O goleador do Brasileirão não é centroavante de origem. O vice, tampouco. No Gauchão, idem. Até na Seleção o comandante de ataque atual começou a vida como volante. As buscas recentes da dupla Gre-Nal para a posição, o Inter adaptando Abel Hernández e o Grêmio disposto a pagar milhões para Cavani, escancaram: centroavante é artigo raro no mercado.
Antes de tudo, é preciso deixar claro que não se trata apenas de centroavante como foram Jardel e Leandro Damião, para ficar em jogadores de grande sucesso no Rio Grande do Sul. Vamos além daquele estilo de jogadores que se consolidou no imaginário popular, paradão na área, cabeceador, pivô e oportunista. Falamos, aqui, de fazedor de gols mesmo. Como é Gabigol. Ou alguém se atreve a dizer que o maior artilheiro do país não é centroavante?
Mas até isso é artigo raro. Não falta talento ao Brasil nas outras posições. Neymar, o maior deles, passou Ronaldo Fenômeno (camisa 9 de carteirinha) na artilharia com a camisa canarinho. Faltam 13 para superar o Rei Pelé.
Coutinho, Everton Cebolinha, Richarlison são atacantes que conquistaram a Europa, mas nenhum é centroavante. Entre os principais times do mundo, o Brasil só tem dois centroavantes: Gabriel Jesus, no Manchester City, e Firmino, no Liverpool.
O segundo, titular da Seleção, começou a vida como segundo homem de meio-campo no Figueirense e foi adaptado na função por Jurgen Klopp. Na ausência de Jesus, Tite se viu obrigado a chamar Matheus Cunha, ainda promessa da base, que atua no Hertha Berlim, clube periférico da Alemanha.
As listas de convocações das últimas competições de base ilustram a nova realidade. Da Copa de 1974 em diante, o Brasil enfileirou centroavantes incontestáveis: Roberto Dinamite, Reinaldo, Serginho, Careca, Romário, Ronaldo, Adriano. Além deles, é possível citar Dadá Maravilha, Nunes, Túlio, Luís Fabiano, Fred. Mas na última década, há uma queda na oferta. E existem explicações.
Uma delas vem da base. Clubes precisam formar e vender jogadores para sobreviver, e as mudanças no estilo europeu apontaram para outras necessidades. As posições mais "pedidas" pelos maiores mercados nos últimos anos foram zagueiro (de preferência canhoto), volante que saiba marcar e construir e extremas velozes e físicos.
Isso já causou reflexo no país, basta ver a nominata de brasileiros nos maiores times do mundo. Grosso modo: quando aparece um guri talentoso, mesmo que jogue em outra posição, é adaptado a aprender a função mais necessitada.
— O centroavante não precisa ser bom, precisa ser centroavante. E isso não é só uma questão de técnica. Envolve também inteligência e maturação. Então às vezes nos perguntamos onde está o cara que foi goleador na base, por que não vinga no profissional e quando vamos observar, ele se destacava quando tinha 15, 17 anos porque ganhava na força. Quando chegava no sub-20, já não tinha tanta vantagem. Quando subia para o profissional, acabava se não tinha o cognitivo bom — aponta o scout Matheus Rosa, especialista em análise de mercado.
A observação é corroborada pelo coordenador da categoria de base do Inter, Erasmo Damiani. Ele aponta que a profissão centroavante sofreu mudanças ao longo do tempo. O jogador alto com bom cabeceio foi dando lugar a um atleta com mais mobilidade, que saiba sair da área, tabelar e recompor.
— Isso exige experiência, maturação. Um centroavante demora mais do que outros atletas para estar pronto — completa.
O coordenador da base gremista, Francesco Barletta, também relaciona a maturidade ao desempenho dos centroavantes, o que ajuda a explicar porque os goleadores são mais veteranos:
— É uma posição semelhante à de goleiro nesse ponto. Precisa ter certeza para escalar. Nesse ponto, o menino da base é uma aposta. E nem sempre é possível esperar.
Entre os principais times brasileiros, o cenário de centroavantes mostra apenas o Flamengo como, de fato, bem servido. Além de Gabigol, o técnico Domenéc Torrent conta também com Pedro, apontado como uma das principais apostas para o futuro da posição no país. No Atlético-MG, líder, Jorge Sampaoli adaptou Sasha, ponteiro de origem. No Inter, Galhardo era camisa 8 no Vasco dois anos atrás. No Grêmio, Diego Souza começou a carreira como volante.
Por tudo isso, as buscas mais recentes já apontam para a necessidade de formar centroavante. Mesmo que seja uma posição que exija paciência de formadores e candidatos à vaga. É uma função em que o menino participa pouco, apanha muito e precisa aproveitar as oportunidades. A boa notícia é que a iminência de Lewandowski ser eleito o melhor jogador do mundo e o cenário recente mundial, de carência de nomes, aumente a oferta e o aprimoramento de guris.
Entrevista
Roberto Dinamite: "Guerrero é o modelo a ser seguido"
Como vê o cenário atual dos centroavantes no Brasil?
