Como jogador, Cuca não fazia o tipo que você via no campo e dizia: vai virar treinador. Era intenso, tinha movimentação e boa técnica, mas não um pensador do meio-campo. Mas ao olhar para sua trajetória, dias depois de ser protagonista da eliminação do Grêmio na Libertadores com seu Santos organizado e valente, vale um olhar retrospectivo pontuando sua carreira.
Até ser campeão pela primeira vez, já na segunda metade dos anos 2000, Cuca viveu dias amargos. Quando seu time era finalista, não passava disso. Cuca esteve ameaçado de ter colado às costas o rótulo de perdedor. Memórias marcadas a fogo na alma, a ponto de dizer "não vou morrer sem ser campeão pelo Botafogo", onde foi dois anos vice-campeão carioca com times vistosos e, ainda assim, perdedores. Hoje, diante da crise infinita do clube carioca, a frase parece uma ameaça à sua saúde. Seu primeiro título viria em 2009, um campeonato carioca ganho nos pênaltis pelo Flamengo sobre o Botafogo. Porém, reportagem da Agência O Globo à época dava conta de uma péssima relação de Cuca com boa parte do elenco, o que levaria à sua demissão no mesmo ano. No texto, há o relato de um diálogo constrangedor atribuído a Cuca e Ronaldo Angelim. O treinador teria dito ao zagueiro sobre o centroavante Obina: "esta barriga não é só de quem come muito. É cachaça". Angelim teria respondido apenas "o Obina não bebe".
Antes de ser campeão estadual, sua carreira somava desempenhos com cara de milagre que evitaram, por exemplo, o rebaixamento do Goiás em 2003. Cuca assumiu com o time na lanterna e fez um segundo turno com aproveitamento de campeão. A estratégia utilizada, segundo Cuca declarou à época, tinha origem inusitada no mundo animal. "Quando estamos com a bola, ficamos igual a um avestruz quando abre as asas, leve. Isso porque ele não tem pena e sim pluma, e tenta abranger os espaços. Quando perdemos a bola, ficamos do mesmo jeito quando o bicho fecha as asas se protegendo". O trabalho extraordinário o levou ao São Paulo, onde parou nas semifinais da Libertadores de 2004. Cuca, explosivo, se demitiu após uma derrota no Brasileirão. Discutiu com o goleiro Rogério Ceni no vestiário. Anos depois, se disse arrependido da saída intempestiva. Ainda naquele ano, teve triste passagem pelo Grêmio tentando evitar o inevitável. Saiu antes de o rebaixamento se consumar. Foi o primeiro a utilizar Anderson entre os profissionais, a quem teria chamado de maluco por andar falando em dois celulares ao mesmo tempo.
Em 2009, depois daquela saída ruim do Flamengo, foi chamado pelo Fluminense para um milagre. Substituiu Renato Portaluppi para cumprir a quase impossível missão de evitar a queda. A matemática dava 99 por cento de chances de ser rebaixado. Nos últimos 11 jogos daquele campeonato, o Fluminense venceu oito e empatou três. Ao explicar como conseguiu a proeza, o técnico afirmou que convenceu os jogadores a acreditarem no um por cento de chance que tinham de escapar da degola. Em 2020, onze anos depois, recebeu da torcida organizada Força-Flu uma bandeira com sua foto estampada em reconhecimento. No entanto, a rejeição de outra torcida, a do Inter, fez os dirigentes colorados voltarem atrás no acerto verbal que tinham com Cuca em 2011 quando Falcão foi demitido.
No Atlético-MG, Cuca viveu o auge da carreira sendo campeão da Libertadores de 2013. Era um renascimento fulgurante nascido de uma iniciativa do treinador. Quando viu no SporTV que Ronaldinho saía do Flamengo, pediu ao presidente Alexandre Kalil que contratasse o gaúcho. Cuca fez uma reunião com o grupo atleticano clamando que todos acolhessem o novo reforço. Solicitou também outro renegado, Jô, atacante que não deu certo no Inter. A direção entregou a Cuca Diego Tardelli. Cuca transformou Bernard de lateral-esquerda em atacante. Com este quarteto final, instituiu o que chamou de bagunça organizada. E conquistou a América.
No Palmeiras, em 2016, foi campeão brasileiro e viveu confronto com Dudu. Ao colocá-lo no banco, recebeu a visita do jogador em sua sala. Cuca relatou que Dudu se emocionou durante a conversa e disse: você ainda vai me chamar na sua sala para me elogiar. "Tomara", respondeu o treinador. Quando voltou ao time, mexido e desafiado, Dudu virou líder e destaque do time. Comentaristas do centro do país chamaram seu modelo tático de Cucabol. Uma de suas jogadas ofensivas era uma cobrança de lateral direto para a área.
A maturidade profissional parece ter chegado em 2020. O que Cuca faz com o Santos nesta temporada é impressionante. O protagonista Marinho deu entrevista dizendo que, para os jogadores, Cuca é o presidente do Santos. Com salários atrasados e presidente deposto, o elenco viu no treinador alguém com quem contar para um futuro melhor. Cuca retribuiu a confiança do seu grupo com uma lealdade canina. Após eliminar o Grêmio, quarta-feira passada, lamentou na entrevista a goleada a que teve que submeter os garotos que está lançando.
Para ter o time titular a pleno na Vila Belmiro, Cuca foi ao Maracanã com os reservas e levou 4x1, o mesmo placar com o qual se classificou para as semifinais da Libertadores. Sua estratégia no confronto foi definitiva para que o time menos qualificado superasse o favorito. Nesta temporada, Cuca superou o coronavírus. Dois anos atrás, teve que deixar o Santos para operar o coração. Em agosto, voltou ao clube para substituir o português Jesualdo Ferreira. Em seu quinto mês de trabalho, está nas semifinais da Libertadores. Cuca pode ser eventualmente folclórico com suas camisetas de imagens religiosas e as medalhinhas beijadas nas horas difíceis de cada jogo. Mas, acima de tudo, é um técnico muito competente.