Minha alfabetização futebolística começou com o álbum de figurinhas do Brasileiro de 1997, decorando e recitando a tabela de artilheiros de campeonatos anteriores, sempre estupefata com a habilidade de meu pai em listá-los, um a um, sem errar uma vez que fosse.
Eu sabia poucas coisas sobre meu pai aos seis anos de idade (a gente esquece que conhece nossos pais aos poucos, como conhecemos qualquer pesssoa): sabia que ele gostava do nosso ritual de colagem das figurinhas, que ele trabalhava no rádio... E que, sempre que me fosse perguntado para qual time papai torce, eu deveria responder que ele torcia para o São Luiz de Ijuí.
Corte para esse sábado, às 5h20min. O dia era de Liga dos Campeões, mas eu ansiava era por percorrer os cerca de 400 quilômetros que me separavam de conhecer a cidade do Rubro e vê-lo, quem sabe, conquistar o acesso à elite do futebol gaúcho. Muito tempo antes dos cromos autocolantes, em 1972, minha família paterna chegou a Ijuí. Na época, os amadores do Ouro Verde alcançaram projeção nacional na Copa Arizona e, nos campinhos da cidade, quem defendesse um chute de Dunga tornava-se lenda entre a turma de amigos.
Nesse sábado, desembarquei no Estádio 19 de Outubro para ver os 11 do São Luiz, acuados pela derrota fora de casa para o Inter-SM, darem tudo de si pela vaga na Série A do Gauchão. O palco do embate estava tão úmido pela chuva constante dos últimos dias que as pegadas embarradas formavam um mapa de calor natural sobre o gramado. O São Luiz começou com 11 – que viraram 10, nove, é depois oito jogadores em campo. Que, mesmo em meio à lama e em desvantagem numérica, acharam força para buscar o placar após concederem o empate, emocionando uma torcida inicialmente sisuda. Emocionando a mim, que finalmente tive uma memória para chamar de minha no estádio onde meu pai, aos oito anos, aprendeu a amar futebol – para depois me ensinar a amar o futebol.
Na festa daqueles guerreiros que esculpiram a vitória no barro vermelho, talvez nem todos se mantenham no plantel que disputará o Gauchão de 2018. Mas deixei o 19 de Outubro e a colmeia do trabalho com uma lista decorada e um desejo: colar dia desses, em um álbum de figurinhas, os rostos de Jonatas, Maicon, Gonçalves, Talheimer, Xaro, Zé Lucas, Prill, Gramadense, Jean Dias, Léo Mineiro e Ari. E lembrar do dia em que driblei o sono para vibrar com meu pai pelo São Luiz de Ijuí.