Renato, ponteiro do Maringá, falhou na recepção. Prontamente, Ricardinho correu quatro metros e acelerou a bola com precisão. Deixou o central Michael, sem bloqueio, para apenas marcar o ponto. Aos 41 anos, o levantador ainda esbanja a habilidade e o arrojo que o consagraram como um dos maiores jogadores de todos os tempos e que renderam à seleção brasileira uma medalha de ouro olímpica, seis Ligas Mundiais, duas Copas do Mundo entre outras conquistas.
Ricardo Bermudez Garcia nasceu em São Paulo e, logo aos sete anos de idade, teve de retirar um tumor da perna direita. O médico que fez a operação o aconselhou a praticar esportes para auxiliar na recuperação. Influenciado pelo o irmão mais velho, Ricardinho foi parar no Banespa, antigo clube de vôlei da capital paulista.Em 1997, chegou à seleção brasileira. Acompanhava os passos de Maurício, levantador titular da equipe. Até que, em 2003, assumiu a posição e começou uma revolução no esporte.
Leia mais:
Cruzeiro vence o Montes Claros pelo Sul-Americano de vôlei
Bento Vôlei vence o Juiz de Fora por 3 sets a 0 e segue vivo na briga pela classificação aos playoffs
No tiebreak, Canoas vence o Maringá em casa pela Superliga
Cérebro de um dos times mais vencedores da história, Ricardinho inovou na forma de jogar vôlei, acelerando levantamentos e confundindo a marcação do bloqueio adversário. Para Marco Freitas, especialista em vôlei dos canais SporTV, a seleção mais vitoriosa de todos os tempos não seria a mesma sem a sua presença:
– Ricardinho era imprevisível. Foi ele que colocou em prática toda a teoria de Bernardinho. Sem ele, o Brasil não conquistaria tantos títulos – aponta.
Porém, o reconhecimento não veio repentinamente. O levantador conta que, quando começou inovar, sofreu represálias de quem não acreditava no seu jeito de jogar.
– Muitas pessoas pensavam que eu era completamente débil mental, maluco. Quando tudo começou a dar certo, virei gênio. Gênio nada, é trabalho.
O momento mais delicado da carreira de Ricardinho ocorreu a dois dias da estreia da seleção brasileira nos jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007, quando foi cortado da equipe. Bruninho, filho de Bernardinho, foi escalado para a vaga do ex-capitão e Marcelinho tornou-se o titular da posição.
Depois disso, várias teorias surgiram. Foi cogitado que o levantador não queria dividir algumas premiações com seus colegas, o que Ricardinho nega. Afirma que "um desgaste natural" e "estresse por causa da convivência" levaram ao seu corte.
Impasses resolvidos, Ricardinho voltou à seleção em 2012. Foi reserva de Bruninho e ajudou o Brasil a conquistar a prata na Olimpíada de Londres.
Para Bernardinho, que recentemente se despediu do comando da seleção brasileira, o talento do levantador transformou o esporte para sempre:
– As pessoas não acreditavam muito no Ricardinho, mas nós acreditávamos. A trajetória dele foi incrível. Seu talento como levantador, a forma como jogava com as bolas de velocidade era algo fora de série. Talento puro. Soube fazer o nosso time jogar com uma velocidade completamente fora dos padrões da época. Foi um divisor de águas, que mudou a forma com que o vôlei mundial era jogado.
Hoje, mesmo aos 41 anos e com sua equipe penando contra o rebaixamento na Superliga, o levantador consegue se destacar como o quarto melhor na posição segundo as estatísticas oficiais da CBV. Acumula no time paranaense que fundou em 2013 a função de capitão, levantador e presidente.
Antes de demonstrar toda a sua habilidade e acelerar levantamentos com precisão na derrota no tiebreak do Copel/Telecom/Maringá contra Lebes/Gedore/Canoas pela 19ª rodada da Superliga, na quarta-feira, Ricardinho conversou com ZH.
Como está o Copel/Telecom/Maringá?
