Há muito tempo não me incomodava tanto quanto com o Pedro Rocha. E aí está um dos méritos do futebol. Ele desloca e abriga raivas tolas. Tolas? Dificilmente outros não sentem o que sentimos com frequência. E aí está um dos méritos de Sigmund Freud. Ele mostrou que haveria de ser difícil para muitos o que já era para alguns. E, falando em méritos, há outros essenciais no futebol: ele brinca de competir, ele joga para ganhar e perder, tudo isso o que, finda a infância e o domingo, a vida também solicita. Para Sigmund Freud, nenhum sentimento é tolo. E como é importante olhar para todos eles! Conhecê-los aumenta o patamar de nossa vida interior, o que tende a se refletir por fora.
Pedro Rocha foi decisivo há menos de um ano para o que não vinha acontecendo há 15 anos. Seus dois gols na partida de ida contra o Atlético-MG prepararam o tão desejado pentacampeonato na Copa do Brasil. Depois, ele foi expulso e, desde então, continua vivo o fantasma de expulsá-lo para sempre. A cada domingo, porém, Pedro Rocha sobrevive. E continua driblando e chutando e segue marcando gols e adversários com a mesma frequência.
Mas Pedro Rocha irrita, porque perde muitos gols. Gols feitos, daqueles que o nosso corpão, sentado na arquibancada ou esticado no sofá, conta para a nossa mente que jamais perderíamos. Jamais?
Para Mário de Andrade, que não gostava de futebol, mas amava o folclore sobre o qual tanto escreveu, "nós perdemos sempre". O escritor expressava que, na vida e na arte, cada dia é feito de muitas perdas e todo dia oferece outra derrota, véspera de uma nova vitória. E vice-versa. Golaço de palavras que outro mérito do futebol é ajudar-nos a descansar dessa dura realidade.
Já outro ganho de conhecer-nos é entender que isso dói a ponto de tanta gente abandonar a partida. Não é fácil conviver ao longo da semana com tudo o que perdemos antes e depois do domingo. Antes e depois do Pedro Rocha.