A CBF surpreendeu ao anunciar no começo da semana Fernando Diniz como técnico interino da Seleção Brasileira. O profissional seguirá comandando o Fluminense paralelamente. Ainda que não seja oficial, o interinato acontece porque a entidade pretende ter Carlo Ancelotti na casamata a partir da Copa América de 2024.
Ao anunciar o acerto com Diniz, o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, tratou a chegada do brasileiro como o início de um projeto que Ancelotti dará sequência após o encerramento de seu vínculo com o Real Madrid.
— Filosofia de jogo, sem ficar mudando sempre, ele (Diniz) sempre teve o mesmo método e gostei muito pela renovação que ele fez pelas aplicações táticas. É um treinador que a proposta de jogo dele, também, é quase parecida com a do treinador que assumirá a partir da Copa América, o Ancelotti, acho que eles têm quase o mesmo tipo de proposta — declarou.
Como dirigente, Ednaldo discursou defendendo sua decisão, mas o argumento de que Diniz e Ancelotti têm propostas de jogo parecidas não se sustenta ao se olhar o histórico dos trabalhos dos dois treinadores.
Hoje o maior vencedor da Liga dos Campeões, com quatro conquistas, e único técnico campeão nos cinco principais campeonatos nacionais da Europa (Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália), Ancelotti iniciou a carreira de treinador no Reggiana em 1995, quando Diniz ainda estava em seu primeiro clube na trajetória de jogador, a Juventus da Mooca, da capital paulista.
Ao longo desses 18 anos, Ancelotti construiu carreira tendo a relação humana com jogadores e a adaptação às características deles como marca. O italiano levantou sua primeira taça em 1999, com a Juventus, no Torneio Intertoto. Foi em Milão, com o Milan, que venceu suas primeiras Champions, em 2003 e 2007.
À época, tornou famoso o sistema árvore de Natal. Após ter perdido opções ofensivas para manter o seu 4-4-2 em losango, Ancelotti apostou em sistema com cinco meio-campistas, tendo apenas Filippo Inzaghi na frente. A formação no 4-3-2-1 potencializou Kaká na conquista da Liga dos Campeões da temporada 2006/2007. Ao final daquele ano, o brasileiro levou o prêmio da Fifa de melhor jogador do mundo.
A adaptabilidade de Ancelotti
Carlo Ancelotti encerrou sua trajetória no Milan ao final da temporada 2008/2009, a mesma em que o Barcelona de Pep Guardiola encantou o mundo com a conquista da tríplice coroa. O sucesso do técnico espanhol ditou os rumos do futebol desde então. A importância de ter a posse de bola, por exemplo, virou comum nos debates.
Vieram para as discussões futebolísticas conceitos como Jogo de Posição e Ataque Posicional, além das formas de treinamentos. Guardiola influenciou muitos novos treinadores tanto a seguirem seus modelos ou a criarem antídotos para ele. Além disso, gerou impacto na forma como se prepara equipes tanto em treinamentos quanto de analisar adversários.
O português José Mourinho virou a primeira antítese a Guardiola, apostando na marcação compacta, redução de espaços e contra-ataques para encarar o espanhol. Assim, teve sucesso para eliminar o Barcelona e levar a Inter de Milão ao título europeu em 2010. Anos depois Jürgen Klopp e a sua pressão sobre a bola — o conceito de Gegenpressing — se tornaram o principal rival do espanhol nos tempos recentes.
Sem ser bandeira de nenhum conceito, Ancelotti teve na sua adaptação a diferentes cenários e a capacidade de absorver distintas ideias para usar em seus trabalhos. Em entrevista ao jornal italiano La Gazzetta dello Sport, deixou claro seu pensamento sobre futebol.
