Em 2001, antes de se tornarem escombros, as paredes do Olímpico testemunharam a primeira experiência de Tite num grande clube. Pois Adenor Bachi, um gringo encorpado, de fala mansa e articulada, chegava ao Grêmio em uma nuvem de desconfiança. Vindo do Interior que percorrera vitorioso, entrou no vestiário como aposta do clube numa solução caseira. Para os apostadores, bastava a última façanha: com um punhado de jogadores do Caxias, ainda mais desconhecidos do que ele, ganhara o Gauchão lá mesmo dentro do Olímpico.
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Pois naquela manhã que já vai longe, uma reduzida plateia de desconfiantes – jogadores, dirigentes, funcionários, torcedores, curiosos –, foi arrebatada por sua inédita retórica futebolística. E já ia longe o discurso quando se aproximou de Marinho, zagueiro que atravessava fase difícil e, tocando-lhe o lado esquerdo do peito, sentenciou "... é por aqui que devemos começar a ganhar". Nenhuma dúvida além de uma única: aquele ritual olho no olho, alternando com gestual adequado o fraseio em tom de catequese paroquial, com o olhar penetrante da cobrança implacável, ou denunciava mais um dos tantos prosadores de vestiário ou revelava um espírito iluminado chegando para devolver a alma aos que a haviam perdido. Pois os crédulos tinham razão. Poucos meses depois de retomar para o Grêmio o título gaúcho que havia dado ao Caxias, Tite viu Marinho recuperar a autoestima na hostilidade do Morumbi, marcando o gol que abriu caminho para a conquista do tetra da Copa do Brasil sobre o Corinthians.
Se alguém perceber alguma semelhança entre o gesto do treinador do vestiário de 2001 e o da Seleção de 2016, penso que não se engana. O "toque" é aquele mesmo que deu no peito do zagueiro do Grêmio, só que se multiplicou para atingir em cheio a alma dos jogadores da Seleção e – efeito cascata – 200 milhões de brasileiros que agora gritam o seu nome. Técnica individual apurada sempre tivemos, mas sem despertar na alma de cada um a superação dos egos e a organização solidária, nenhuma coletividade é vencedora. Stanislaw Ponte Preta andou escrevendo que "... futebol se joga não com dois, mas três pés: o direito, o esquerdo e o do coração". Tite transformou a mágica da frase na realidade da Seleção.
*ZH ESPORTES