de este ter indicado que solicita a entrega desse valor à vítima, independentemente do resultado do julgamento, expressa uma vontade reparadora que deve ser considerada como fator atenuante”.
Ao mesmo tempo, a sentença afirma que “não se aplica a circunstância modificadora da responsabilidade penal da embriaguez, uma vez que não foi comprovado em plenário o efeito que o consumo de álcool possa ter causado nas faculdades volitivas e cognitivas da pessoa acusado".
O julgamento do atleta Daniel Alves decorreu no Tribunal de Barcelona pelo tribunal da seção 21, a que correspondia a questão por turno de distribuição, nos passados dias 5, 6 e 7 de fevereiro. O caso foi investigado pelo tribunal de Instrução 15 de Barcelona. Os eventos ocorreram na noite de 30 de dezembro de 2022.
A sentença admite recurso para a Câmara de Apelações da Câmara Cível e Penal do Superior Tribunal de Justiça da Catalunha. O arguido mantém a situação de privação de liberdade.