Fui piá nos anos 1980. Não havia canais a cabo, muito menos pay-per-view. Então, ser torcedor era para os fortes. Raramente tinha jogo do teu time para assistir na TV. O jeito era ouvir o rádio e deixar a imaginação montar os lances. No domingo à noite, a briga era convencer o pai e mãe a ficar acordado até o final do Fantástico. Eram os cinco minutos para alegres da minha infância: eu veria os gols da rodada!
Vem de lá minha alegria com o futebol ofensivista. Achei espetacular a ideia do campeonato brasileiro de 1988, quando os jogos que terminavam empatados iam para os pênaltis, valendo um ponto a mais na tabela (vitória no tempo normal valia 3, vitória nas penalidades rendia 2, o perdedor da marca da cal ficava com 1 e zerava quem perdesse nos 90 minutos). Pena que a ideia não prosperou no Brasil.
Soube que a Fifa, além da arbitragem eletrônica, pensa em mudar o tempo das partidas, parando o relógio quando a bola não estiver em jogo. Assim como é no futsal. Grande ideia! Serão punidos os times que preferem apatifar a competir. Seguramente sairão mais gols, novos ídolos surgirão e o esporte ganhará ainda mais adeptos.
Porém, tem quem prefira um futebol defensivista, do estilo primeiro não perder. E vou dar um exemplo que muitos dos leitores podem imaginar ter vindo da ficção. Mas é real. Ouvi a história da boca deste torcedor e, a partir dela, comecei a respeitar quem adore um 0 a 0, embora eu discorde frontalmente. Estava num churrasco entre amigos, assunto Gre-Nal mais quente que a costela na brasa, e travei o seguinte diálogo com o vivente. Primeiro ele largou uma frase bem normal:
- Eu não suporto ver jogo na tevê! Só me sinto bem no estádio.
- Pois é, o ambiente da arquibancada é bem melhor.
Aí começaram a surgir as pérolas:
- Mas eu não vou ao campo pelo ambiente. Vou porque as câmeras da TV acompanham sempre a bola. E eu preciso saber como está postada a minha defesa.
- Como assim? - perguntei.
- Claro. Não suporto ver meu time levar gol. Quando ele avança para o ataque, deixo de lado o ângulo da bola e fico vidrado no campo defensivo. Fico analisando se os volantes estão bem postados, se os laterais não avançaram, se os zagueiros estão em linha...
- Tu só pode estar debochando, né? - provoquei.
- Debochando estão os técnicos que liberam os defensores a passar do meio-campo! Eu não passo nunca! O segredo do sucesso é ter uma boa defesa.
Só acreditei na história quando a esposa dele confirmou, soltando um "pior que é verdade: ele sai do estádio sem ver quando o time dele faz gol!". E antes de se levantar, sabendo que eu sou jornalista, me fez um pedido:
- Pede para os teus colegas da rádio e da tevê, durante a transmissão, falarem sobre a postura da defesa do meu time com a bola rolando. Só citam quando os zagueiros atravessam o campo para tentar fazer gol num escanteio. Isso me dá calafrios quando não consigo ir ao estádio!
- Certo, mas acho que não vão levar em conta o recado. Futebol é gol, rapaz! Até os goleiros costumam tentar fazer gol.
- Bah, nem me fale. Isso é insuportável. A Fifa deveria proibir o goleiro de sair da grande área...