— O bom treinador é aquele que adapta o jogo às características dos atletas. Se tenho Modric e Kroos, não posso esperar pressionar muito. Vou dar exemplo: se tenho o Cristiano Ronaldo na frente, estudo com afinco como levar a bola até ele. Outro exemplo: no Real tenho o Vinícius Jr., que tem um motorzinho debaixo dos pés. Eu seria um incapaz se não usasse o contra-ataque. Vejo treinadores que acham que o futebol é uma “ciência”, mas para mim é o jogo mais simples do mundo: você joga e se adapta de acordo com o que tem — declarou Ancelotti.
A posse de bola como arma de Diniz
Se Ancelotti adapta seus times a diferentes contextos e ideias, Fernando Diniz é mais rígido quanto a sua filosofia de jogo. Algo que o agora treinador interino da Seleção Brasileira não abre mão é de ter a posse de bola como arma de controle, tanto para atacar quanto para defender. Isso faz com que muitas pessoas até tentem fazer uma ligação sua a Pep Guardiola. Mas o próprio treinador explicou recentemente suas diferenças para o espanhol.
— Por gostar de ter a bola, obviamente as pessoas me associam ao jeito do Guardiola jogar, mas para por aí. A maneira dele ter a bola é quase o oposto da minha. É um jogo mais posicional, que se chama hoje. Os jogadores respeitam muito a posição e a bola vai no espaço. O jeito que eu vejo futebol nesse momento é quase que "aposicional". Meus jogadores conseguem migrar mais de posição, o campo fica mais aberto e o jogo fica mais livre. Em determinados setores do campo a gente se aproxima. Um (Guardiola) é um jogo mais preso dentro das posições e o outro (Diniz) mais livre — exemplificou durante participação no programa Bem, Amigos, do SporTV.
Saída de bola
Nesta situação, a característica de Fernando Diniz tem uma primeira diferença básica para Carlo Ancelotti. Dentro da sua ideia de valorização da posse, o brasileiro não abre mão de iniciar seu jogo com toques curtos desde o goleiro. Seu treinamento enfatiza aprimorar a capacidade coletiva do time sair de trás dessa forma mesmo pressionado pelo adversário.
A maneira de Ancelotti pensar a saída é completamente distinta. Em seus times, sendo o Real Madrid o exemplo mais recente, também buscam iniciar as jogadas com toques curtos pelo chão. No entanto, isso é mais usado como uma arma de atração.
Quando o adversário sobe atletas ao campo de ataque, Ancelotti prefere que seus times saiam com bolas longas. Assim, tenta aproveitar com ataques rápidos uma possível desorganização do rival que subir muitos atletas ao ataque para pressionar.
Forma de atacar
Há semelhanças na forma de atacar de Diniz e Ancelotti. Ambos buscam movimentações com aproximações de jogadores em torno da bola na fase ofensiva. Ou seja, as movimentações são mais em função da bola do que do espaço. A diferença é que o brasileiro faz isso colocando mais atletas no setor em que está a bola, Ancelotti usa mais o conceito de amplitude para ter a alternativa de atacar o espaço com passes longos no setor oposto de onde se iniciar as jogadas.
Em resumo, os times de Diniz acumulam jogadores perto da bola e tentam, com toques curtos, criar as jogadas por aquele setor. Já os de Ancelotti costumam executar mais a ideia de iniciar de um lado e usar passes longos para inverter o jogo e atacar no lado aposto.
Forma de defender
Fernando Diniz é mais agressivo na hora de marcar, seus times costumam priorizar a marcação alta, isso é feito com pressões na zona da bola. Já Ancelotti costuma ser menos rígido nesse conceito, muitas vezes optando por marcar em zonas intermediárias ou mais recuadas do campo. Quando marca alto, o italiano opta por fazer encaixes individuais, a chamada marcação homem a homem, distinta da do brasileiro.
Pelo seu estilo adaptável, é possível que Carlo Ancelotti aproveite muitas coisas que Fernando Diniz deixará na Seleção Brasileira caso o trabalho do interino dê bons frutos. No entanto, a forma como o brasileiro e o italiano costumam pensar futebol e montar suas equipes não são semelhantes como o que foi dito pelo presidente da CBF.