A ausência nos Jogos de Tóquio não alterou o planejamento da Confederação Brasileira de Basketball nem de José Neto. O técnico até colocou o cargo na seleção à disposição da CBB pela frustração por não participar da Olimpíada, mas o plano é muito maior do que os resultados imediatos. Em entrevista exclusiva ao Estadão, ele fala sobre este processo de estruturação do basquete feminino que passa pelas categorias de base, da escola de treinadores e do período de aprendizado na Summer League da NBA.
Você fica até Paris-2024?
O que tenho certo, desde o começo, era para o ciclo de Paris. Tóquio estava muito próximo para se classificar, foi até algo coerente por parte da CBB. A conversa foi no sentido de que era necessária uma reestruturação. Quando voltamos do Pré-Olímpico, por entender esta cultura do esporte, fui conversar com eles, deixei eles à vontade para realizar uma troca. Mas eles foram fiéis naquilo que havíamos acordado, até porque temos um programa para melhorar o basquete feminino, como projetos como o Adelante, alguns outros de capacitação de treinadores. Vamos seguir até Paris e, quem sabe, até depois disso.
Como viu o desempenho da seleção na base? O time Sub-19 perdeu todas no Mundial...
Tenho quase que uma conversa diária com a Paula (vice-presidente da CBB) e Adriana (Santos, gerente da seleção feminina) sobre isso. Ela (Paula) sabe da importância, sabe o que precisa ser feito e tem muita credibilidade. Ela tem voz ativa. O Guy deu carta branca para ela decidir tudo sobre o basquete feminino. O foco principal é a formação. E não falamos apenas na formação da atleta. Temos de pensar na estrutura necessária para formar uma atleta. Isso passa pela qualidade de treino, do treinador. O projeto Adelante é algo concreto, que, na pandemia, foi até positivo para atingir um número maior de pessoas. Não adianta pensar em aumentar o número de praticantes se você não consegue oferecer para esta quantidade um trabalho de qualidade. O Adelante serve para ter esta aplicabilidade. A gente conseguiu envolver, em algum momentos, os profissionais das categorias de base da seleção com o time principal para multiplicar a nossa metodologia de trabalho, estamos vendo eles buscando executar esta metodologia. Mas eu costumo dizer que nós colhemos o que plantamos. A gente ainda está plantando, é muito embrionário, não dá para colher. O que estamos colhendo agora é o que foi plantado antes. Eu entrei em 2019 e apenas em 2020 iniciamos o projeto. O que estamos vendo hoje é o que foi plantado antes. E se nós não estamos vendo nada é porque nada foi plantada. É uma coisa lógica. Essas meninas da seleção sub-19 foram formadas antes deste processo. A campanha no Mundial foi um resquício do que foi feito antes. Ninguém que estava ali era culpado. Não podemos desprezar o trabalho que está sendo feito. Não podemos querer o resultado imediato. Não adianta esperar cinco dias e replantar se a semente não germinou. Caso contrário você vai depender sempre do talento.
Trabalhar também em um clube, você está no Petro de Luanda, em Angola, atrapalha neste processo?
Foi uma situação apresentada pela própria CBB quando sentamos para negociar no primeiro dia. Passa por uma questão financeira, pelo momento da CBB, não tinha como manter um treinador exclusivo, mesmo com o acordo com o Comitê Olímpico (do Brasil). E também para me manter em atividade. Só que, quando comecei, tínhamos quatro competições seguidas e eu fiz uma opção de ficar exclusivo. Eu queria montar toda uma estrutura de trabalho. Aí tivemos esta questão da pandemia, os torneios diminuíram e eu ficaria quase um ano sem uma competição. Entendi que isso não seria bom para mim. E, por isso, peguei esta oportunidade em Angola. Mas continuamos com o trabalho do Adelante, mesmo virtualmente, e com foco nas categorias de base, sempre com reuniões periódicas, fizemos um grupo de estudo. Está tudo bem estruturado.
Como viu o surgimento do Brasileirão feminino da CBB?
A CBB entendeu que precisávamos dar oportunidade para outras equipes jogarem. A Liga de Basquete Feminino é uma parceira da CBB, ajuda muito, mas sabe que precisamos ter mais times em atividade. E não será apenas uma chance para jogar, vamos trabalhar com os treinadores, dar uma visão do que está sendo feito na seleção, oferecer conhecimento. O ideal é ter uma escola de treinadores, mas, sem ela, vamos realizando estas ações.
A escola de treinadores vai sair do papel?
O problema é que quando você cria uma escola não pode fazer qualquer coisa. Existem profissionais da pedagogia atuando na elaboração do conteúdo, nas disciplinas. Não está mais no papel. Está na aplicação para que possamos lançar, e estamos falando de algo que já existe há mais de 40 anos na Argentina. Isso é mais um passo para este desenvolvimento do basquete brasileiro.
Como foi sua experiência na Summer League da NBA?
É um daqueles sonhos que quando acontece você não acredita muito que está vivenciando. Apesar de ter ido lá com o Flamengo, ter feito quatro jogos contra equipes na NBA, é diferente quando você vai para trabalhar, mesmo que seja por um período, dentro da estrutura de uma equipe. Foi uma experiência incrível. Conhecer como é o dia a dia, foi algo que somou muito para eu continuar o meu trabalho seja onde for.
Como foi trabalhar com Tiago Splitter?
Sempre tive um contato na seleção, uma relação treinador com jogador. E posso dizer que nesta primeira oportunidade de trabalhar ao lado dele me surpreendeu muito positivamente. O Tiago tem qualidade para ser um grande treinador. Dentro da estrutura do Brooklyn, ele tem muita moral, credibilidade para trabalhar. E pode, claro, por ser uma experiência nova, aprender, mas, pela bagagem que ele teve na Europa, como jogador, depois na NBA, isso ajuda. A maneira como ele conduz os treinos. Gostei demais.
Foi possível colocar também suas ideias?
Achei que eu seria um convidado, queria iria mais assistir. Mas fui colocado como assistente. Eles têm três linhas de assistentes, os que ficam na primeira fileira, os da segunda e os que ficam mais atrás. Me colocaram na segunda, auxiliando o Tiago, que era o primeiro. Participei efetivamente de tudo, das reuniões, dos treinos, tinha liberdade de falar com os treinadores. Foi muito interessante.
Há uma explicação para esta diminuição no número de brasileiros na NBA? Serão apenas dois na próxima temporada...
A competitividade do mercado internacional aumentou muito. Outros países estão se desenvolvendo. A seleção da Nigéria, por exemplo, quase todos os jogadores são da NBA. Os europeus também ampliaram esta competitividade, saindo da Euroliga para jogar na NBA, o que acaba por diminuir o espaço para os brasileiros. É algo natural.