O espaço no sofá coberto por uniformes do Grêmio Esportivo Brasil é a forma que Aline Lopes encontrou para ocupar o vazio e tentar amenizar a angústia sentida desde que o seu parceiro saiu de casa para acompanhar uma partida de futebol e ainda não voltou. Moradora do bairro Fragata, em Pelotas, ela é esposa de Rai Duarte, torcedor do Brasil-Pel agredido após jogo entre o clube pelotense e o São José, no Estádio Francisco Novelleto, em Porto Alegre, em 1º de maio.
— É o lugar dele. Aqui ele senta, toma a cervejinha e acompanha os jogos. E agora eu coloco as camisetas pois é uma lembrança boa. Quero que ele volte logo para sentar aqui — comentou Aline.
O torcedor está há 41 dias internado no Hospital Cristo Redentor, na Capital, em estado grave, com um ferimento no intestino por conta de pancadas no abdômen. Testemunhas acusam a Brigada Militar de ter praticado o ato de violência. A investigação da Corregedoria-Geral da BM ainda está em andamento, e 11 policiais envolvidos no caso já foram afastados.
Aline está grávida há quatro meses de um menino cujo nome é Hyantony, uma homenagem a um antigo centroavante do Xavante — tamanho é o fanatismo da família pelo clube. O bebê também já ganhou uma roupa personalizada da loja oficial do Brasil. Ao receber GZH em sua casa, ela relatou como tem enfrentado o período.
— Mais de 40 dias longe dele, tendo notícias boas e ruins, ou notícias vagas. Em outra cidade, não temos convicção do que está acontecendo lá. Está sendo muito complicado. (Fico) Sempre na espera do telefonema da mãe dele para saber o que está acontecendo. É um desabafo atrás do outro na espera de notícias. Só o que a gente espera é ele de volta, são e salvo — disse.
Ao lado de Rai há sete anos, Aline iniciou um tratamento em 2019 para conseguir engravidar. Também parceira do servidor público nas arquibancadas, ela deixou de ir aos jogos por se tratar de uma gestação de risco. Ter um filho era um desejo de ambos desde o início do relacionamento. Com o marido internado, o período tem sido de ansiedade.
— Quando aconteceu essa tragédia, eu estava no início da gestação, que é de risco. Eu desenvolvi trauma de ansiedade. Minha mãe praticamente se mudou aqui para casa, pois tenho dificuldade de dormir. Quando minha mãe vai trabalhar, eu desabafo comigo mesma. Sei que tenho que me segurar por conta da gestação. Já fui duas vezes para Porto Alegre, mas é muito difícil. Quando eu entrei no hospital, consegui me acalmar um pouco vendo ele. Mesmo ele ruim, já me tranquilizou um pouco — relatou.
Rai Duarte é acompanhado em Porto Alegre por sua mãe, Marta Cardoso, que alugou um apartamento próximo ao Hospital Cristo Redentor. Clóvis Duarte, pai de Rai, se alterna com a irmã, Savana, na companhia de Marta na Capital. Todos torcem para uma rápida recuperação do torcedor, porém compreendem que é um processo demorado, já que o estado de saúde permanece grave, e o corte no abdômen ainda não foi cicatrizado. Em Pelotas, Aline Lopes é acompanhada dos pais e também fica na expectativa da melhora do quadro do marido.
— Estamos todos contando com a volta dele, vai ser uma festa. É um sentimento de que ele volte para cuidar de mim, do nosso filho e construir uma nova história. O nosso filho vai nascer em novembro, então vai ser um novo Natal e um novo ano — disse Aline.
Enquanto isso, a Corregedoria-Geral da Brigada Militar segue a investigação que apura os responsáveis pelas agressões a Rai Duarte e aos demais torcedores do Brasil-Pel detidos após o jogo contra o São José, pelo Brasileirão Série C. Conforme o Corregedor-Geral Vladimir Rosa, o prazo previsto para a conclusão do inquérito foi estendido dada a complexidade do processo.
— Avançamos significativamente. É difícil trabalhar com prazo, pois é uma investigação que exige muita atenção em todos os detalhes. Mas esperamos logo anunciar um desfecho — afirmou Rosa.