Autor de A Pirâmide Invertida, livro sobre a história da tática no futebol recentemente traduzido ao português por André Kfouri, o jornalista britânico Jonathan Wilson se transformou em uma referência da análise do jogo.
Nesta entrevista a ZH, Wilson cita os times brasileiros de 1958, 1962 e 1970 como exemplos de que o Brasil, um dia, foi inovador na parte tática. Alerta, porém, que hoje há indícios de que estamos atrasados. O jornalista também avalia como o Barcelona de Guardiola ajudou a transformar o futebol, inspirando algumas equipes a copiá-lo e outras a enfrentá-lo utilizando outros modelos de jogo. E arrisca possíveis diagnósticos para as dificuldades de Pep em seus primeiros meses à frente do Manchester City.
Confira os principais trechos.
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Quanto tempo levou para produzir o livro, desde o início da pesquisa?
Depende do momento que se considera como o início do livro. Do momento em que os contratos foram assinados até entregar os manuscritos não demorou tanto, provavelmente cerca de 10 meses. Mas o tema do livro é algo que me interessa há anos. Desde que sou criança, quando comecei a assistir futebol, foi a maneira com que encarei o jogo. Nunca fui muito bom jogando. Em geral, sou muito melhor com meu cérebro do que com meu corpo. Então, busco a análise.
O senhor diria que, nas últimas décadas, a tática tornou-se mais importante no futebol?
Não acho que seja o caso. O que há agora é um entendimento mais profundo dessa questão, inclusive entre os jornalistas. Hoje, nós entendemos melhor a tática, sabemos identificar o que um técnico está fazendo, se está mudando uma formação. E há também o seguinte fator: você vê uma quantidade enorme de jogadores e técnicos de países diferentes convivendo juntos, especialmente nos campeonatos europeus. E eles trazem suas ideias. Assim, temos uma mistura de métodos. A análise também é muito melhor. Em 1997, quando o Marcelo Bielsa chegou ao Vélez Sarsfield, uma das exigências que fez foi ter uma televisão e um gravador de vídeo. Isso foi considerado moderno e até excêntrico. Agora, isso é o mais básico. Todos olham para como o seu time e o adversário jogam, e esse processo se tornou mais sofisticado nos últimos 10, 20 anos. Há um efeito disso na abordagem tática dos treinadores, que evolui e se torna mais complexa. Mas não acredito que a tática seja mais importante do que antes. Evidente que, se não há nenhum planejamento tático, você vai perder. Talvez nos anos 1960 e 1970, não fosse o caso. Só que sempre foi importante. Nós só expressamos de uma maneira diferente agora.
Há uma crença de que o Brasil, nas últimas décadas, ficou para trás nos avanços táticos do futebol. O senhor concorda?
É difícil dizer porque não acompanho muito o futebol de clubes do Brasil. O que eu apontaria como um indício preocupante é ver o que os técnicos argentinos têm feito e o quão populares eles são. Eu entendo que há a barreira da língua, o espanhol é muito mais falado no mundo do que o português. Mas a Argentina se tornou uma referência quando falamos de técnicos de futebol. Então, não é que a Europa não esteja disposta a aprender com a América do Sul. Um olhar para a Seleção Brasileira também traz essa ideia. Eu sei que melhorou com Tite, mas com Dunga e Scolari, a sensação era de que o Brasil estava utilizando modelos táticos de 10, 15 anos atrás. Assistindo à Seleção na última Copa do Mundo e na Copa América, me senti vendo um estilo velho de futebol. Quando se olha para trás, nos grandes times do Brasil de 1958, 1962 e 1970, eles eram inovadores na parte tática. Pioneiros. A defesa com quatro jogadores do Brasil, usada em 1958, teve enorme impacto no mundo. Todos viram como era eficiente e entenderam como laterais, naquele modelo, podiam atacar. Cinco, 10 anos depois, todos estavam fazendo aquilo. No passado, portanto, o Brasil foi inovador.
O senhor adicionou capítulos ao seu livro em edições recentes nos quais cita o Barcelona de Guardiola. Qual foi o impacto daquela equipe no futebol mundial?Foi extremamente importante. Estou com 40 anos agora. Os primeiros jogos de que me lembro são de 1982 e, provavelmente, comecei a entender bem o jogo a partir de 1990. Ou seja, em 25, 26 anos assistindo futebol, aquele Barcelona é o melhor time que eu vi jogar. Foi também a primeira vez em que assisti uma equipe executando um estilo que era completamente inédito. Claro que não é só tática, existem as circunstâncias de se ter jogadores que cresceram juntos, em uma filosofia de clube como a do Barcelona. Então é complicado chamar de uma revolução, porque são fatores difíceis de emular. Há, por exemplo, a questão da mudança da lei do impedimento (em 2005, houve uma série de ajustes que beneficiaram o time que ataca, como a que afirma que o árbitro auxiliar deve favorecer a equipe atacante em caso de dúvida).
No que ela influenciou?
