*Este texto foi publicado em ZH em 2/10/2002
James Joyce dizia que o leitor ideal é o leitor com insônia. O que sugere um paradoxo: não adianta ler a noite toda e ficar inteligente se no dia seguinte você parecerá um zonzo por falta de sono. A regra deveria valer para os leitores ideais dos livros de Joyce. Eu consegui ler todo o Ulysses (só não me peça para contar), mas decidi que tinha que escolher entre ler Finnegans Wake e viver. O fato é que já tive muita insônia, e mais tempo do que tenho agora, e por isso li bastante.
Hoje me transformei num leitor de trechos, ou de notícias e artigos, que, pensando bem, também são trechos desta grande obra que ninguém sabe como vai terminar, que é a atualidade. Quando me perguntam sobre literatura brasileira e internacional, novos autores, etcétera, e não quero dizer que não leio mais como lia e por isso sou um abjeto desinformado, digo apenas que tenho dormido melhor, ultimamente. O que talvez explique esta cara de quem lê muito, e as perguntas.
A falta de insônia e de tempo desanima o leitor diante de textos maiores ou mais exigentes, mas também condiciona quem escreve: sabemos como um advérbio de modo ou uma firula desnecessária podem atrasar a vida e procuramos o texto enxuto, a frase três-em-um (a que diz no mínimo três coisas com um verbo só) e a concisão.
Sempre achei que o melhor professor de português do Brasil foi o Pelé. Quem o viu jogar ou hoje vê os seus teipes sabe que o Pelé jamais fez uma jogada que não fosse parte de uma progressão para o gol. O sentido de tudo que o Pelé escrevia com a bola no campo era o gol.
O drible espetacular era apenas circunstancialmente, com perdão do longo advérbio, espetacular, porque ele existia em função do objetivo final. A lição para escritores é: defina o seu gol e tente chegar lá como o Pelé chegaria, com poucos, mas definitivos toques, sem nunca deixar que os meios o desviem do fim. E se, no caminho para o gol, você fizer alguma coisa espetacular, esforce-se para dar a impressão de que foi apenas por obrigação.