O gesto do zagueiro Rodrigo Caio no clássico São Paulo e Corinthians no domingo, isentando o atacante Jô do cartão amarelo injustamente recebido, suscitou um debate de proporções nacionais. Um prosaico episódio do futebol resumiu, com rara capacidade, o momento nacional que urge por ética e transparência.
A atitude do são-paulino, e a posterior manifestação de desaprovação do colega Maicon, constitui espelho da sociedade com suas vicissitudes. Pai de dois filhos, jovens adultos, diariamente me confrontei com a hesitação entre os ensinamentos baseados na decência em contraponto com a voracidade do mundo onde nem sempre os leais conquistam o sucesso.
Educar filhos é andar na corda bamba. Ser bem sucedido nos mais diversos segmentos é uma espécie de obrigação, imposta pelas redes sociais onde abundam exemplos de "vale-tudo". Tornar-se celebridade, mesmo num restrito grupo de whatsapp, soa como garantia da felicidade.
Dizem que o pessimista é um otimista bem informado. Por isso, não acredito que a atitude de Rodrigo Caio frutifique. Será, quando muito, inspiração por algumas rodadas. Mas tudo voltará ao normal das disputas nos quatro continentes.
O futebol, com seus corredores sombrios repletos de simulações - dentro e fora do campo - e expedientes escusos tem sido fonte inesgotável de personagens indignos. São atletas de caráter disforme transformados subitamente em ídolos, sem formação moral suficiente. Viram símbolos principalmente entre as alopradas "torcidas organizadas" que sacrificaram mais a vida de um torcedor argentino no último final de semana.
O esforço de pais e educadores é incapaz de reformular o comportamentos de "heróis modernos" que se reproduzem com a velocidade da luz, graças à tecnologia. Conchavos, manobras ilusionistas e truques de faz-de-conta proliferam, sepultando o esforço da retidão e do decoro, mesmo de maneira efêmera.
Rodrigo Caio, um jovem jogador de futebol, é contraponto à Lava-Jato com sua abjeta galeria de horrores que que causam repulsa nacional. O gesto de um boleiro talvez seja insuficiente para inverter a lógica consumista, descartável e supérflua da sociedade. Mas comprova que existe, sempre e em todos os ambientes, esperança na decência humana.