"Oi, meu amor, Giovane,
Queria te contar como tá tudo por aqui nessas últimas horas, e vou pegar emprestada a tua invejável sensibilidade pra te contar da forma mais serena possível, então onde estiver, faz teu mate e senta aí pra ler."
Começa assim a primeira de muitas cartas que a jornalista Isabella Fernandez escreveu para o namorado Giovane Klein, repórter da RBS TV Santa Catarina (hoje NSC) que morreu no acidente de seis meses atrás. Escrever para o "Gio", contando sobre coisas pequenas e grandes da vida, como se ele ainda estivesse ali, dividindo o sofá e o chimarrão, foi a saída para driblar a saudade.
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A primeira carta, disponibilizada poucos dias após o acidente nas redes sociais, causou comoção entre amigos e mesmo em pessoas não tão próximas. Isabella, gaúcha de Santana do Livramento que era colega de Giovane, tornou-se exemplo de como enfrentar a dor de cabeça erguida. O tom dos textos é leve e há uma mensagem embutida de esperança no futuro.
Outro trecho:
"A Arena do teu Grêmio tá verde... E a final da Copa do Brasil foi transferida pra dar tempo de tu te acomodar bem por aí na tua nova casa e assistir à conquista de um título Tricolor como há anos tu esperavas! A torcida que te encantou quando tu assistias à final da Copa Libertadores, a do Atlético Nacional, também resolveu torcer pra Chape nessa final... Aliás, deu pra Chape o título! Esses torcedores vão estar onde vocês estariam hoje de noite, e acho que vai estar lindo! Te conto que Neymar, Cristiano Ronaldo e tantos outros nomes fizeram suas homenagens! Ah, e aquele que dá o nome ao livro que tá ainda na tua mesa de luz, o Tite, também tá entre esses feras que se comoveram com o que aconteceu. O futebol mundial tá com vocês!".
É nas noites insones que Isabella recorre ao computador, ou até a um diário em que escreve à mão, para mandar suas mensagens a Giovane. Às vezes, ela desperta ao sentir o cheiro do companheiro. A saudade aperta. E as cartas são uma forma de aplacá-la.
– Trabalho o dia todo, e a rotina me ajuda a não pensar no que aconteceu. É à noite que tenho uma dimensão maior do luto – conta.
Logo após a tragédia, Isabella refugiou-se na casa dos pais e, por um mês, tratou de se colocar de pé para recomeçar. Voltou ao trabalho e falou, no Jornal do Almoço local, sobre o retorno.
– Eu voltei por ti – disse ao Gio, com a audiência de Chapecó como testemunha.
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O contato com os telespectadores tem produzido momentos importantes para o processo de recuperação. Desde o ano passado, ela e Giovane eram protagonistas do quadro Simplesmente Saudável, também do Jornal do Almoço, espécie de reality show a mostrar a transformação da rotina do casal para incluir alimentação balanceada, exercício físico e outras mudanças na direção de uma vida livre de problemas de saúde. Os dois, então, tornaram-se rostos conhecidos em Chapecó.
Com isso, o luto virou algo público. Logo no primeiro dia de volta ao trabalho, um fã do casal fez questão de pará-la na rua para oferecer conforto. O gesto foi repetido por um torcedor da Chape na comemoração do título catarinense. Isabella o entrevistava quando ele pediu para abraçá-la. Ainda atônita, sem entender a emoção do momento, aceitou a oferta, levando lágrimas aos olhos até mesmo do repórter cinematográfico que a acompanhava.
Cada gesto de solidariedade, cada passo adiante na cicatrização, Isabella registra nos escritos. Ela vai reunir as cartas no livro Cartas de Isabella, que será lançado em 10 de junho em Chapecó.
– Descrevo ali coisas que acontecem e que, talvez, só ele entenda. A gente já tinha um sonho de escrever um livro. Ele queria fazer um sobre a Chapecoense, a gente também tinha a ideia de falar sobre essa experiência do Simplesmente Saudável. Mas não deu tempo. Percebi que esse livro poderia ser uma forma de colocar esse sonho em prática – projeta.
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* ZH Esportes