Eu estava lá. Sob um edredom, diante da TV, com o volume baixo porque minhas filhas já tinham ido dormir, mas, pelo menos em espírito, eu estava lá no Estádio Olímpico quando Thiago Braz conquistou o ouro no salto com vara. Portanto, me sinto apto para dar alguns pitacos sobre o chororô do francês Renaud Lavillenie.
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Resumidamente, o que aconteceu naquela noite de Olimpíada do Rio foi o seguinte: Lavillenie, então campeão olímpico e recordista mundial, liderava a final do salto com vara até que Thiago o desafiou, subindo o sarrafo. A essa altura – da disputa, não do sarrafo –, o público no estádio e milhões de brasileiros em seus lares haviam descoberto aquele garoto paulista de 22 anos. De repente, o país via-se na iminência de ganhar uma inesperada medalha. Já ficaríamos felizes se fosse de bronze ou de prata, mas o ouro reluzia ali por perto, uns seis metros acima do solo. A esperança da torcida traduziu-se em vaias para os rivais de Thiago: Lavillenie, o americano Sam Kendricks, que terminaria em terceiro, e o polonês Piotr Lisek. Sua vitória nos encheu de orgulho porque, pode-se dizer, prescindiu de atributos costumeiramente associados a atletas brasileiros – a garra, a malandragem, o talento inato. Foi uma vitória, apesar do cenário carioca, "fora de casa", longe das nossas zonas de conforto esportivas (futebol, vôlei, judô, vela), forjada pela combinação de coragem e técnica, muita técnica (salto com vara é uma ciência).
Lavillenie não reagiu bem à derrota. Chorou no pódio, reclamou da falta de fair play por parte da torcida, disse que era uma vergonha para o Rio e superdimensionou o episódio:
– Em 1936, a multidão estava contra Jesse Owens. Não tínhamos visto isso desde então.
Pois é, Lavillenie comparou-se ao americano Jesse Owens, atleta negro que conquistou quatro ouros nos Jogos de Berlim, em pleno regime nazista (Hitler, vocês sabem, pregava a superioridade da raça ariana e menosprezava os negros).
É verdade que, depois, Lavillenie reconheceu o exagero na citação. Mas também é verdade que ele continua exagerando, que ele segue com dificuldades para digerir a derrota. Nesta quarta-feira, em entrevista na Suíça, onde vai competir na etapa de Lausanne da Diamond League, o francês afirmou:
– Eu acho que Usain Bolt não teria sido tão amado se ele tivesse competido contra um brasileiro que pudesse correr em 9s80.
E também disse:
– O que foi muito decepcionante foi o que aconteceu no pódio (a nova saraivada de vaias – ou seria uma saravaia?). Thiago é muito jovem, talvez ele não esteja pronto para lidar com esse tipo de situação. Foi sua primeira final no cenário mundial.
Mon Dieu, duas mancadas em sequência! Mais uma e Lavillenie teria direito a pedir música no Fantasticô.
Achei descabida a referência a Bolt. O jamaicano veio ao Brasil num patamar bem mais elevado do que o do francês – veio para buscar, e conseguir, o tricampeonato olímpico em três provas. E o Raio tem um carisma que transcende nacionalidades – o que não parece ser o caso de Lavillenie.
Outra coisa que parece faltar ao vice-campeão olímpico é autocrítica. Quem tinha de saber lidar com esse tipo de situação – os apupos, a derrota – é justamente Lavillenie, por ter mais experiência. Ele não compreendeu que suas atitudes pós-competição contribuíram para as vaias do dia seguinte, no pódio. O pior é que Thiago tentou dar uma controlada nas emoções da torcida, o pior é que, após a cerimônia de premiação, o brasileiro procurou consolar o rival – vocês devem ter visto a foto dele com a mão pousada sobre o joelho do francês, sob os olhos do ucraniano Sergei Bubka, lenda do salto com vara. O que ninguém viu, nem no estádio, nem pela TV, foi Lavillenie parabenizando Thiago pelo triunfo naquela noite mágica. Até entendo que, no calor da hora, o derrotado não estivesse no clima para seguir o exemplo do americano Kendricks, que botou uma bandeira às costas e posou para fotos ao lado do novo campeão. Mas que tal um gesto mais simples, como um aperto de mãos, um polegar estendido em sinal de positivo? Enfim, se Lavillenie tivesse demonstrado espírito olímpico, acho que você nem teria lido este texto.
*ZHESPORTES