O Brasil tem bons jogadores, mas realmente falta gente para essa função. Nossa maior grife, Gabriel Jesus, não é aquele centroavante-centroavante, começou pelo lado. Veja aí pelo Sul: Grêmio e Inter sempre tiveram essa característica, de contar com um grande centroavante, e agora o Grêmio tem Diego Souza, que foi volante, meia e foi adaptado na frente. O futebol atual fala muito em movimentação, participação. Mas pouco em fazer gols.
A que se deve essa mudança?
A falta de ponteiros prejudicou o centroavante. Antes tínhamos dois pontas e pelo menos um lateral que sabiam cruzar. Eles tinham que olhar para o centroavante sempre. Copiamos o que está lá fora, e uma dela foi inverter os ponteiros, colocar destros na esquerda e canhotos na direita. Acabaram os cruzamentos.
Qual deve ser a principal virtude do centroavante, além de fazer gols?
A colocação. Não precisa ser trombador, cabeceador. Saber se posicionar na área é fundamental.
Que centroavante deve servir como modelo para o futuro?
Guerrero é o modelo a ser seguido. Ele reúne técnica apurada e posicionamento. Sabe receber o balão, tabelar, fazer pivô e é centroavante, faz muito gol. Quando ele está bem, o resto do time cresce.
Artilheiros do Brasileirão nos pontos corridos
- 2019 - Gabriel Barbosa (Flamengo) - 25 gols
- 2018 - Gabriel Barbosa (Santos) - 18 gols
- 2017 - Jô (Corinthians) e Henrique Dourado (Fluminense) - 18 gols
- 2016 - Fred (Fluminense/Atlético-MG), Pottker (Ponte Preta) e Diego Souza (Sport) - 14 gols
- 2015 - Ricardo Oliveira (Santos) - 20 gols
- 2014 - Fred (Fluminense) - 18 gols
- 2013 - Ederson (Athletico-PR) - 21 gols
- 2012 - Fred (Fluminense) - 20 gols
- 2011 - Borges (Santos) - 23 gols
- 2010 - Jonas (Grêmio) - 23 gols
- 2009 - Adriano (Flamengo) e Diego Tardelli (Atlético-MG) - 19 gols
- 2008 - Washington (Fluminense), Keirrison (Coritiba) e Kléber Pereira (Santos) - 21 gols
- 2007 - Josiel (Paraná) - 20 gols
- 2006 - Souza (Goiás) - 17 gols
- 2005 - Romário (Vasco) - 22 gols
- 2004 - Washington (Athletico-PR) - 34 gols
- 2003 - Dimba (Goiás) - 31 gols
Total: 23 artilheiros (21 centroavantes - Jonas e Ederson, as exceções)
Camisas 9 da Seleção de Base*
2011
- Sub-20 - Henrique Almeida (São Paulo)
- Sub-17 - Lucas Piazon (Chelsea)
2012
- Sub-20 - Bruno Mendes (Botafogo)
- Sub-17 - Joelinton (Sport)
2013
- Sub-20 - Kenedy (Fluminense)
- Sub-17 - Gabigol (Santos)
2014
- Sub-20 - Thalles (Vasco)
- Sub-17 - Loran (Fluminense)
2015
- Sub-20 - Gabigol (Santos) / Gabriel Jesus (Palmeiras)
- Sub-17 - Luis Henrique (Botafogo)
2016
- Sub-20 - Felipe Vizeu (Flamengo)
- Sub-17 - Lincoln (Flamengo)
2017
- Sub-20 - Felipe Vizeu (Flamengo)
- Sub-17 - Lincoln (Flamengo)
2018
- Sub-20 - Lincoln (Flamengo) / Papagaio (Palmeiras)
- Sub-17 - Kaio Jorge (Santos)
2019
- Sub-20 - Yuri Alberto (Santos)
- Sub-17 - Kaio Jorge (Santos)
2020
- Sub-20 - Matheus Cunha (RB Leipzig)
- Sub-17 - Matheus Nascimento (Botafogo)
*Jogadores que vêm ou vinham sendo convocados e utilizados nos torneios de base, bem como em jogos-treino das seleções
Produções da Dupla
GRÊMIO
- - Yuri Mamute (2011)
- - Everaldo (2011)
- - Wesley (2012)
- - Lucas Coelho (2013)
- - Nicolas Careca (2014)
- - Ronan (2014)
- - Luan Vaian (2016)
- - Da Silva (2019)
- - Fabrício (2020)
INTER
- - Giovani (2011)
- - Maurides (2012)
- - Bruno Gomes (2014)
- - Bruno Baio (2016)
- - Brenner (2016)
- - Joanderson (2017)
- - Pedro Lucas (2018)
- - Caio Vidal (2020)
*Jogadores que, no mínimo, foram integrados no grupo profissional para treinamentos ou partidas, além de atletas que despertam curiosidade, como o Caio Vidal, campeão da Copa SP em 2020