Com a mudança, as equipes pararam de fazer tanto a linha de impedimento, de avançar a linha defensiva, o que as deixou menos compactas. De repente, via-se mais espaço no meio-campo para jogadores de baixa estatura como Xavi e Iniesta, que, se fossem revelados décadas antes, talvez não conseguissem jogar pelos constantes choques físicos em um meio congestionado. Mesmo hoje eu não acredito que poderiam atuar exatamente da mesma forma, com essas equipes que marcam pressão como as de Jurgen Klopp, por exemplo. Aquele Barcelona foi uma continuação lógica das correntes do futebol naquele momento e, ao mesmo tempo, algo novo e empolgante. Há também o fator Guardiola, de ser um representante de uma ideia mais utópica, afirmando que não ficava satisfeito em apenas vencer um jogo de qualquer maneira. Em um período entre 2008 e 2010, vários grandes times tentaram copiar o modelo. Todos queriam ter a posse de bola. Ter posse de bola de 75%, 80%, como aquele Barcelona, não é normal. Estávamos acostumados a dizer que 60%, 62%, era muito. Agora, as pessoas estão começando a entender que podem enfrentar esse modelo. Vimos naquela semifinal da Liga dos Campeões de 2013, já com o Tito Vilanova como técnico, em que o Barcelona foi derrotado por um Bayern de Munique que jogava sem tanta posse de bola e nos contra-ataques. E o modelo daquele Bayern é uma evolução forçada pelo Barcelona de Guardiola, uma forma de enfrentá-lo. É a corrente oposta e, ao mesmo tempo, um resultado daquele Barça. Daí se vê o peso: o time não inspirou apenas imitações, mas também opositores.
Diante do crescimento do estilo considerado mais defensivo, será necessária uma evolução desse modelo que valoriza mais a posse de bola?
Não gosto muito de dizer que esses times são mais defensivos. Acredito que é perfeitamente possível que uma equipe seja ofensiva sem ter a bola por tanto tempo. Guardiola está mudando, mudou no Bayern e segue agora. Ainda assim, suas ideias básicas de posse de bola, de pressão alta, não mudaram muito. Foi bem-sucedido no Bayern e acredito que terá sucesso, eventualmente, no Manchester City. Mas não é a mesma coisa do que quando ele era novo e, de repente, os adversários não sabiam lidar com aquilo. É assim que acontece a evolução. Não é que o estilo Guardiola tenha morrido, é que as pessoas encontraram uma maneira de enfrentá-lo que funciona. Então, em vez de um só estilo, há dois. E isso é ótimo. Voltando àquela questão sobre o termo "defensivo", se você olhasse, naquele período do Barcelona, para a seleção espanhola, ela seguia o estilo de Guardiola de alta posse de bola, mas você pode dizer que aquilo era um futebol defensivo. Frequentemente, a Espanha não atacava, apenas segurava a bola. As nossas velhas definições do que é atacar e defender não são adequadas para descrever certas situações. A separação entre quem tem a bola e quem não a tem, e quem ataca e quem defende, são duas coisas diferentes.
Por que o senhor acredita que Guardiola tem enfrentado dificuldades no Manchester City?
O interessante é que, nos primeiros 10 jogos, ele venceu. É difícil explicar porque funcionou e, de repente, parou de funcionar. Há uma ideia de que ele começou a fazer mudanças leves no início, não entrou com tudo. E mudou quando passou a contar com Gundogan, que estava lesionado. No início da temporada, era um 4-3-3, com Fernandinho à frente da linha defensiva. Um modelo mais ou menos conhecido de todos. Quando ele tentou colocar Fernandinho e Gundogan juntos, passou a fazer mudanças, como jogar com três zagueiros, ou passar De Bruyne para uma das pontas. E aí passou a dar errado, talvez por complicar demais as coisas. Há também outras questões. Ele tem Sergio Agüero como centroavante e a reposição é Iheanacho, um jogador muito inexperiente e em quem ele parece não confiar. A chegada de Gabriel Jesus vai ajudar nesse sentido. Acredito que os defensores são mais fracos do que Guardiola percebeu. Os laterais, por exemplo: Zabaleta foi bom, mas está com 31 anos, assim como Sagna e Clichy. Kolarov nunca foi um grande jogador e tem 30 anos. A situação do goleiro não ajudou. Mandar Joe Hart embora é algo muito ousado, por tudo que ele representa para o City. E Claudio Bravo causa insegurança entre jogadores e torcedores. Ele é baixo para um goleiro e fica a sensação de que o City, quando está ganhando por 1 a 0, sempre corre o risco de sofrer um empate em um cruzamento para a área, justamente porque Bravo tem problemas nesse quesito. É, portanto, uma combinação de fatores. Ainda assim, acredito que ele vai ter sucesso. Também temos de entender que a Liga Inglesa é muito dura. Não há outro campeonato na Europa com o mesmo equilíbrio.
Você vê algo de novo no 3-4-3 que Antonio Conte implementou no Chelsea?
Não exatamente. Vimos isso no Liverpool, com Brendan Rodgers. Foi muito eficiente. Esses dois jogadores abertos no trio de ataque são muito difíceis de marcar. Não ficam exatamente nas pontas nem no meio, então é complicado saber de quem é a responsabilidade de vigiá-los. O esquema ficou um pouco esquecido depois daquela experiência. Não diria que Conte foi influenciado por aquele time, mas a solução que ele achou é bem similar. Foi interessante ver que o Tottenham, quando venceu o Chelsea, fez atuando exatamente no mesmo sistema. Não sei como enfrentar esse esquema com outro modelo, mas o Tottenham provou que, se você jogar no mesmo sistema e vencer os duelos individuais, terá sucesso. Estou ansioso para ver como o Chelsea responde a isso, mas temos de dar crédito a Conte por ter encontrado essa solução. Antes da mudança, era inimaginável ver o Chelsea brigando pelo título.
* ZH Esportes