Em algum momento da história, o Rio Grande do Sul desceu do trem que carrega os esportes menos midiáticos do que o futebol no país e não conseguiu mais subir a bordo. Justamente quando, no Brasil como um todo, houve um crescimento de outras modalidades. Os gaúchos, outrora campeões de basquete e vôlei e líderes do ranking brasileiro no tênis, contentam-se, apenas, com títulos grandes no futsal. Outros esportes, como judô, atletismo e natação, também alcançam bons resultados, dentro das filosofias dos principais clubes.
Onde foram parar os outros esportes no Estado?
Para responder a essa pergunta, GaúchaZH inicia uma série em quatro capítulos, cada um dedicado a uma modalidade. Na esteira dos 25 anos do título nacional do Corinthians, de Santa Cruz do Sul, começamos com o basquete, modalidade que não tem gaúchos presentes na elite nacional. A segunda reportagem, no próximo final de semana, será dedicada ao vôlei. A terceira, ao tênis. A quarta e última voltará aos olhos para a modalidade que dá certo: como o futsal fez para se manter tantos anos no topo? Por outro lado, por que não há representantes de Porto Alegre no esporte.
Basquete vive presente sem brilho
Quando Alvin enterrou a bola na cesta, completando a ponte aérea erguida por Brent, nos momentos finais da quinta partida da decisão da Liga Nacional de 1994, parecia que o Rio Grande do Sul se consolidaria como um polo de basquete. A cena simbolizou a virada do Pitt/Corinthians sobre o Sabesp, de Franca, no jogo derradeiro do campeonato, no Tesourinha completamente tomado. Dali até o encerramento, o time de Santa Cruz, que havia arrebanhado os corações dos gaúchos, apenas administrou o duelo e deu ao Estado o primeiro título na modalidade.
Foi só impressão mesmo.
Um quarto de século depois, o Rio Grande do Sul nunca mais foi campeão da elite. Atualmente, nem time tem na primeira divisão nacional. O campeonato estadual foi disputado por quatro times em 2018. Nenhuma equipe atua sob regime estritamente profissional.
O cenário era diferente até pelo menos uma década atrás. No começo dos anos 2000, o Estadual chegou a ter cinco times verdadeiramente profissionais: Corinthians (Santa Cruz), Bira (Lajeado), Caxias do Sul, Ulbra (Canoas) e Sogipa (Porto Alegre) mantinham atletas com contrato para disputar a competição. A eles somavam-se outros clubes, que também emprestavam prestígio e volume ao torneio.
A queda da modalidade no Rio Grande do Sul contrastou com o crescimento no país, o que não deixa de ser curioso. Ao mesmo tempo não encontrou forças para se manter no Estado, a ponto de o Caxias, quinto colocado no campeonato nacional de 2017, abandonar a Liga em 2018 por falta de verbas, o Novo Basquete Brasil registra um aumento em sua divulgação. As partidas foram transmitidas em seis plataformas diferentes: ESPN, Fox Sports, Band e BandSports, além de Facebook e Twitter. A baixa foi a saída do grupo Globo.
A explicação para essa gangorra, segundo os protagonistas do esporte, está na falta de patrocinadores. Os gaúchos não conseguem consolidar uma parceria definitiva para ajudar a pagar as contas de manutenção de uma equipe.
O Flamengo, principal time da Liga Nacional de Basquete, investe cerca de R$ 10 milhões por ano nos jogadores e comissões técnicas da equipe profissional. O Ceará, outro integrante do grupo de elite, consegue fazer boa campanha com R$ 3 milhões anuais.
— Por alguma razão, os empresários do Rio Grande do Sul não enxergam o esporte como um negócio. E não é só em basquete. Todas as modalidades sofrem com isso. Só lembro de uma empresa bancar um time, a Tramontina no futsal da ACBF. O resto tem dificuldade de conseguir um patrocínio master, o que tem são apoios pontuais, para jogos, buscando aqui e ali. Só que eventualmente termina e eles vão embora — lamenta o presidente da Federação Gaúcha de Basquete, Rogério Caberlon.
A outra alternativa para levantar fundos é por meio das leis de incentivo ao esporte. Mas até esse acesso tem se mostrado difícil para obter a verba necessária.
O futuro do time adulto do Caxias do Sul Basquete ainda é uma incógnita. A esperança de que a equipe possa retornar à disputa do NBB na temporada 2019/2020 é grande, mas repleta de incertezas. Há uma semana, um encontro com os representantes das 18 equipes franqueadas na Liga buscou desenhar o que esperar dos próximos 10 anos do esporte e avaliar a evolução da modalidade em suas 11 edições já realizadas.
— Somos um clube novo, às vezes até nos sentimos um grãozinho de areia dentro do universo do basquete nacional. Mas a LNB e os clubes demonstraram interesse em manter o basquete em Caxias do Sul e no RS — declarou o presidente do clube caxiense, Maurício Prévide, ao jornal Pioneiro.
Desde que desistiu de jogar o NBB 11, o clube trabalha na busca por recursos para participar da edição 2019/2020.
