Diretor de Direitos Esportivos do Grupo Globo, Fernando Manuel Pinto é o entrevistado desta quinta-feira da série Futebol do Futuro, que debate cenários para o pós-pandemia.
Com a experiência de atuar numa área fundamental do esporte — a que trata dos diretos de transmissão —, Fernando Manuel conta como a suspensão dos campeonatos tem impactado a relação da empresa com os clubes, elogia Grêmio e Inter e avalia possíveis mudanças quando a bola voltar a rolar no Brasil.
Como a Globo acompanha os debates sobre a volta do futebol no país?
É lógico que a gente quer, deseja e acredita na volta do futebol. E de todas as atividades. Estamos passando por um período muito complexo, de dificuldades inéditas. Temos de acreditar e trabalhar pelo retorno. Quanto ao retorno pleno do futebol, de todas as competições, isso é um grande desafio. O futebol, mais do que a Globo, tem trabalhado para isso. Em circunstâncias como essas, é natural que algum sacrifício ocorra. Sacrifício de algo em benefício da preservação de outra porção do calendário, o que seja mais relevante. É um tema tão complexo, e estamos percebendo o mundo do futebol tão engajado nesta discussão, que a postura de um parceiro comercial como a Globo é de aguardar qualquer tipo de desdobramento.
Quanto ao retorno pleno do futebol, de todas as competições, isso é um grande desafio. O futebol, mais do que a Globo, tem trabalhado para isso. Em circunstâncias como essas, é natural que algum sacrifício ocorra. Sacrifício de algo em benefício da preservação de outra porção do calendário, o que seja mais relevante
FERNANDO MANUEL PINTO
Diretor de Direitos Esportivos do Grupo Globo
A Globo traça cenários e apresenta sugestões de fórmulas?
Temos avaliado cenários como qualquer entidade. Mas é um tema que está sob administração, avaliação e definição das autoridades, da CBF e dos clubes. Vejo esforço grande em uma retomada. E tem de se lidar com as restrições e orientações das autoridades, do poder público. Mal comparando, seria a situação de uma pessoa que sofreu um acidente, parou de andar e idealiza: quero voltar a andar. E está certo, o futebol deve querer voltar a andar. Não só por questão financeira, mas pela sobrevivência da atividade. Agora, voltar a andar, no caso de alguém que sofreu um acidente, ou voltar a jogar futebol, no caso dos clubes, federações e CBF, não ocorre imediatamente. Creio que seja passo a passo. É importante a verificação se o passo está na direção certa, porque estamos lidando com algo inédito, com uma série de pontos de interrogação sobre riscos e possibilidades de retorno no curto e médio prazos. Sendo bem pragmático, acho natural que haja um esforço pela volta, mas acompanhado de cautela. Acima do futebol, está a saúde das pessoas envolvidas na disputa, do público e também a mensagem que tudo isso vai passar para a sociedade.
Acima do futebol, está a saúde das pessoas envolvidas na disputa, do público e também a mensagem que tudo isso vai passar para a sociedade
FERNANDO MANUEL PINTO
Diretor de Direitos Esportivos do Grupo Globo
Os jogos com portões fechados serão um produto atrativo para o público?
É natural que o planejamento seja desta forma. Os movimentos feitos na Europa e em outros lugares estão caminhando nesta direção. Acho que é um efeito colateral ruim. Mas se for inevitável... Costumo dizer que temos de colocar na balança. Neste caso, o conflito é jogo sem público ou não ter jogo. É preferível ter jogos sem público. É longe do ideal, o público faz parte do espetáculo. No nosso futebol, é dos elementos mais encantadores que temos.
É hora de rever os campeonatos Estaduais?
Realmente vejo um valor e um peso enorme nas competições nacionais como as únicas que podem de fato envolver as atenções do público brasileiro. Mas é inegável que os Estaduais têm seu espaço, tanto é que residem no calendário por tantos anos e produzem grandes espetáculos. Acho que a pandemia atinge os Estaduais da mesma forma que atinge todos os demais produtos. E acho natural que o retorno, para evitar deslocamentos, os Estaduais tenham situação melhor. Por outro lado, me preocupa a situação dos clubes menores, diante de uma postergação de quando os campeonatos acabariam, já que sabemos que muitos organizam orçamento e elenco para um período específico. Temos de compreender, quando os campeonatos voltarem, de que forma podemos colaborar na Globo.
A negociação com os clubes sobre as mudanças nos pagamentos de cotas durante o período da pandemia foi concluída?
Houve um acordo com um replanejamento de datas de pagamento considerando a ausência do calendário durante alguns meses. É uma reprogramação de pagamentos. A verdade é que os negócios em volta do futebol dependem dos campeonatos e da capacidade de você comercializar e desenvolver receitas a partir do esporte.
