Copamos. Tomamos conta da América do Sul libertada por Simón Bolívar, Artigas e San Martín. O futebol, nessa porção sul do continente, fala português. E falará por um bom tempo, podem apostar. As iminentes finais verde-amarelas nas Copas Libertadores e Sul-Americana só demonstram o quanto o Brasil descolou, no futebol, da turma.
Nem mesmo Boca e River, que eram vistos como fantasmas e nos amedrontavam, aparecem no horizonte. A Libertadores, principalmente, está virando um Brasileirão em que é preciso usar passaporte. A tendência, muito forte, aliás, é de que tenhamos nove clubes na edição 2022. Nove de 47 clubes. Ou seja, o equivalente a quase 20% dos participantes.
Isso, em um olhar rápido, parece sinal de pujança. Mas, na verdade, esconde uma armadilha para o nosso futebol. Porque o mesmo abismo que temos em relação aos rivais sul-americanos se reproduz aqui no cenário nacional, com descolamento de clubes como Flamengo, Atlético-MG e, mais atrás, o Palmeiras. Se não agirmos, pagaremos um preço bem alto.
Há dois caminhos para se buscar um equilíbrio maior. O primeiro seria o da adoção de um fair play financeiro para ontem, com regras rígidas que norteiem a reestruturação dos clubes. O outro é de negociar de forma coletiva o próximo contrato de direitos de transmissão. Ele passa a vigorar em 2024, mas as negociações começam agora, faltando três anos para o fim do atual acordo.
Com a sanção da Lei do Mandante, a negociação para o novo ciclo indicará que caminho daremos para o nosso futebol: se caminharemos para a espanholização, que até 2015 concentrava receitas de TV em Barça e Real, ou se adotaremos o modelo atual, com distribuição mais justa e aposta no fortalecimento de todos para dar ganho ao espetáculo.
Não é casual a presença do Flamengo entre os quatro da Libertadores, da Copa do Brasil e do Brasileirão. Os mais ricos sempre estarão nas melhores posições. Vale para a vida, vale para o futebol. O Flamengo trabalhou para chegar a esse patamar. Construiu seu caminho a partir de uma guinada em sua gestão, em 2013. Não se trata aqui de querer tirar receita dos cariocas. Nada disso, a riqueza deles é fruto do suor do passado.
O que se pede é um trabalho conjunto para que os outros possam se aproximar desse Flamengo. O Atlético-MG se aproximou, mas com a conta inflada por dinheiro de investidores. O que só mostra o quanto é desregrado nosso sistema. Um fair play financeiro, por exemplo, impediria isso. Há limitação para a entrada de receita externa. Assim como há punições para quem não segue as regras de governança ou deixa de sinalizar disposição de pagar as dívidas. Virou comum no Brasil gastar para montar time enquanto os débitos crescem como bola de neve e os boletos ficam na gaveta para a próxima gestão.
A Espanha pode ser o modelo a ser seguido. Primeiro, pelo fair play financeiro preventivo da La Liga. É feito um cálculo em cima das receitas do clube e do potencial econômico dele e traçado um limite para gastos com a folha salarial. É proibido ultrapassá-lo. Mesmo. Nem Messi e Barcelona tiveram tratamento de exceção.
Depois, pela forma como os clubes, por lei, passaram a negociar de forma coletiva os direitos de transmissão, com uma divisão mais igualitária. Não é de graça que, nesta temporada, temos La Liga com um começo imprevisível e equilibrado. Bem diferente do que projetamos quando se iniciaram o Brasileirão e a Libertadores.