Adoro futebol e vejo o jogo desde criança e lá se vão quase 50 anos. Tenho lembranças afetivas parecidas com as que embalam milhões em todo o mundo.
Lembro do cimento da arquibancada do Olímpico, cada centímetro do cimento do meu Olímpico. E tantos jogos a que assisti por lá. Os porres que tomei, o cachorro quente com pão meio amassado, o café morno, a cerveja quente, as vitórias comemoradas e as derrotas amargadas. Os estádios não eram arenas, eram campos de futebol, campos de sonhos de crianças adultas.
Os nomes eram poéticos. O Estrela D'alva, o Pedra Moura, o Vermelhão da Serra, os Eucaliptos, a Timbaúva e a Colina Melancólica. Vocês querem um nome mais bonito que "Colina Melancólica"? E a Bombonera ou o Nuevo Gasômetro?
O Inter tinha o Gigante da Beira Rio, o Grêmio tinha o Olímpico Monumental.
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Cada estádio tem um nome com vida, uma história, origem de milhões de sonhos e de devoções incontadas, heróis e vilões, craques e pernas de pau desfilam nos campos de futebol de nossas memórias. Eu vi Pelé, Maradona, Renato, Ronaldinho, Falcão, Messi, Beto Fuscão, Beto Bacamarte, Danrlei, Manga, Neuer, Everaldo e Cláudio Radar. Vivi abraços de um gol, pulei de alegria e chorei de tristeza com tanta gente que eu nem sei contar.
Sei que o jogo ainda seduz e me encanta. Continuo sofrendo com as derrotas do meu time e voando nas asas de suas vitórias. Já não sinto mais o cimento do velho casarão da Azenha, os heróis e vilões seguem desfilando todo o domingo pelo campo, como se nada tivesse acontecido, mas tudo mudou.
O papel picado, os rolos de papel, o pó de arroz, o foguetório do time entrando em campo, a buzina que embalava a torcida, tudo desapareceu. Hoje a mídia defende a assepsia da torcida. Tudo tem que ser politicamente correto. A batalha do domingo é um jogo de críquete. Não sei se é o certo. O futebol virou um grande negócio, mas é preciso ter naming rights nos estádios? Ou podemos defender a alma nos campos de futebol? É tudo uma questão de escolhas. É possível mudar o mundo com a paixão. A força de um estádio é a alma de sua torcida, do seu time, construída com vitórias e derrotas, com alegria e tristeza, com raiva, com raça.
Defensores del Chaco. Que nome para um estádio de futebol! E o que falar do Estádio dos Aflitos? Eu não quero a Arena do Grêmio, quero o Coliseu do Humaitá ou outro nome que o torcedor escolher. Quero um campo de futebol com a alma do Estádio Olímpico de Porto Alegre, quero papel picado, rolo de papel higiênico, buzinas e foguetório na entrada do time em campo. É preciso ter sonhos, paixão e poesia no futebol. É preciso ter alma no cimento.
*ZHESPORTES