Portugueses que migraram para o Brasil e estabeleceram um novo lar na cidade de São Paulo encontraram no Canindé uma maneira de voltar a suas origens e seguir conectado com seu passado, povo e cultura. O estádio, que completa 50 anos neste domingo (9), serviu não só como um local para receber jogos de futebol, mas para reunir a comunidade lusitana, que buscava na cidade uma nova oportunidade de vida.
Antes de se tornar a casa da Portuguesa, em 1956, o terreno pertencia a uma associação de esportes da comunidade alemã, que vendeu ao São Paulo à época da Segunda Guerra Mundial. O clube tricolor usava o local para treinamento e o terreno foi adquirido pela diretoria rubro-verde. A Portuguesa buscava um lugar para chamar de seu e usou parte do valor da venda de Julinho Botelho no pagamento. Para erguer, também contou com a ajuda de torcedores, que doaram materiais de construção.
— Meu pai, que era dono de um bar, me colocou de sócio em 1963. Eu morava ali na Consolação e, quando fazia jogos no Pacaembu, eu ia aos domingos à tarde com ele. O estádio começou a ser construído em 1968 e a colônia se uniu. Meu pai se reuniu com amigos para trazer sacos de cimento ao estádio toda semana. Era um exército de formiguinhas. Cada um tinha lista de coisas para comprar — conta Artur Cabreira, aposentado, que ocupa o cargo de vice-administrativo e patrimonial da Portuguesa e é colaborador do museu histórico do clube. "Se pudesse, eu moraria aqui", diz Cabreira, que virou amigo do ídolo Ivair e diz cogitar jogar suas cinzas no estádio.
Com o título "Portuguêsa inaugura a certeza de ser grande", o Estadão contava naquele 9 de janeiro de 1972, também um domingo, a história de inauguração do Canindé, na partida contra o Benfica. O jornal dedicou toda a página 52 e detalhou o passo de emancipação do clube. "Mais do que o estádio do Canindé, a Portuguesa inaugura hoje - em partida internacional contra o Benfica - a certeza de que, de agora em diante, o seu time nunca mais viverá a incerteza de ser apenas um quadro intermediário entre os grandes e os pequenos".
Cinquenta anos depois, a situação do Canindé parece um disco - de fado - arranhado, repetitivo. Nos últimos anos, o estádio passou por tentativas fracassadas de leilão, arrastado processo de tombamento e sucessivos aluguéis para eventos como forma importante de geração de renda. A Portuguesa aproveita a área como um trunfo financeiro relevante ao alugar o terreno para vários tipos de evento, sejam shows, festas de carnaval e até festivais de música eletrônica.
Para ajudar o clube a preservar a história do time, da colônia portuguesa e também da cidade, dezenas de torcedores formaram em 2017 o grupo "SOS Canindé", que contribui com doações para reformas no estádio, desde a compra de materiais até pagamento de mão de obra. Os torcedores ajudaram na pintura do estádio, troca de refletores, revitalização do gramado, reforma de banheiro, dentre outras ações.
A vontade de resguardar a história de um símbolo esportivo e cultural da cidade de São Paulo é o que moveu o funcionário público Beto Freire, quando protocolou, há alguns anos, o pedido de tombamento do estádio junto ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp). Até hoje, após longa tramitação, segue sem desfecho.
— O tombamento vai preservar a história de construção do estádio. Estou fazendo por pessoas que não estão mais aqui e para que as gerações futuras conheçam tudo isso. Com o tombamento, dá para trazer investimentos de cultura, além do esporte, melhorar o que tem ali, que já está sendo local para shows e eventos — conta Freire, cujos pais portugueses foram doadores do material para construir o estádio e decidiram morar perto do local para ficarem próximos à comunidade lusitana.
Em 2017, o Nacional Atlético Clube conseguiu o tombamento do estádio Nicolau Alayon, localizado na zona oeste da cidade, cujo terreno era cobiçado por empreiteiras. Mas o presidente da Portuguesa, Antônio Carlos Castanheira, é contrário ao tombamento do Canindé.
— Se você tomba o estádio, impossibilita a modernização. Mas o tombamento não deve acontecer não — diz. Da área de mais de 100 mil metros quadrados do terreno, 45% é da Portuguesa e o restante é cedido pela Prefeitura de São Paulo até o fim de 2092.
PROJETO PARA ARENA MULTIUSO PODE COMEÇAR A SAIR DO PAPEL EM 2022
Já há alguns anos, Castanheira tem em mente o objetivo de modernizar a área, e um projeto imobiliário seria a saída encontrada, mas a pandemia do novo coronavírus atrapalhou diretamente o planejamento. O projeto não representa a venda do Canindé, mas uma incorporação.
A segurança jurídica é tratada como ponto fundamental para evitar bloqueios no caixa e atrair possíveis investidores. Depois de negociar um acordo para dívidas trabalhistas, a diretoria espera esse mês conseguir o mesmo na área cível.
— Já estamos conversando com possíveis investidores para a parte imobiliária e também para o futebol-empresa. A ideia é fazer uma sociedade com o investidor para explorar a atividade econômica na arena e também ao redor dela, como acontece em outros clubes mundo afora, fechando um acordo por 20, 30 ou 40 anos, ainda estamos avaliando o período. É a melhor localização da cidade para uma arena nova multiuso — analisa Castanheira, que acredita na viabilidade econômica do local e diz que só um projeto grande, como a arena, poderá dar ao clube, com cerca de 480 milhões de dívidas, um salto nas receitas.
CELEBRAÇÃO DO ANIVERSÁRIO DE 50 ANOS DO CANINDÉ
A Portuguesa marcou para o dia 15 de janeiro a celebração dos 50 anos do Canindé, com uma partida amistosa contra o Volta Redonda, aberta ao público, que terá apresentação do elenco e dos novos uniformes. O clube também vai promover outras atrações e espera reunir bom público.
A Portuguesa estreia na Série A2 do Paulista no dia 27, às 15 horas, diante do Primavera, em Indaiatuba (SP), em jogo que terá transmissão da HBO Max e pela Paulistão Play, plataforma de streaming da Federação Paulista de Futebol (FPF).