Não estou entre a legião, cada vez maior, que defende o fim dos estaduais como a salvação de todos os males do calendário espremido. Aí nos tornaríamos uma Bundesliga de organização. Bobagem.
O fim dos torneios provinciais, além de golpear rivalidades seculares, decretaria o extermínio de centenas de clubes que não são de massa, mas mantém relações umbilicais com suas comunidades. Não se faz futebol apenas com times de milhões de torcedores.
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Os médios e pequenos existem e merecem respeito. A democracia não é a ditadura da maioria, e sim o convívio fraterno e respeitoso desta com suas minorias. O caminho é melhorar os estaduais, enxugando-os e transformando-os em pré-temporadas de luxo para os grandes.
Na cultura brasileira, é nessa realidade geográfica que os de menor porte sobrevivem, alimentados por suas paixões locais e mirando voos nacionais como passo seguinte de crescimento.
É o caso do Brasil-Pel.
O Brasil-Pel está diante do terceiro momento emblemático de sua história. Quando retornou de Porto Alegre com a taça do primeiro Gauchão à bordo, em 1919, foi recebido no porto de Pelotas por uma multidão. Os torcedores lançavam os chapéus para o alto, em júbilo.
Uma façanha aquele título, sobre o Grêmio de Lara. Em 1985, a final da Série A do Brasileirão não veio por um triz. Nem o Flamengo de Zico resistiu. O Xavante parou na semifinal, diante do Bangu, financiado pelos milhões dos bicheiros. A terceira onda xavante se aproxima. Chama-se Série B.
– Permanecer na Série B equivale a título para nós. Só quem vive o dia-a-dia de um clube do Interior, que luta com enormes dificuldades em nome de um torcedor humilde como o nosso, sabe do que estou falando. Jogaremos por nós, é claro. É vitrine, ascensão profissional. Mas jogaremos pelo que nos move e nos faz ficar aqui: a relação que temos com os xavantes – discursa, e bem, o capitão Leandro Leite.
O volante goiano de 33 anos faz parte de um triunvirato, que se completa com o técnico Rogério Zimmermann e o vice de futebol Claudio Montanelli. Eles estão juntos há quatro anos. Exagero falar em triunvirato, palavra derivada do latim, que na Roma dos Césares significava “três homens em pé de igualdade’’?
Os xavantes no alambrado do Bento Freitas, os rostos de Leandro e Rogério tatuados nos braços, nos dizem que não. Mas abordemos as dificuldades referidas pelo capitão. O excesso de trintões do elenco, talvez.
– Envelhecemos tanto assim em três meses, desde que subimos diante de 60 mil pessoas no Castelão, contra o Fortaleza? E os títulos de campeão do Interior no Gauchão, em 2014 e 2015?
O capitão não gosta muito dessa história de trintões, como se vê. Márcio Hahn (38), Wender (37), Eduardo Martini (36), Gustavo Papa (36), Fernando Cardozo (36), Luiz Muller (34) , Nena (34), Diogo Oliveira (33) e Galiardo (30) estão nessa faixa. Mas as questões centrais são outras:
– O estádio. Em três anos, voltamos para a elite do futebol gaúcho e fomos da D para a B no Brasileirão. Sem o Bento Freitas, jamais chegaríamos até aqui. Nossa maior motivação é ver aquela loucura. Contagia. É um laço muito forte.
É o nosso segredo.
Interrompo para saber do aspecto financeiro, para além de encontrar um jeito de garantir a capacidade mínima de 10 mil pessoas exigida para a Série B, com o Bento Freitas em obras:
– Desde que cheguei, em 2012, sempre houve atraso de salários de até três meses. Mas a direção é transparente. O presidente (Ricardo Fonseca) não nos enrola. Explica o problema de caixa e dá um jeito de pagar. Temos de ter paciência. O Rogério diz que, nessas horas, parar de lutar é a pior receita. Aí é que não vem nada mesmo. A saída é a gente se abraçar e seguir em frente. Abraçado, fica mais fácil.
O momento atual é mais tranquilo, concorda Leandro. São nove patrocinadores. O acesso nacional garantiu reforço no caixa. A cota pelo Gauchão pulou de R$ 1 milhão para R$ 1,5 milhão. A CBF repassará R$ 5 milhões da TV para cada clube da Série B.
Daí a importância de não cair. O Brasil-Pel perderia milhões. Que não garantirão tudo em dia até o fim do ano, mas já dão um “ufa”. Por fim, o capitão ecoa os pedidos do técnico:
– Precisamos de reforços. O grupo é pequeno (26 jogadores, sendo quatro goleiros) para um campeonato longo de pontos corridos como a Série B.Que o Xavante navegue a sua terceira onda e atraque a salvo em um porto seguro, como naquele Gauchão de 1919.