O acordo foi sobre os 40% que os clubes ganham de forma fixa?
Exato. A parcela conhecida e já devida. A parcela igualitária do Brasileirão, em um esforço feito pela Globo a pedido dos clubes, é quitada em pagamentos mensais desde janeiro. Então a Globo já estava pagando. O que ocorre é que foi feito o replanejamento no valor das parcelas durante um período, ajustando na sequência para recompor o saldo. Mas, novamente, tudo diante do quadro visível hoje, da paralisação das competições.
Os negócios em volta do futebol dependem dos campeonatos e da capacidade de você comercializar e desenvolver receitas a partir do esporte
FERNANDO MANUEL PINTO
Diretor de Direitos Esportivos do Grupo Globo
Se o futebol demorar para voltar, uma nova negociação será feita, assim como os clubes renegociam salários de jogadores?
É correto este paralelo. Além disso, não apenas nos negócios de mídia do futebol, mas a própria relação com outros parceiros depende de como o futebol vai voltar. Enfim, muitas interrogações.
As receitas de publicidade da Globo foram afetadas?
Pela minha posição, eu não tenho um ângulo tão próximo das linhas de geração de receita. Mas o que posso dizer é que a Globo, como qualquer empresa dentro do mundo, tem avaliado e trabalhado com os efeitos dos danos nos negócios que a situação acaba gerando. A sociedade como um todo foi paralisada. Temos impacto de oferta e de demanda.
O contrato com os clubes do Campeonato Brasileiro vai até 2024. De maneira geral, existe uma preocupação de todos com as reduções de valores nos próximos contratos. Pelo fato de ter um bom tempo até lá, é possível acreditar que os clubes não terão problemas?
Acordos são renovados ou renegociados quando há iniciativa de uma das partes, ou um impulso de mercado. Assim ocorreu da última vez, em 2016, mirando um ciclo que começaria em 2019. Então, eu creio que seja algo mais aberto do que tendo uma resposta específica. Para renovar um contrato, basta ter um contrato existente e ter a iniciativa. Claro que é prematuro agora falar em renovação. Tem muita água para passar. Ainda vamos precisar entender muita coisa sobre os efeitos de todas as relações comerciais.
Como a pandemia poderá impactar no financiamento do futebol profissional? Este modelo de dependência de cotas de TV poderá sofrer algum tipo de alteração?
Logo que iniciei a trabalhar com esta missão junto aos clubes brasileiros, esta pergunta foi feita em um painel que participei. Eu disse que, toda vez que uma receita está muito concentrada em uma única linha, em um único setor, isto é um sinal de atenção. Creio que os clubes estão trabalhando muito nos últimos anos para diversificar ao máximo suas receitas. Não é um problema gerado pela contratação de direitos. É muito mais da gestão dos clubes de ativar cada vez mais outras linhas. Grêmio e Inter estão trabalhando muito bem a melhor ocupação do estádio, os patrocínios. Este é um processo de evolução.
A mudança do calendário do futebol brasileiro poderia ser avaliada neste momento?
Difícil opinar. Eu prefiro adotar o seguinte conceito: antes de um produto mídia, as competições esportivas devem ser grandes eventos esportivos. Eu acho que calendário é acima de tudo um item, uma determinação do próprio esporte. Cabe ao parceiro comercial dar a resposta comercial adequada diante do que se apresentar.
Os clubes estão trabalhando muito nos últimos anos para diversificar ao máximo suas receitas. Não é um problema gerado pela contratação de direitos. É muito mais da gestão dos clubes de ativar cada vez mais outras linhas. Grêmio e Inter estão trabalhando muito bem a melhor ocupação do estádio, os patrocínios
FERNANDO MANUEL PINTO
Diretor de Direitos Esportivos do Grupo Globo
O contrato entre Inter e Turner pode ser rompido. Já existe algum tipo de conversa entre Globo e Inter?
O Inter tem contrato com a Turner. Creio que seja o primeiro passo a ser decidido. Com o Inter, temos relação excelente, um diálogo franco, a administração é muito competente e somos próximos em debates e ideias. Tivemos a felicidade, no caso do Inter, diferentemente dos outros clubes que fecharam acordo com a Turner em 2016, de encontrar caminhos. O Inter já tem acordo com a Globo em todas as mídias a partir de 2021. Sobre 2020, eu tenho acompanhado as notícias, e está sob discussão com um terceiro. Então nem me cabe comentar isso neste momento.
A transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro para o Exterior é algo positivo, mesmo com os baixos valores que os clubes receberão?
Esta tentativa de diálogo dos clubes é importante. Este é um exemplo, com o processo de venda dos direitos para o Exterior. Torço para que os clubes colham frutos disso, acredito até mais do que o benefício financeiro, eles precisam experimentar os benefícios e as dificuldades de se montar uma agenda coletiva.