Estamos na quarta temporada. Nas duas primeiras, tivemos um investimento interessante. Tanto é que conseguimos bons resultados. Agora o investimento caiu pela metade. Isso pesa nas contratações. O que passo para nossos patrocinadores é que estamos fazendo um esforço muito grande com este projeto. Sabemos que o país está passando por uma dificuldade econômica e o esporte é o primeiro a sofrer cortes. Isso reflete dentro de quadra. Nosso objetivo é lutar pela permanência na primeira divisão. Não é desculpa, é realidade
Como é treinar e ser presidente?
Agora está muito fácil. Tenho pessoas que me ajudam bastante. Montei um mini escritório dentro de casa para poder trabalhar durante o descanso também. Foram duas temporadas de aprendizado. Só quem se envolve com estas questões administrativas sabe o quanto se gasta para ter uma equipe que participa de uma das melhores competições do mundo. O que nos falta é investimento para montarmos um time que tente algo melhor na Superliga.
Mesmo você sendo o presidente do time, o Renato, técnico da equipe, chamou a sua atenção durante o treinamento.
(Risos) joguei muito tempo com ele. É um grande amigo. Ele faz isso para me sacanear mesmo. Mas não "cola". O pessoal chega nele e fala: "Banana (apelido do treinador), dá uma acalmada aí porque quem manda é o homem ali" (risos).
Está com 41 anos e é o quarto melhor levantador da competição.
P****. É mesmo?
Sim.
Nem sabia. Realmente não acompanho. Minha primeira preocupação quando saio de quadra é sobre o que os jogadores necessitam. Converso muito com a comissão técnica para que eu saiba do que estamos precisando. Também observo as estatísticas dos meus atacantes para saber como está a minha distribuição durante os jogos. Mas realmente não acompanho as estatísticas pessoais. P****, quer dizer que o velho aqui ainda está bem, hein? (risos).
Continua estudando os adversários?
Muito. Tenho uma percepção boa do que acontece dentro da quadra e sempre acompanho os jogos quando posso. Procuro, principalmente, observar os centrais adversários para saber como se posicionam.
Como está o seu preparo físico?
Tenho um desgaste natural da profissão. Em comparação com alguns garotos, estou bem. Não tenho nenhuma lesão séria. Procurei acompanhamento pessoal para cuidar a minha condição física para que eu tenha uma boa qualidade de vida. Isso acaba refletindo dentro de quadra. Só o churrasco que não tem como abandonar (risos).
Os quatro primeiros da Superliga destoam muito dos demais. Acha que a competição perdeu a graça?
O investimento é muito alto para um lado e muito baixo para o outro. Também há paixão pelo esporte. O Vittorio Mediol, dono do Sada (empresa mineira de transportes), ama o vôlei. Ele investe muito no Cruzeiro e isso dá retorno. É um projeto muito bem feito. Lá em Maringá, não consigo nem fazer categorias de base. Estou sempre com a verba no limite. A intenção agora é fazer um projeto social para que possamos ter uma categoria de base e mantermos o voleibol em ativa durante todo o ano na cidade.
A CBV não autorizou transmissões amadoras das equipes mesmo quando os jogos não seriam transmitidos em nenhum canal de TV. Qual a sua visão sobre isso?
Não queremos atrapalhar a CBV ou quem tem os direitos de transmissão dos jogos. A intenção é que tenhamos a oportunidade de colocar os patrocinadores nossos e dos adversários em evidência em uma partida que não tenha transmissão de TV. Fomos nós quem criamos esta proposta, mas ficou mais evidente quando o Murilo (Endres) reclamou da proibição. O foco é falar o nome dos patrocinadores, que é uma luta constante nossa. Talvez isso não faça diferença para as equipes que estão na parte de cima da tabela, mas para nós faz. Precisamos que o cara da pizzaria, do mercadinho, veja sua marca exposta e se sinta parte da equipe. O produto, obviamente, é deles (CBV e detentores dos direitos televisivos). Mas observe a quantidade de canais esportivos que transmitem a Série A, B, C, D do Brasileirão de futebol. Por que não ter a sensibilidade de distribuir um pouco mais algumas transmissões de jogos? Isso valorizaria nosso produto e ajudaria financeiramente as equipes pequenas. Creio que deveriam abrir um pouco mais este bloqueio porque frequentemente ninguém transmite as partidas. Queremos ter um poder maior de divulgação. O esporte é vencedor. O brasileiro gosta de voleibol. Seria interessante se nós tivéssemos a oportunidade de colocar este produto em mais canais.
