Enquanto o cenário brasileiro apresenta alta vertiginosa de casos de covid-19, a relativa estabilidade da curva gaúcha de contagiados permite que a discussão sobre a volta do futebol não seja considerada absurda. Que fique claro: não se está falando de jogos com público, cobertura e festa imediatamente. A ideia é montar um plano de retomada do esporte de maneira gradual e segura, adotando os melhores exemplos de países que já reiniciaram ou estão em vias de reabrir seus campeonatos. Para isso, o Gauchão pode viver situações especiais, como a finalização em um número menor de sedes e até submeter aos envolvidos um período de "confinamento".
Até o momento, a cartilha seguida no Rio Grande do Sul é semelhante aos principais modelos do Ocidente. No Brasil, ainda que a realidade esteja longe de países como a Alemanha, o futebol é visto como estratégico para um retorno à normalidade, seja como profissão para quem atua nele como para entretenimento da população.
— Estamos totalmente prontos para voltar com a maior segurança dentro da sua atividade aqui no país. Quando o futebol fala, todo mundo escuta — declarou o diretor médico da CBF, Jorge Pagura.
O que é o jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
O RS, capitaneado por Grêmio e Inter, puxou a fila. Com cuidados especiais, testagem, exames médicos e distanciamento, os clubes da Capital (o São José também voltou às atividades) começaram a fase 1 do retorno, com treinos individuais, conforme decreto do governo do Estado. Outros clubes poderiam fazê-lo, mas sem ter como bancar salários sem jogos, precisaram dispensar jogadores. Assim, aguardam uma data – prevista para início de agosto – para fazer novos contratos e montar treinos.
A fase 2 será colocar os atletas em grupos menores, aumentando-os conforme a situação de cada cidade. Quando houver segurança, passa-se a treinos coletivos e, por fim, a jogos. Exatamente como vêm fazendo Itália, Portugal e Espanha. Eles também seguiram o protocolo alemão. É ele que deve ser copiado, dentro do possível, no Estado. Única das principais ligas europeias a ter jogos, a Bundesliga apresenta as melhores alternativas para o máximo de segurança possível no esporte – e que poderiam ser replicadas por aqui.
Isso seria possível porque o Gauchão precisa de poucos jogos e pouco tempo para definir seu destino. Oito ou nove times terão encerrado suas participações em sete dias. Faltam três rodadas para o fim da fase de grupos, o que pode ser disputado em domingo, quarta e domingo. Quatro (se um deles for o Caxias) ou cinco (se não for) ainda seguirão vivos, e os demais poderão repensar seus planos para o que restar do ano e para 2021.
Dado esse cenário, a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) montará seu plano, ainda em fase de elaboração. Segundo o presidente Luciano Hocsman, o momento é de acompanhar a evolução da doença. Mas alguns pontos já estão certos. O mais importante diz respeito à testagem: é certo que os atletas passarão por duas baterias de exames antes dos jogos. Uma a critério dos clubes – pode ser quando retomarem os treinos, por exemplo –, e outra agendada pela FGF, que ocorrerá 72 horas antes da partida.
Para isso, a entidade fechou parceria com o laboratório Qualitá, que providenciará cem testes para cada clube. Metade deles será feita antes da partida. Por ser do método PCR, considerado o mais preciso, necessita de 24 horas para apresentar resultado. A partir do aval para todos os atletas, será colocada em prática a segunda parte da operação, a mais complexa.
O ideal, dado que faltam poucos jogos, seria confinar os participantes durante todo o período da competição (algo como nove dias). Muitos clubes têm parceria com hotéis ou alojamentos. Para a viabilidade econômica, poderia ocorrer uma negociação como aumento de visibilidade ou desconto. Porém, para que haja jogos, será necessário que a bandeira da cidade em questão seja amarela, dentro da estratégia estadual de combate ao vírus. Por isso, não está descartado que algumas partidas precisem ser realizadas em outros estádios. Nem mesmo regionalizar o campeonato está descartado.
Se, no momento de retomada dos jogos, houver tendência de liberação, a Região Metropolitana e a Serra, por exemplo, poderiam servir como “sedes”. São pontos do Estado com oito estádios do Gauchão e oferta na rede hoteleira, com redes que têm parceria com a FGF. Como não haverá torcida e são lugares com mais efetivos de segurança, poderiam ser usados para concluir o campeonato. A medida, que inicialmente encontrou resistência por parte dos clubes, deixou de ser criticada após a decisão que excluiu o rebaixamento.
— Não descartamos nada. Por enquanto, estamos avaliando os cenários. Precisamos montar o melhor sistema possível, que seja viável, em acordo com as normas e que não onere os clubes — comenta Luciano Hocsman.
Se todas as pontas forem aparadas, o passo do jogo será implantado. E ele é semelhante ao alemão. Haverá redução no número de participantes do campo (jogadores, gandulas, segurança, imprensa). Em estádios maiores, o número será em torno de cem. Nos menores, haverá redução proporcional ao seu tamanho.
Jogadores terão temperatura aferida ao entrar no estádio e não deverão usar vestiários. As demais medidas, ainda que simbólicas, também serão copiadas: evitar abraços na hora do gol, não cuspir ou assoar o nariz, manter distância entre reservas (que usarão máscaras) no banco. Será uma versão adaptada da Europa. Isso, é claro, se a situação sanitária permitir.
Medidas adotadas nos outros países
Testagem constante nos clubes
Somente para a realização das primeiras rodadas, a federação sul-coreana adquiriu e aplicou 1,1 mil exames de covid-19. Na Liga de Futebol Alemã (DFL), foram 1,7 mil testes.
Quarentena antes dos jogos
Na Alemanha, as equipes entraram em quarentena ainda na segunda-feira para os jogos da primeira rodada, permanecendo a semana concentradas em hotéis. Depois, as concentrações passaram a ser menores – 48 horas antes do jogo. Os protocolos italiano e espanhol preveem ação semelhante.
Controle sanitário nos estádios
Além dos jogadores e comissões técnicas, o dia do jogo também trouxe mais cuidados sanitários com todos os demais envolvidos, da organização à imprensa. Para ingressar no estádio, todas as pessoas têm suas temperaturas corporais aferidas. Também é exigido o uso de máscaras, até mesmo os titulares, que só retiraram o utensílio na hora de entrar no campo. No banco de reservas, os atletas devem se manter mascarados, obedecendo 1m50cm de distância entre eles. Em alguns casos, inclusive, jogadores tiveram de sentar na primeira fileira da arquibancada.
Credenciamento reduzido
A ausência de torcedores nas arquibancadas foi um consenso em praticamente todo o mundo. Porém, os alemães ainda reduziram drasticamente o número de pessoas envolvidas em cada partida. As normas da Bundesliga estabelecem que, no máximo, 98 pessoas sejam credenciadas para circular na área do gramado. Além deles, outras 118 pessoas podem ingressar no estádio, incluindo seguranças e funcionários da empresa de televisão que detém os direitos de transmissão do campeonato.
Gols sem abraços
As federações orientam os atletas a não se abraçarem na comemoração dos gols. A ação é mais simbólica do que prática, já que constantemente existe contato entre os atletas.