Após o ano licenciado, a equipe precisará jogar a próxima temporada ou terá de ceder ou vender a vaga. O prazo dos dirigentes para confirmar a participação, já com as garantias financeiras, é julho. Até agora, houve a confirmação da intenção de participar do torneio.
Apesar da fotografia ruim, a ideia para o futuro é de um quadro melhor. O basquete gaúcho vai bem nas categorias de base. Segundo Caberlon, há 20 clubes federados, disputando campeonatos nas categorias sub-12 até sub-20. São pelo menos 1 mil meninos e 200 meninas batendo bola pelas quadras das diferentes regiões do Estado. O número é considerado bom pela Federação, e o destaque volta para Santa Cruz do Sul.
O União Corinthians é, no momento, a principal potência gaúcha, pelo menos nas categorias mais avançadas. O time é vice-campeão brasileiro sub-21 e alcançou a sétima posição na Liga de desenvolvimento sub-20 em 2018. Sustenta, na cidade, uma equipe estruturada para buscar voos maiores. De acordo com o presidente Marco Jardim, o orçamento para a modalidade, tanto no masculino quanto no feminino, é de R$ 350 mil por ano. O valor é pago graças a patrocinadores e parcerias com prefeitura e universidade.
– Santa Cruz respira basquete, é uma relação de amor da cidade com o esporte. Cabe a nós não deixar isso acabar. Estamos tentando reerguer a modalidade e devolver os resultados – explica Jardim.
Essas parcerias são os principais atrativos para os meninos que jogam na cidade. Com a Universidade de Santa Cruz (Unisc), foram dadas bolsas de estudos para atletas. E com a prefeitura, alojamentos para quem não é da região. É a forma encontrada para manter uma base estruturada e alimentar o sonho de, no início da década 2020, voltar a disputar campeonatos nacionais adultos, primeiramente a Liga Ouro, o equivalente à segunda divisão. Por enquanto, os meninos e as meninas já sabem: para seguir jogando profissionalmente depois dos 20 anos, só saindo do Rio Grande do Sul. O trabalho na categoria de base está sendo feito, o time descobre e lapida talentos. Mas não há continuidade.
— Não adianta apenas pensar lá embaixo, na base. Temos um time sub-20 e damos condições para o pessoal ficar aqui. Mas, infelizmente, o que mais temos atualmente são ex-atletas de 17 anos — resume o professor Athos Calderaro, técnico do União Corinthians.
Atualmente, a frase do professor Athos é o retrato do basquete: no Rio Grande do Sul, há ex-atletas de 17 anos.
Há 25 anos, o único título nacional
Umas das mais bonitas histórias do esporte do Rio Grande do Sul completou 25 anos em 17 de abril. Naquele final de semana, o então Pitt/Corinthians, transportou Santa Cruz do Sul para Porto Alegre, como uma forma de simbolizar a união dos gaúchos em torno de uma causa. Depois de sair perdendo para o Sabesp, de Franca, por 2 a 0, nas partidas de São Paulo, o time de Ary Vidal conseguiu a virada nos jogos de sexta, sábado e domingo, fechando a final do Campeonato Nacional de Basquete em 3 a 2, levando ao delírio os torcedores que lotaram o Ginásio Tesourinha nas três partidas.
Foi o auge do mais bem sucedido projeto do basquete que o Rio Grande do Sul já viu. Buscado depois de um mau resultado na seleção brasileira, Ary Vidal chegou a Santa Cruz com o objetivo de dar a volta por cima e retomar o maior período de sua carreira, quando foi o técnico do time de Oscar e Marcel que conquistou a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Indianapolis, em 1987, diante dos Estados Unidos.
As ideias de Ary Vidal foram compradas pelos jogadores, simbolizados em nomes como o capitão João Batista, Cruxen e os americanos Brent Merritt e Alvin Frederick, protagonistas da ponte aérea que marcou o título nacional, realizada no segundo tempo do duelo final da decisão.
A história virou livro, contado pelo jornalista Guilherme Mazui, que, apesar de santa-mariense, criou suas raízes em Santa Cruz do Sul antes de se transferir para Brasília, onde reside e trabalha atualmente. A obra Corinthians do Ary Vidal (Editora Gazeta, 383 páginas) recupera a história daquele grande time desde suas origens, na contratação do técnico até os bastidores daquela conquista.
A frase de Ary Vidal, proferida ao final do campeonato, em tom meio de desabafo, meio de glória, está lá:
— Os 12 condenados foram absolvidos! –—bradou o treinador, que havia definido seu time com esse apelido por ter passado por várias dificuldades ao longo daquela temporada.
Mazui explica a obra:
— O livro se concentra nos quatro primeiros anos, de um total de sete em que Ary comandou o Corinthians, a primeira equipe a derrubar a hegemonia paulista. Não tem a pretensão de ser uma versão definitiva, é um registro do que foi possível reunir de dados, vídeos, fotos, reportagens e memórias. Trata-se de uma homenagem aos responsáveis por um período mágico do basquete gaúcho.