Já falei do papo longo que tive com ele em 2010, enquanto Montevidéu convulsionava com a classificação da Celeste sobre Gana nos pênaltis, 40 anos depois do México. Não era fácil entrevistar Eduardo Galeano.
Professor em universidades na Europa, jornalista reverenciado, escritor premiado no mundo inteiro, pode-se dizer que este torcedor do Nacional era uma unanimidade. Chutava-se uma moita e dela saíam vários repórteres atrás de alguns minutos com ele. Galeano era um apaixonado por futebol.
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Trancava-se em casa em períodos de Copa, disposto a assistir a todos os jogos possíveis pela TV. Eu tinha argumentos para ele topar um café na Ciudad Vieja. Lá estava a serviço de ZH, jornal de uma cidade que ele amava não só por remeter às ruas de sua casa no bairro Malvin.
Os amigos gaúchos, reunidos em torno da LP&M, sua editora no Brasil, certamente leriam e mandariam impressões. Mas o que encerrou a questão foi uma promessa:
– Minha pauta é sobre futebol, Uruguai e a sua seleção.
Ele topou na hora, mas sugeriu que eu falasse em português, o que me deixou um bom tempo traumatizado com o que supunha ser um aceitável acento espanhol. Na conversa, Galeano apontou as razões da decadência do futebol charrua, que desde o final do século passado mergulhou em um ostracismo inimaginável após décadas de glórias:
– Tudo começou quando passamos a confundir garra com violência e esquecemos de jogar.
Em seguida, deu um dado surpreendente. Na final de 1950, o Uruguai do Viejo Jefe Obdulio Varela cometeu menos faltas do que a Seleção Brasileira. Raça, alma, suor? Sim. Mas com o cuidado de não confundir com violência. É uma linha tênue que não raro coloca tudo a perder. Lembrei disso acerca de alguns mitos que cercam o passado recente do Grêmio.
Um deles aparece aqui e ali acerca do time de Roger, que trabalha com muita troca de passes. As viúvas da Era Felipão suspiram. É preciso mais divididas, mais encaradas, quem sabe até algumas faltas a mais. É um erro. Felipão vendeu o peixe de que tinha um time pior do que seus adversários, enfatizando a garra como grande arma. Mas era para motivar seus jogadores. Criar o clima.
A equipe de 1995 era um timaço. Venceu por isso. A de 1983, igualmente, com Oswaldo, Renato, Mário Sérgio, Paulo César Caju, Tarciso. Assim como o lendário Inter nos anos 1970, regido por Falcão, Figueroa, Carpegiani e Valdomiro.
Dinho virou cangaceiro no imaginário gremista e deu corda para isso, mas colocava a bola onde bem entendia como se tivesse uma bússula no pé. Aquela Grêmio de 1995 ganhou na bola, e não na pancada.
Wallace e Maicon entraram nesta pilha contra o Rosario, na Arena. Bateram. Espírito de Libertadores, coisa e tal. Levaram amarelo cedo e sumiram, inibidos pelo medo da expulsão. Hoje, este tipo de comportamento é suicídio. É passado, se é que algum dia foi presente. As câmeras flagram tudo.
William deixou o cotovelo em Bolaños. O árbitro não viu, mas a TV flagrou. Resultado: gancho de seis jogos. Por isso se vê Nacional de Medellín e Central quase se matarem de tanto lutar na Colômbia, mas sem violência. Trocaram sopapos quando o jogo terminou, mas enquanto a bola rolou foi só futebol. Soluções mágicas não existem. Essa história de pegada e raça como um fim em si mesmo não existe mais. É apenas uma grande confusão, como ensinava Eduardo Galeano.