O que você achou da escolha do Renan Dal Zotto como técnico da seleção?
O Renan conhece muito o vôlei. A CBV fez uma escolha difícil. Qualquer um que entrasse para substituir um vencedor como o Bernardinho seria questionado. Os resultados e os títulos vão dizer se foi uma boa escolha. Espero que o Renan e o Marcelo (Fronckowiak, assistente técnico) invistam na garotada que está se destacando. Tem de ter uma lista grande de jogadores convocados. Os jovens que chegarem na seleção agora devem ralar muito para que possam nos representar e dar continuidade no que a geração do Maurício, minha e do Bruninho conquistou.
Muitas pessoas dizem que você revolucionou o esporte. Você concorda?
Acelerar o jogo sempre foi uma característica minha. Assistia a vídeos de levantadores de todos os cantos do mundo e aos poucos fui me espelhando em suas características. Via o Jeff Stork (levantador dos Estados Unidos campeão olímpico em Seul 1988) e tentava repetir o seu toque rápido. Observava o Maurício e tentava atingir a sua precisão. Como seu sucessor, eu tinha de fazer algo diferente quando entrava em quadra. No início, muitas pessoas pensavam que eu era completamente débil mental, maluco. Quando tudo começou a dar certo, virei gênio. Gênio nada, é trabalho. Depois que consolidei a minha característica, fui apenas aperfeiçoando a qualidade dos levantamentos e a precisão.
Mudaria algo na sua carreira?
Tudo o que fiz e arrisquei tanto dentro quanto fora de quadra eu faria novamente. Talvez, tentar interferir menos em algumas discussões. Não questionar situações que acabaram me prejudicando. Dentro de quadra, quanto ao meu profissionalismo e minha cobrança, faria exatamente o mesmo. Até hoje, aos 41 anos, minha família às vezes chama a minha atenção para eu me cobrar um pouco menos.
E o corte antes do Pan-Americano do Brasil em 2007?
Foi o momento mais difícil da minha carreira. Eu não esperava. O Brasil todo sentiu. Perdi cinco anos de seleção brasileira quando estava no auge da minha carreira. Em 2012, quando voltei para à seleção, todos nós percebemos que poderia ter sido diferente. As coisas vazaram de uma forma muito ruim. Não teve nada a ver com dinheiro. Não sou eu quem divide a premiação. Também não existiu problema quanto a minha reapresentação antes do Pan-Americano. Foi apenas um desgaste natural por eu questionar demais certas situações. Um estresse por causa da convivência.
Como foi ser comentarista durante a Olimpíada Rio 2016? Pretende entrar neste ramo após parar de jogar?
Achei espetacular. Vocês (jornalistas) trabalham demais. Aprendi a enxergar o jornalismo de um outro jeito. Tudo bando de maluco na redação (risos). Achei legal. Faz muito o meu perfil também. Pretendo continuar com o projeto em Maringá por um bom tempo, mas, com certeza, é algo que começo a pensar com mais carinho.
Pretende jogar até quando?
Quero jogar bastante ainda. A cada ano, consigo me renovar e estou bem fisicamente. Em 2012, estava meio gordinho. Agora estou fino, com menos de 10% de gordura. A paixão pelo vôlei e o que eu devo a este esporte é muito maior do que qualquer tipo de derrota. É amor. Durmo e acordo pensando em vôlei, seja na derrota ou na vitória. Na próxima temporada, vou continuar jogando, mas depende também do projeto. Se cairmos para a segunda divisão, perderemos patrocinadores. Se infelizmente isso acontecer e a equipe acabar, continuarei jogando. Minha vida é essa.